A portaria para armar a população mencionada pelo presidente Jair Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril dispensou pareceres técnicos e teve “anuência” do Ministério da Justiça e da Segurança Pública por WhatsApp, segundo o Instituto Sou da Paz com informações obtidas pela Lei de Acesso à Informação.
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“Eu peço ao Fernando [ministro da Defesa] e ao Moro [então ministro da Justiça] que, por favor, assine (sic) essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não da pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais”, disse o presidente no vídeo da reunião ministerial, cujo sigilo foi levantado na última sexta-feira (22).
A norma mencionada por Bolsonaro é a Portaria Interministerial nº 1634/2020, que foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia seguinte, 23 de abril, com as assinaturas do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro. O texto aumentou a quantidade de munições que podem ser adquiridas por várias categorias, elevando de 200 para 550 o número de projéteis permitidos anualmente por registro de arma de civis.
O texto também aumenta para 650 as unidades permitidas para compra por policiais, bombeiros e integrantes das Forças Armadas. Foi permitido a essas autoridades comprar, por mês, até 300 unidades de munição esportiva calibre 22; até 200 unidades de munição de caça e esportiva nos calibres 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36 e 9.1mm; até 100 unidades das demais munições de calibre permitido; e até 50 unidades de munições de calibre restrito.
Em janeiro deste ano, o governo havia determinado um limite de 200 unidades por arma de fogo para pessoas físicas e 600 unidades por arma para integrantes de órgãos de segurança e instituições previstas no Estatuto do Desarmamento, sem especificações. A norma de abril revogou a de janeiro.
PublicidadeO Instituto Sou da Paz solicitou ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Justiça a justificativa por trás de um novo aumento menos de quatro meses após a portaria anterior, bem como pareceres jurídicos, técnicos, atas etc.
Presidente pressionou aumento
Nos documentos recebidos pelo Sou da Paz, há menção de uma urgência para manifestação do Exército e de que alterações foram decorrentes de “decisão superior”. Para o instituto, este é um indício de que a decisão para aumentar o número de munições (e incluir cotas diferente para tiro esportivo e caça) pode ter vindo do Planalto e foi executada pelo Ministério da Defesa.
Em vários pareceres jurídicos do Ministério da Defesa há a recomendação de que o aumento seja avaliado tecnicamente por órgãos legalmente competentes, como Polícia Federal e Exército, mas não há parecer técnico de nenhum dos dois órgãos.
“Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz uma bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se estivesse armado, ia para a rua”, disse o presidente no vídeo da reunião.
Depois que o texto foi alterado, a única menção à nova apreciação do Ministério da Justiça é uma mensagem de Whatsapp com concordância da chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos, Fernanda Regina Vilares.
Ao Estadão, o ex-ministro Sérgio Moro disse que sofreu pressão do presidente Bolsonaro para aprovar a portaria. Moro revelou que não se opôs ao presidente para não abrir um novo ‘flanco’ de conflito no momento em que tentava evitar a troca no comando da Polícia Federal, o que ele considera que daria margem para uma interferência indevida no órgão.
“A portaria elaborada no MD (Ministério da Defesa) foi assinada por conta da pressão do PR (Presidente da República) e naquele momento eu não poderia abrir outro flanco de conflito com o PR”, explicou o ex-ministro à reportagem.
Autorização dada por militar sem cargo
Segundo os documentos, a análise técnica do Exército foi feita sob pressão, com devolução em menos de 24h por urgência de “ordem superior” e sem anexar um parecer (há apenas uma resposta de duas linhas no corpo do email).
Além disso, ela ocorreu partir de um e-mail pessoal de um diretor que já havia deixado a função, o general Eugênio Pacelli Vieira Mota, exonerado em 25 de março do cargo de Diretor de Fiscalização de Produtos Controlados. Pacelli foi para a reserva e substituído pelo general Alexandre de Almeida Porto.
Procurados, os Ministérios da Defesa e da Justiça ainda não responderam. O espaço continua aberto para posicionamentos.
O Instituto Sou da Paz é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) cuja missão é contribuir para a implementação de políticas públicas de segurança que sejam eficientes e pautadas por valores democráticos e pelos direitos humanos.
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