A expressão “o ano x não terminou” geralmente é utilizada de forma figurada para retratar a ideia de que certos eventos, tendências ou problemas característicos de um determinado ano continuam a influenciar o período subsequente. Assim, embora o calendário tenha avançado, as circunstâncias daquele ano específico ainda estão presentes e são marcantes no momento posterior.
Nesse sentido, é possível afirmar que o ano de 2015 não terminou no âmbito da Advocacia Geral da União (AGU). Com efeito, as principais motivações para a intensa mobilização dos advogados públicos federais em 2015 são, na essência, as mesmas para as movimentações em curso em 2024.
Em 2015, os integrantes das carreiras jurídicas da AGU (advogados da União, procuradores da Fazenda Nacional, procuradores do Banco Central do Brasil e procuradores federais) buscavam: a) simetria remuneratória com as carreiras das demais Funções Essenciais à Justiça e b) autonomia institucional (financeira, administrativa e funcional). Esses dois objetivos estavam representados na aprovação das propostas de emenda à Constituição (PEC) 82/2007 e 443/2009.
Entre os pleitos “secundários” figuravam: a) criação de uma carreira especializada de apoio administrativo; b) reconhecimento do exercício da advocacia plena e c) indenização por acúmulo de atribuições e trabalho extraordinário, nos moldes do que se aplicava à magistratura federal e aos membros do Ministério Público da União.
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Em paralelo ao movimento reivindicatório, os membros da AGU desenvolveram um contundente conjunto de ações buscando a exoneração do então advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Embora integrante de uma das carreiras jurídicas da AGU, a posição do chefe da instituição era amplamente reconhecida como insensível aos reclamos dos advogados públicos federais. Ademais, identificava-se, na postura do advogado-geral, a prática de uma inaceitável advocacia de governo (ao invés da necessária advocacia de Estado).
A mobilização de 2015 envolveu um conjunto bem diversificado de atividades. Entre elas, podem ser destacadas: a) atos públicos; b) forte trabalho parlamentar; c) caravana de reuniões em cada órgão da AGU e d) entrega (pedidos de exoneração) de cargos comissionados (de direção, chefia e assessoramento).
Para ilustrar a “delicadeza” da situação vivenciada reproduzimos uma fala do ministro Gilmar Mendes ao Correio Braziliense do dia 30 de agosto de 2015. Disse o hoje decano do Supremo Tribunal Federal (STF): “A AGU está numa crise profunda, que afeta a Procuradoria da Fazenda” (fonte: correiobraziliense.com.br). O Informativo Migalhas de 26 de agosto de 2015 veiculou notícia com o seguinte título: “AGU enfrenta grave crise institucional e membros entregam cargos de chefia. De acordo com a Unafe, foram registradas mais de 5 mil declarações entre entregas de cargo, não assunção dos postos de trabalho e recusa de viagens” (fonte: migalhas.com.br).
A intensa movimentação não conseguiu atingir seus objetivos principais. Aliás, a falta de simetria remuneratória e de ausência de autonomia institucional são dois combustíveis para um certo estado de mobilização permanente na AGU.
Ocorre que a conquista da percepção de honorários de sucumbência pelos advogados públicos federais, com a aprovação do novo Código de Processo Civil (CPC) e da Lei 13.327/2016, estabeleceu uma espécie de suspensão das insatisfações e do ímpeto mobilizatório por alguns anos (entre 2017 e 2023).
A referida “suspensão mobilizatória” chegou ao fim em 2024. Os advogados públicos federais perceberam que o recebimento de subsídios em contínuo achatamento em conjunto com honorários advocatícios em valores crescentes se caracteriza como um arranjo com inúmeros problemas, em especial: a) baixa atratividade das carreiras (em função da não-percepção e recebimento reduzido dos honorários nos primeiros anos de exercício funcional); b) redução significativa dos honorários ao longo da aposentadoria; c) recorrente risco de perda da verba por decisão do Congresso Nacional e d) supressão dos honorários em parcelamentos especiais e situações afins.
Curiosamente, a “segurança” decorrente da declaração de constitucionalidade da percepção de honorários de sucumbência adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e dos índices crescentes de eficiência (arrecadatórias e de vitórias nas demandas judiciais) é tênue e ilusória.
Ademais, convive-se com significativos aumentos de subsídios para os integrantes das demais funções essenciais à Justiça. O quadro de ganhos “paralelos”, por intermédios de inúmeras verbas indenizatórias, algumas aceitáveis, outras não, promovem um contínuo, indesejável e indevido distanciamento remuneratório das carreiras jurídicas da AGU.
Diante desse quadro delicado, a mobilização dos advogados públicos federais voltou com força em 2024. Busca-se uma recomposição dos subsídios para alcançar o antigo anseio de simetria com as demais funções essenciais à Justiça (art. 39, parágrafo primeiro, inciso I, da Constituição). A pretensão de autonomia institucional para a AGU retoma sua força como solução definitiva para os percalços vivenciados, na trilha já percorrida pela Defensoria Pública (Emendas Constitucionais ns. 45/2004, 74/2013 e 80/2014).
No dia 6 de junho próximo passado uma marcha de mais de 400 advogados públicos federais (do prédio-sede da AGU para a sede do Ministério da Gestão) deu visibilidade ao descontentamento crescente. Grupos de mensagens eletrônicas com centenas de participantes foram formados e revelam uma interação em nítida aceleração. Reuniões virtuais e presenciais, em número crescente, contam com centenas de participantes. Uma forte atuação parlamentar foi desencadeada para barrar o avanço do Projeto de Lei n. 6.381/2019, que pretende vedar a percepção de honorários de sucumbência pelos advogados públicos federais.
Toda essa movimentação despertou o atual Advogado-Geral da União, Jorge Messias, de uma postura letárgica e até refratária aos membros da instituição. O Ministro, como indevidamente qualificado, acusou o aumento da temperatura interna e tratou, em uma clara e suspeita mudança de rumos, de alinhar o discurso aos reclamados dos liderados. A pergunta que ainda não tem resposta clara é se o novo palavreado do Advogado-Geral correspondente a uma atuação concreta em defesa da instituição e de seus membros.
A primeira rodada de tratativas na mesa de negociação no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), ocorrida em 26 de junho próximo passado, revelou-se uma das páginas mais tristes da história da Advocacia Pública Federal. A primeira fala do negociador governamental registrou que não havia uma proposta remuneratória concreta e razoável a ser apresentada (lembrando que algumas carreiras de servidores sequer conversaram com o MGI sobre definição de remunerações). Em acréscimo, foi dito que aquela mesa de negociação sequer deveria existir. Ao final dos trabalhos, os advogados públicos federais foram profundamente desrespeitados por um burocrata desprovido do mínimo de condições de realizar um diálogo institucional de alto nível.
O delicado contexto atual demonstra, mais uma vez, que só a mobilização dos membros da AGU, e a pressão política decorrente, nos limites democráticos e republicanos, poderá mudar significativamente os rumos da instituição. Conquistas remuneratórias e organizacionais não são benesses e nem caem do céu. É pura ilusão acreditar no angelical reconhecimento de competências e importâncias por parte dos governantes de plantão, independentemente das colorações partidárias.
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