Há de se olhar para três frentes a fim de compreender onde estamos em relação ao governo: os compromissos imediatos de campanha, a montagem política do governo e a condução da economia.
Lula dirigiu uma campanha eleitoral em que a promessa de melhora de vida do cidadão mais pobre foi central. Com a PEC da Transição, Lula conseguiu um primeiro acordo político que lhe permitiu reestruturar o Bolsa Família – atacar a fila de espera e manter o valor em R$ 600,00 –, acenar com a retomada do Minha Casa, Minha Vida, dar algum alento para ações sociais que andavam esquecidas em ministérios anteriormente negligenciados e principalmente conferir os aumentos reais do salário mínimo.
Esse acordo político inicial, consubstanciado na PEC da Transição, deu o fôlego necessário para Lula iniciar seu governo “pagando” compromissos que seriam rapidamente cobrados.
A relação com o Congresso hoje ainda se ajusta. Ministérios foram distribuídos entre aliados; e aparentemente distribuídos de forma adequada, pois não se teve tanta concentração de cargos no PT como se viu em 2003. Contudo, há bastante a se arrumar. Arthur Lira, por exemplo, ator político com enorme poder atualmente, ainda se acomoda no governo – já exigiu cargos durante a transição, esteve no centro da discussão do orçamento secreto e lançou um sintomático aviso dias atrás a quem quisesse ouvir: o governo ainda não tem base consistente para enfrentar votações importantes. Não por acaso, dia 14 surgiu a notícia de que nomeações de segundo escalão foram liberadas por Lula. No jargão político, é o caminhão de melancias avançando na estrada e acomodando sua carga.
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Por fim, a economia. O PIB brasileiro avança fraco e o cenário externo não se mostra favorável. Assim, caberá aos ajustes e reformas domésticos desanuviar o horizonte. Na lista, dois gigantes: o novo arranjo fiscal e a reforma tributária. Se o governo acertar em ambos, podemos dizer que o futuro está garantido, mas poderia se beneficiar ainda de reformas microeconômicas que desde a saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda andam sem brilho.
Contudo, a economia é fonte de aflições e o presidente da República arbitra forças antagônicas. A famosa ala política do governo propõe mais gastos, cortes de impostos, novos programas para prover tais ou quais serviços. Ações como essas geram ganhos identificáveis e localizados e prejuízo difuso. Da soma dessas pequenas iniciativas, meritórias que sejam, colhe-se mais desarranjo fiscal e o travamento da economia como um todo.
De outro lado, o Ministério da Fazenda, ladeado pelo Ministério do Planejamento e, ainda a conferir, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Tais atores encarregam-se de olhar a economia como grande sistema e tentam convencer seus colegas que um pouco de paciência e comedimento nos gastos e iniciativas estatais permitem que as finanças se ajustem e deem espaço para o setor privado atuar, investir e fazer a economia crescer.
Se Lula tiver paciência e firmeza para esperar os frutos de um ajuste macroeconômico, a caminhada dos próximos anos torna-se sustentada e mais virtuosa. Caso contrário, virão necessariamente os solavancos de sucessivas crises e soluções pirotécnicas insustentáveis. Se me permito uma aposta, creio que fatores hoje ainda não vistos determinarão o rumo de Lula. Ala política e ala econômica parecem-me em equilíbrio. As novidades no caminho é que determinarão as reações do presidente.
Por fim, não nos enganemos. Melhoras substanciais na vida do povo exigem a reestruturação das políticas sociais com desenvolvimento econômico. Sem acertos na política econômica, as ações imediatas no Bolsa Família, salário mínimo, Minha Casa, Minha Vida e outros irão por água abaixo. Esperamos que a sociedade consiga deixar clara essa lição ao sistema político, e que sobretudo Lula consiga ter paciência e firmeza.
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