Entre as instituições religiosas que constam como devedoras ativas da União na lista da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Igreja Internacional da Graça de Deus aparece como a terceira maior inadimplente. Fundada em 1980, é comandada pelo Missionário R. R. Soares, pai do deputado federal David Soares (DEM-SP), autor da emenda que dá perdão tributário a esse tipo de instituição – e que foi parcialmente vetada por Bolsonaro.
Toda a dívida do CNPJ da Igreja com a União, de R$ 37,8 milhões, está vinculada a contribuições previdenciárias, que deixarão definitivamente de ser cobradas de entidades religiosas a partir desta segunda-feira (14), com a sanção da nova lei.
O débito da Internacional da Graça de Deus só é inferior aos R$ 91,4 milhões devidos pela Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdomiro Santiago, e pela Associação das Famílias para Unificação e Paz Mundial, que possui R$ 99,2 milhões em dívidas. Outras empresas ligadas a R.R. Soares, como gravadoras, shopping e redes de televisão, não possuem registros na dívida ativa da PGFN.
David apresentou a proposta de perdão tributário em uma emenda a um projeto sobre uso de recursos economizados no pagamento de precatórios no combate à covid-19. Segundo a justificativa dada por ele, as entidades religiosas têm sido alvo de autuações oriundas de interpretações equivocadas da legislação, sem levar em consideração posteriores modificações do ordenamento jurídico.
“Tais autuações acabam por praticamente inviabilizar a continuidade dos relevantes serviços prestados por tais entidades”, escreveu o parlamentar, para quem a medida traria uma menor judicialização do tema.
O parlamentar tentou ampliar ainda mais os benefícios às igrejas no mesmo projeto de lei: outra emenda dele buscava zerar o Imposto de Renda de valores enviados por igrejas ao exterior a título de “doação” das organizações religiosas. O deputado não apontou critérios para o que seria considerado doação neste caso (leia aqui).
PublicidadeApesar de o presidente ter vetado parcialmente o trecho relativo a débitos de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), as contribuições previdenciárias, como as da Igreja Internacional, foram mantidas por Bolsonaro, e já estão presentes na Lei 14.057, sancionada hoje.
O deputado David Soares foi procurado em seus gabinetes em Brasília e São Paulo, mas não respondeu aos contatos da reportagem.
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Desde o ano passado, a relação entre o pastor R.R. Soares e Bolsonaro se estreitou: em novembro de 2019 e abril de 2020, o pastor foi até Brasília conversar com Bolsonaro. Em fevereiro deste ano, o presidente foi a evento do missionário no Rio de Janeiro. E, em julho deste ano, uma juíza de São Paulo anulou a concessão de passaporte diplomático dado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ao pastor e sua esposa.
“Constrangedor”
O deputado Fábio Trad (PSD-MS) criticou a postura tomada por Jair Bolsonaro, de jogar no colo do Congresso uma decisão que, acredita, seria do presidente. “É paradoxal, contraditório e constrangedor para o Parlamento. Se fosse lícito, ele próprio sancionaria. Não pediria que o Congresso o fizesse”, explicou o parlamentar ao Congresso em Foco.
O objetivo de Bolsonaro, argumentou o parlamentar, é ficar com o bônus da situação, relegando o ônus ao Legislativo. “Ele não age como um presidente da República, mas como candidato à reeleição. Usa de certa forma o Parlamento para satisfação de interesse eleitoral dele”, disse. Como relator, Trad rejeitou a emenda, mas sua decisão foi revertida pelo plenário da Câmara e, posteriormente, pelo do Senado.
Mourão
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, comentou a discussão travada entre Legislativo, Executivo e lideranças eclesiásticas. “É uma discussão política, então deixemos aos políticos que estão discutindo a questão política cheguem à uma conclusão sobre qual a melhor conclusão”, afirmou Mourão, em sua chegada ao Palácio do Planalto.
Questionado se o pedido de Bolsonaro para que o veto fosse mantido mandaria um sinal indesejado, Mourão defendeu que faz parte de uma decisão política, e que uma posição baseada em fatores puramente econômicos seria mais fácil de ser tomada.
CNBB
No sábado (12), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se mostrou contra o perdão tributário previsto pela emenda “jabuti” às organizações religiosas.
Em nota, a entidade afirmou que não participou da elaboração ou da discussão do projeto de lei, e que o tema não pode ser discutido de modo incidental e praticamente silencioso, “sob o risco de surgirem interesses particulares que maculem a própria discussão”.
“A CNBB desde muito reclama tratamento adequado por parte do governo em relação a demandas históricas e até hoje não atendidas”, afirma a nota da organização, que representa os dirigentes da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil. “Que isso se faça, portanto, separando os casos condenáveis daqueles que reúnem clamores legítimos e justos respeitando a verdade, a justiça e o bem social.”
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