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A ideia em um segundo
A população atônita assiste a uma avalanche de mortes e ao descaso do presidente com a pandemia e o país – cada vez mais abalado econômica e emocionalmente. Considerado peça-chave na manutenção de Bolsonaro no poder, o Centrão acompanha os flertes do aliado com o autoritarismo e testa sua capacidade de retribuir a troca de juras. Mas, temendo uma traição, já lança olhares de cobiça para um antigo noivo, o ex-presidente Lula, que volta à trama para tornar o seu desfecho ainda mais imprevisível. Quem pagará para ver?
Triste espetáculo
Mal chegou ao patamar de duas mil mortes diárias, o país dá sinais de que vai direto para a média de três mil mortes por dia. Um show aterrorizante, mas que não deixa de ter o elemento do fantástico, inclusive pela resiliência demonstrada pela massa, que não se mobiliza de forma mais contundente para reagir.Aparecem sinais, contudo, de que a pressão aumentou e que está reverberando no sistema político federal. A pressão intensa do Centrão pela troca do ministro da Saúde é um desses sintomas. Pesquisa Datafolha divulgada na última quarta-feira (16) mostrou que cresceu de 48% para 54%, de janeiro para cá, o percentual de brasileiros que reprovam Bolsonaro por sua forma combater a pandemia. O presidente também é apontado por 43% dos entrevistados como o maior responsável pela dimensão da atual crise sanitária no país. Além disso, ele aparece com apenas 16% das menções quando a pergunta é sobre quais autoridades têm combatido a covid-19 – atrás de prefeitos, com 28% e de governadores, com 38%.
Na população em geral, principalmente nas capitais, a realidade da falta de atendimento se tornou tangível. Como um grande exemplo, viralizou uma situação atribuída ao prefeito de Curitiba, que teria ouvido de um empresário: “Tenho dinheiro para comprar dois hospitais, mas não consigo um leito para minha mãe”. A superlotação da rede pública e privada coloca todos em uma sombria igualdade fática. E isso incomoda muito os que “são mais iguais do que os iguais”.
A primeira trinca na aliança
Bolsonaro arriscou esnobar flagrantemente o aliado recém-eleito para a Presidência da Câmara dos Deputados. Arthur Lira (PP-AL), em um gesto não muito comum, assumiu explicitamente a indicação da médica Ludhmila Hajjar. Arriscando melindrar o presidente de um outro Poder com o qual se estava contando, até ontem, para fazer avançar as pautas de interesse.
A escolha por Marcelo Queiroga, mais uma da cota pessoal do presidente, irritou o Centrão e levou a comentários do tipo “a próxima troca será de presidente”. Ainda que o impeachment permaneça uma realidade muito distante agora, o comportamento errático de Bolsonaro sempre pode fazer a discussão voltar à tona.
PublicidadeAs águas de março
O mês de março tem um significado simbólico importante para Jair Bolsonaro. Nos dois últimos anos, foi justamente em março que o presidente mais intensificou o discurso antidemocrático. Em 2021 não está sendo diferente, inclusive com o retorno de manifestações de rua em prol do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Nesta semana, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região aprovou um recurso da Advocacia-Geral da União que defendia o direito do governo de fazer atividades em alusão ao golpe militar de 1964, derrubando uma decisão em contrário.
Se o impacto de uma eventual participação do presidente nesses atos não é perceptível em termos de resultado de votações no Parlamento, a deterioração dos humores é palpável.
Chove chuva… chove sem parar
Por outro lado, o presidente vai se molhando na chuva de denúncias. O escândalo da rachadinha (crime de peculato) inicialmente restrito ao seu filho Flávio, vai contaminando o entorno e chega ao próprio presidente, com novas apurações. Embora seja um tipo de escândalo de lento cozimento e que, na realidade brasileira, tem um histórico de baixa resolutividade, sobretudo diante do naufrágio definitivo da Lava Jato, funciona como um elemento adicional de pressão sobre Bolsonaro.
Para usar uma palavrinha da moda, as denúncias minimamente comprometem a narrativa de combatente da corrupção, já bastante prejudicada desde a saída de Moro do governo.
A largada da corrida eleitoral
Muita ênfase se dá à antecipação do processo eleitoral. Na realidade, contudo, já faz tempo, para antes de Bolsonaro, que os mandatos se converteram em campanhas permanentes. Vários estudiosos, como o espanhol Manuel Castells, para citar apenas um, destacam como os desenvolvimentos sociotécnicos, particularmente as mídias de massa, transformaram a política em espetáculo permanente.
De qualquer modo, a contagem regressiva para o pleito tem sua contraparte na contagem progressiva da intensidade com que o assunto aparece no cotidiano. O retorno de Lula ao cenário, com seu já vastamente comentado discurso inaugural, acelera e intensifica esse movimento.
A decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do petista teve efeito desnorteador. O governador João Doria (PSDB), por exemplo, chega a aventar uma desistência do pleito presidencial. Bolsonaro, na primeira aparição pública posterior, vestiu máscara e praticou distanciamento social. O apresentador Luciano Huck aumenta sua presença nas redes sociais comentando sobre política. Enfim, foi como se os atores ouvissem, da coxia, o toque da terceira campainha, a anunciar ao público o início próximo da apresentação.A corrida no Congresso
Quais serão os efeitos da corrida presidencial no Congresso? Se há uma unanimidade, é de que eles existirão. Desde os quase cômicos, como o perfil em rede social de um partido do Centrão que curtiu o post do discurso do Lula, aos pragmáticos, como a manifestação em off de membros de legendas do mesmo bloco, indicando que poderão considerar fazer parte de uma eventual chapa com o ex-presidente Lula.
A economia em marcha lenta
Os indicadores de alta frequência, como compras com cartão de crédito, dão sinais de que a Economia vai patinar no primeiro trimestre e talvez no segundo. Na contramão, por uma combinação de fatores – aumento da inflação, pressões sobre o dólar, risco fiscal –, o Banco Central se viu obrigado a aumentar a taxa de juros (com efeitos negativos sobre as perspectivas de crescimento e piorando o desempenho fiscal). Pela primeira vez em quase seis anos o BC aumentou a taxa de juros – de 2% para 2,75% ao ano. Em comunicado, já deu sinais de que continuará com a elevá-los nas próximas reuniões.
O Farol já se manifestou, ano passado, sobre a possibilidade de o governo Bolsonaro vir a enfrentar um processo de estagflação – inflação + falta de crescimento – no seu biênio final, com crescente desorganização do sistema econômico e entrada em ciclo vicioso, como já aconteceu no passado, que se pretendia muito distante.
As cortinas vão se fechar?
Dra. Ludhmila Hajjar, a quase ministra, anteviu que chegaremos a 500 mil mortes por covid-19. No momento em que concluímos este texto, o Congresso lamenta, ainda em estado de choque, a morte do senador Major Olimpio (PSL-SP), no vigor de seus 58 anos – o terceiro integrante do Senado a perder a vida para o coronavírus. Uma morte que atesta que nem as pessoas mais saudáveis aparentemente estão imunes à tragédia e dá novo choque de realidade ao Congresso.
Quando esse show da vida de horrores vai se encerrar parece uma realidade afastada dos brasileiros. As vacinas são uma promessa, sim, mas que, com o perdão do trocadilho, chegam em gotas.
Tempos confusos, em que a incerteza aumenta muito, deixando todas as possibilidades em aberto e embaralhando os cálculos das probabilidades. Triste espetáculo.
Termômetro
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Geladeira
A dupla Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL) teve a sua pior semana desde que chegou à presidência do Senado e da Câmara. Lira se viu frustrado com a nomeação do cardiologista Marcelo Queiroga para o Ministério da Saúde, dois dias depois de ter declarado publicamente apoio à médica Ludhmila Hajjar. A decisão de Bolsonaro foi vista como sinal de desprestígio do líder do Centrão e aumenta a incógnita sobre o ritmo das reformas. Já Pacheco foi fortemente cobrado pelos colegas a instalar a CPI da Covid. Sob pressão inédita, não conseguiu extrair dos líderes nesta quinta-feira uma pauta para a próxima semana.A dupla Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL) teve a sua pior semana desde que chegou à presidência do Senado e da Câmara. Lira se viu frustrado com a nomeação do cardiologista Marcelo Queiroga para o Ministério da Saúde, dois dias depois de ter declarado publicamente apoio à médica Ludhmila Hajjar. A decisão de Bolsonaro foi vista como sinal de desprestígio do líder do Centrão e aumenta a incógnita sobre o ritmo das reformas. Já Pacheco foi fortemente cobrado pelos colegas a instalar a CPI da Covid. Sob pressão inédita, não conseguiu extrair dos líderes nesta quinta-feira uma pauta para a próxima semana.
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Chapa quente
2022, o ano que já engoliu 2021. O crescimento desesperador da pandemia, os indicadores preocupantes da economia, a perda de popularidade de Bolsonaro, as denúncias contra familiares do presidente e a volta de Lula à corrida eleitoral aceleraram freneticamente o calendário. A pesquisa do Datafolha divulgada esta semana que mostrou que mais da metade dos brasileiros rejeita Bolsonaro animou o centro e a esquerda. Mas, como nenhum desses dois lados tem conseguido falar a mesma língua, será preciso muita paciência para saber como e quando acabará 2022.
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