O verbete “Cristofobia” apareceu nos anais da Organização das Nações Unidas antes de aparecer em dicionários como o Caldas Aulete e Michaelis. A fala de Bolsonaro na abertura da Assembleia das Nações Unidas, ontem (22), apresentou ao Brasil um termo pouco conhecido no país – o “ódio à cristãos” ou “ódio à religião cristã fez disparar as buscas pelo termo no Google, imediatamente após o discurso.
O termo já aparece em artigos de revistas brasileiras em 2012, quando se comentava o ódio a cristãos e ao ocidente. Mas a perseguição a católicos está longe de ser um problema a ser enfrentado no país.
A ONG Portas Abertas, que há mais de 60 anos apoia cristãos perseguidos pelo mundo, anualmente destaca os 50 países onde há maior opressão a católicos. Na liderança, a Coreia do Norte proíbe e reprime qualquer religião que não seja a ideologia Juche, que glorifica os pais fundadores da nação. Das 10 maiores repressoras, seis ficam na Ásia e quatro na África.
O Brasil jamais apareceu apareceu na lista desde sua criação, em 1990. Na edição deste ano, a lista também aponta que o problema não é comum nos países do chamado “Ocidente”: o rol de nações problemáticas ao cristianismo conta com apenas um representante das Américas (Colômbia, em 41º) e um da Europa (a Turquia, em 36º lugar). O Brasil também não integra a chamada “Lista de Observação” da entidade, que adiciona outros 23 países com riscos moderados à prática religiosa.
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O que impressiona não é o uso da palavra – mas que isso ocorra por um chefe de estado como Bolsonaro. A análise é do professor da Universidade de Brasília (UnB), Agnaldo Cuoco Portugal, que coordena o grupo de pesquisa em Filosofia da Religião na universidade.
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Publicidade“Preocupa o fato de um presidente da República falar de um assunto que não é política. Cristofobia é um assunto que tem a ver com religião, e ele não é um líder religioso”, explicou o professor. Agnaldo aponta que o discurso de combate ao ódio contra cristãos não é necessariamente novo: “Já vi o Papa Francisco falando desta perseguição. O patriarca de Moscou também. Aí faz sentido – a estas autoridades faz sentido falar contra a perseguição de cristãos”, disse, referindo-se ao líder da Igreja Católica Apostólica Romana e a Cirilo I, líder da Igreja Ortodoxa Russa.
Questionado de onde seria a gênese desta perseguição contra o grupo religioso, o professor aponta uma hipótese que passa longe de guerras, mortes e massacres. “Talvez, ligado a isso, há um próprio sentimento da dificuldade de aceitação do cristianismo dentro do meio acadêmico, onde as elites intelectuais brasileiras e europeias têm uma atitude em geral negativa contra o cristianismo, e desde o século XIX isso existe”, comentou Agnaldo.
Ele deu um exemplo prático da gênese desta “Cristofobia”, ocorrido nos Estados Unidos: a Universidade de Harvard, hoje uma das mais conceituadas e respeitadas no planeta, tinha um fundo religioso tão forte em sua formação que seus primeiros graduados acabavam desempenhando a função de clérigos em diversas correntes do cristianismo.
Isso acabou após 1870, quando um novo reitor deu caráter secular à instituição. “No século XIX há essa substituição do poder acadêmico dos clérigos por acadêmicos leigos, criando uma concepção de que o cristianismo era anticientífico”, refletiu, “E isso acaba afastando a comunidade acadêmica, e mesmo as classes populares”.
Por mais que haja grupos fundamentalistas cristãos – que defendem teorias já derrubadas pela ciência, como o criacionismo – Agnaldo aponta que a ciência, como está formada hoje, se baseia no conceito de que o progresso social estaria na superação da religião. “Então [esta reclamação de grupos religiosos] não é algo totalmente descabido, não.”
Agnaldo também apontou que a Cristofobia pode sim ter consequências práticas com perseguições que acabem em morte – mas ressaltou que isso ocorre em casos geograficamente isolados, em países como Sudão e Nigéria.
O discurso bolsonarista mostra que não se trata apenas de uma entrada da religião na política, mas também do inverso – a política estaria entrando na religião. Qualquer uma das duas manobras, pondera Agnaldo, é perigosa. “O chefe de nação defender determinada religião incorre no perigo de aumentar sua legitimidade política. E é algo perigoso numa democracia por conta de sua laicidade – o Estado não pode tomar uma posição religiosa, em detrimento de uma ou outra outra expressão”, explicou.
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