No final da década de 1970, Baby Consuelo e Pepeu Gomes apareceram em um festival de música e acabaram censurados pela ditadura militar, com uma canção que, no entendimento da censura, faria apologia ao uso de maconha. Baby e Pepeu faziam versos de duplo sentido. “Você pode fumar baseado/ Baseado em que você pode fazer quase tudo”, diziam os versos.
Certamente, a censura estava errada no cerceamento da liberdade de expressão, mas provavelmente certa na interpretação que fez. Melhor ficar longe dessas ilações. Mas principalmente a canção dizia que o mal “não é o que entra pela boca”. Dizia, inclusive no título: “O mal é o que sai da boca do homem”.
Os versos vêm à memória diante da maldosa tentativa nas redes sociais de associar o que disse o presidente Lula na entrevista que concedeu na terça-feira (21) ao site Brasil 247 com a notícia publicada na manhã desta quarta-feira (22) de operação da Polícia Federal que prendeu integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) que planejavam assassinar o ex-juiz e ex-ministro e agora senador Sergio Moro (PR). Não há a menor dúvida de que qualquer associação sobre os dois fatos é, como disse o ministro da Justiça, Flávio Dino, “mau-caratismo”. Mas, como diziam Baby e Pepeu, “o mal é o que sai da boca”.
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Por mais que Lula tenha suas legítimas razões de sentir imensa mágoa do período em que ficou preso após ser condenado por Sergio Moro, Lula agora é o produto de uma eleição apertadíssima, ocorrida em um tempo de profundo ódio que ainda não cessou. Nesse processo, ele pode até ter interpretado que a parcela mais radical que faz oposição a ele jamais será conquistada. O que, porém, não deveria autorizá-lo a alimentar esse ódio. A colocar mais lenha na fogueira.
Na entrevista ao Brasil 247, Lula disse aos jornalistas que, enquanto estava preso, repetia o seguinte mantra: “Só vou ficar bem quando foder o Moro”. Bem, se Lula puder obter o que desejava sobre Moro, não há chance maior do que no exercício da presidência da República. Um dia depois de Lula declarar isso, descobre-se que o PCC tinha um plano de assassinar Moro, de acordo com a investigação da Polícia Federal.
Vivemos tempos de fake news. Tempos em que distorções, ilações e frases e situações fora de contexto muitas vezes ganham mais velocidade e credibilidade do que aquilo que efetivamente acontece. É o que começou a se dar nas redes sociais depois da frase de Lula e da notícia da investigação.
Antes desse episódio, já era voz corrente na Esplanada dos Ministérios que Lula vem falando demais. E não apenas ele. Depois de tudo o que aconteceu, após a era Bolsonaro e o retorno da esquerda ao poder, parece haver um sentimento de pressa em recuperar o tempo perdido. E é nisso que mora o perigo.
Na entrevista, logo depois da sua fala, Lula ainda tentou consertar pedindo: “Depois vocês editam isso”. Impossível editar. A entrevista era ao vivo. Além da infelicidade, Lula demonstrava mais uma vez ali não entender muito bem como funciona esse novo mundo da era digital.
Ele, porém, não parece ser o único que demonstra essa pressa. A mesma pressa está na tentativa do ministro da Previdência, Carlos Lupi, de baixar na canetada os juros dos empréstimos consignados para aposentados. Mesmo os bancos públicos – Caixa e Banco do Brasil – reagiram acabando com os consignados e o governo viu-se obrigado a recuar. Ou seja: pressa, decisão tomada sem a devida reflexão anterior. Por melhor que fosse a intenção.
Também pode ser a pressa a explicar a disputa pública entre a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Se Gleisi imagina que a sua pressa em retomar projetos sociais é atrapalhada pelo arcabouço fiscal proposto por Haddad ou o retorno dos impostos sobre combustíveis, não ajuda muito a Haddad ou ao governo fazer esse debate publicamente como vem fazendo.
Se Lula pretendia usar o arcabouço fiscal como uma sinalização ao Comitê de Política Monetária (Copom) de preocupação fiscal que ajudasse à tomada de uma decisão mais favorável com relação à taxa de juros, a briga pública atrapalhou isso. O arcabouço ficou para depois da viagem à China.
Aliás, quem inventou chamar esse negócio de arcabouço fiscal? Nome mais feio, impossível. Na armadilha da briga pública, o arcabouço virou calabouço…
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