A pesquisa qualitativa feita pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) e pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep) da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) com eleitores que optaram pelo presidente Jair Bolsonaro em 2018 é um achado riquíssimo. Pela primeira vez, é possível compreender as nuances do pensamento bolsonarista, tanto daqueles que seguem fieis ao capitão presidente quanto dos que se arrependeram do voto e agora cogitam migrar para outros caminhos.
Trata-se da primeira pesquisa qualitativa desse tipo. E pesquisas qualitativas são geralmente mais preciosas que as quantitativas, aquelas que somente emparelham percentuais. Porque permitem um mergulho mais aprofundado na cabeça do eleitor e nas suas motivações.
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A pesquisa mostra a força desse bolsonarismo. Mostra que ele diminuiu fortemente nos últimos tempos, abalado pela quase inexplicável opção de Bolsonaro por negar a ciência e o óbvio ululante à sua frente de uma doença que se espalhava. E com a crise econômica que se agravou por consequência desses erros. Mas mostra também a parte explicável da opção feita por Bolsonaro de negar a ciência e o óbvio, porque isso também domina os sentimentos da parcela mais raiz do seu eleitorado.
Desde segunda-feira (13), temos mergulhado nessa pesquisa para entendê-la e tirar dela o máximo possível de informação. A íntegra dela está nesta matéria.
Nesta coluna, vamos nos fixar em um ponto da pesquisa que é uma excelente notícia para todos aqueles que se preocupam com os riscos à democracia que surgiram com a ascensão do grupo à direita que chegou ao poder com Bolsonaro. Os eleitores do capitão – não apenas os que agora estão migrando para outros candidatos, mas mesmo aqueles que permanecem com ele – não desejam a volta de uma ditadura. “Foi bastante minoritário (…) o apoio ao retorno da ditadura, mesmo entre os grupos de seguidores mais fiéis ao presidente”, informa a pesquisa. “As falas carregadas de entusiasmo pelo regime autoritário foram limitadas a poucos participantes, geralmente homens mais velhos e de perfil bastante radical sobre todos os temas”.
PublicidadeQuando se sabe que Bolsonaro replica aqui estratégias de Donald Trump, e quando se sabe que essas estratégias procuraram nos Estados Unidos minar por lá o regime democrático, essa é uma ótima notícia. Indica que, por aqui, aparentemente os eleitores de Bolsonaro não teriam disposição de embarcar numa aventura autoritária.
Os grupos até enxergam com bons olhos a ditadura militar brasileira, observa a pesquisa. “Há um grupo maior que avalia a ditadura iniciada em 1964 de modo positivo, acreditam que foi uma época de segurança, de pouca violência e sem corrupção, e que foi negativa apenas para ‘gente da esquerda’. Há também uma visão de que o regime militar não teria sido de fato uma ditadura, pois ditaduras são como na Venezuela e em Cuba”, escrevem os pesquisadores. Nem por isso, porém, a pesquisa demonstra um desejo de retorno agora dessa situação.
Há no imaginário dessas pessoas, porém, a sensação de que é positiva a participação dos militares no governo de forma democrática. Militares, de um modo geral, são vistos como pessoas disciplinadas, obedientes à hierarquia e de valores firmes. E que tais valores seriam positivos em um país “em que tudo vira bagunça”. Mas, nos grupos que se arrependeram do voto em Bolsonaro, pesou a barafunda da era Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. “Em grupos de eleitores arrependidos do voto, foram feitas críticas à falta de experiência e treinamento dos militares para exercer alguns cargos técnicos no governo, como no Ministério de Saúde. Houve diversas menções, inclusive no segmento de apoiadores, à incompetência do General Pazzuello na condução do ministério da Saúde”.
“De modo complementar, a adesão à democracia foi forte, mesmo entre os bolsonaristas não arrependidos”, descreve a pesquisa. “Ao citarem os aspectos que lhes desagradam em uma ditadura, entrevistados identificam a falta da liberdade de expressão. Citam também a violência e a repressão desmedida e revelam consciência de que isso tenha ocorrido no Brasil durante a Ditadura Militar”, continua. “Arrependidos e não arrependidos dizem também que o Brasil já superou essa fase e que não vai, ou não pode, haver retrocesso”, escrevem os pesquisadores nas conclusões.
Talvez esteja aí o principal achado da pesquisa. O eleitor brasileiro é conservador. O eleitor brasileiro mostra identificação e simpatia por pessoas que aproximam seu linguajar e modos do linguajar e modos das pessoas mais comuns – o que explica Bolsonaro e explicava Luiz Inácio Lula da Silva também. O eleitor brasileiro admira a filosofia e os hábitos militares. Mas, dentro do que já é o maior momento ininterrupto de democracia brasileira na sua história republicana, o eleitor parece ter aprendido a força do seu voto. Parece ter compreendido que só há dois lugares no planeta em que ele é igual ao bilionário mais rico: debaixo da terra e na cabine de votação. O eleitor não quer mais abrir mão disso. Nessa aventura, pelo que ele mostra a pesquisa, ele não está disposto a embarcar.
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