O presidente Jair Bolsonaro informou nesta quarta-feira (21) que uma “pequena mudança ministerial” deve ocorrer nos próximos dias e dentre as expectativas está a recriação do Ministério do Trabalho, pasta incorporada ao ministério da Economia no início do governo. Um malabarismo com vistas a bem acomodar o PP, que desde 2020 cava espaço no Executivo. O Progressista integrava a base do PT, apoiando a eleição dos ex-presidentes Lula e Dilma, além de ter figurado entre as siglas recordistas de processos na Lava Jato.
A lógica de Bolsonaro passa por um jogo de estica e puxa. Ao recriar a pasta, ele deve indicar para o posto o fiel escudeiro, Onyx Lorenzoni (DEM), hoje chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. A cadeira vaga está por ser ocupada pelo atual ministro da Casa Civil, o general Luiz Eduardo Ramos, que seria substituído por ninguém menos que o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI). A ida de Ciro para a Casa Civil foi confirmada ao Congresso em Foco pelo líder do governo no senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
“O centrão já almejava um ministro dentro do Palácio do Planalto. Isso era moeda de troca desde o ano passado e a indicação do Ciro, neste momento, só confirma isso”, afirmou um ex-aliado na condição de reserva. As mudanças devem ser anunciadas na segunda-feira (26).
Atualmente, o centrão possui o comando da Secretaria de Governo, com Flávia Arruda (PL-DF), mas o trabalho dela tornou-se alvo de fogo amigo. A chegada de Ciro à Casa Civil, porém, dará outra dimensão à presença do bloco no governo. Primeiro porque a pasta tem uma estratégia singular: a Casa Civil é ponte com a base aliada no Congresso e responde por toda articulação junto aos ministérios. Segundo pelo perfil do senador. Ciro é visto como um nome-chave dentro do Congresso. Ciro possui não apenas bom trânsito, mas relação de amizade próxima com fortes opositores do governo como é o caso do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que o considera “amigo”.
As articulações de Ciro Nogueira
Visto como líder do centrão, Ciro Nogueira é um articulador nato. Em 2018, elegeu-se com a imagem do ex-presidente Lula, apoio ao PT no Piauí, estado ao qual pertencente, e críticas a Bolsonaro. Em entrevista à TV Meio Norte, o senador chegou a chamar o atual presidente de “fascista” e “preconceituoso”.
“O Bolsonaro, eu tenho muita restrição, porque é fascista, ele tem um caráter fascista, preconceituoso, é muito fácil ir para a televisão e dizer que vai matar bandido”, afirmou.
Ciro Nogueira é presidente do Progressistas desde 2013. Em 2020, o senador aproximou-se de Jair Bolsonaro e decidiu romper com o partido que apoiara nas eleições, isto é, o PT. Com isso declarou oposição ao atual governador do Piauí, Wellington Dias (PT-PI) e tem buscado se fortalecer para concorrer ao Executivo do estado.
Aposta para acalmar o Senado
Ao abrigar Ciro, o presidente Bolsonaro também assegura um espaço para um nome do Senado, Casa onde ele enfrenta algumas das principais disputas políticas. Se na Câmara Bolsonaro conta com o escudo do presidente, deputado Arthur Lira (PP-AL) – que vale destacar, controla um orçamento de quase R$ 11 bilhões em emendas – entre os senadores o governo caleja na articulação, tornando-se alvo recorrente de disparos.
Durante cerca de dois meses a CPI da Covid trouxe à público, quase que diariamente, denúncias de erros, omissões e possíveis irregularidades na condução das políticas de combate à pandemia.
Além disso, outrora aliado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), passou a ser cotado como pré-candidato à presidência e começou a dar sinais de esfriamento da relação com Bolsonaro. Antes do recesso, Pacheco convocou uma coletiva na qual, em tom firme, posicionou-se contra declarações do Bolsonaro sobre fraude nas eleições e saiu em defesa do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).
Oposição vê enfraquecimento do presidente e tentativa de barrar impeachment
Tanto na Câmara, quanto no Senado, a avaliação entre parlamentares de oposição é a de que, ao abrir espaço para o centrão, Bolsonaro evidencia o esfacelamento da base de apoio.
O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), avalia as mudanças ministeriais como um enfraquecimento do governo. “Essa dança das cadeiras é uma demonstração da fraqueza de Bolsonaro e de seu governo. Ao ceder a Casa Civil, Bolsonaro está terceirizando o governo. Já não governa mais, apenas tenta evitar o impeachment. Para isso, sacrifica pessoas de sua confiança e até pilares de sua campanha, como o ex-super-ministro Paulo Guedes“, disse.
Molon também classifica a alocação de Onyx como um “objetivo evitar a perda de aliados num momento em que o governo está afundando”.
Na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE) o gesto pode ser entendido como uma aposta do presidente para, dentre outras coisas, frear os processos de impeachment. Atualmente são listados mais de cem. “O governo está terminando de se entregar para o centrão. [A ida de Ciro Nogueira para a Casa Civil] Mostra um enfraquecimento do governo que está perdendo a base de sustentação. Tem uma série de pedidos de impeachment e ele estão fazendo um ajuste para manter o mínimo de votos [contra os pedidos]”, disse.
Já para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) a ida de Nogueira para a pasta não deve mudar muito o quadro vivido pela da base de governo no Congresso. Ele também afirma que, mesmo com o bom trânsito de Ciro junto aos cabeças da CPI, não haverá interferência nos trabalhos. “Eu não vejo possibilidade nenhuma de mudança porque Ciro já faz parte da base então é apenas entregar um cargo para o centrão. É uma estrutura que já está posta, então não deve trazer tanto impacto, nem para a CPI, nem para o Senado”, comentou.
Já sobre a possível nomeação de Onyx, para o Ministério do Trabalho, Vieira ironizou: “Onyx no Ministério do Trabalho vai resolver o problema de um emprego, o dele”.
O vice-lider da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), se pronunciou pelas redes sociais. Ramos foi alvo de ataques do presidente que creditou a ele a culpa pela aprovação do fundo eleitoral no valor de R$ 5,7 bilhões dentro da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) 2022. Ramos presidia a sessão.
Presidente, não adianta trocar o Ramos! Seja homem e reconheça publicamente que a sua verborragia e seu desejo de proteger seu filho fez cometer uma covardia e uma injustiça com quem tocou uma pauta quer era de interesse do governo. Seja grande e reconheça seu erro. pic.twitter.com/pXydyeHBIv
— Marcelo Ramos (@marceloramosam) July 21, 2021
Um partido para chamar de lar
Paralelo à tentativa de Bolsonaro de assegurar uma base de sustentação no Congresso, a entrega da Casa Civil para o PP pode resolver outro “problema” do presidente, a dizer, a falta de uma sigla que o abrigue. “É um jogo duplo. Com Ciro, Bolsonaro abriga o Centrão e tenta garantir espaço no PP. Ele [Bolsonaro] não está em condições de exigir nada e ninguém quer entregar um partido para ele governar. O PP é uma aposta”, avaliou o vice-líder do PSL na Câmara, deputado Junior Bozzella.
Bolsonaro foi filiado ao PP por dez anos como deputado.
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