O governo publicou no final da tarde desta quinta-feira (3) portaria que regulamenta a concessão de vistos temporários para refugiados que deixaram a Ucrânia em decorrência da guerra daquele país com a Rússia. O disposto na portaria vigorará até o dia 31 de agosto e não afasta a possibilidade de outras medidas adicionais. O Brasil já adotou medidas semelhantes com imigrantes haitianos, sírios e, mais recentemente, afegãos.
Veja a íntegra da portaria assinada pelos ministros da Justiça, Anderson Torres, e das Relações Exteriores, Carlos França.
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO
Publicado em: 03/03/2022 | Edição: 42-A | Seção: 1 – Extra A | Página: 1
Órgão: Ministério da Justiça e Segurança Pública/Gabinete do Ministro
PORTARIA INTERMINISTERIAL MJSP/MRE Nº 28, DE 3 DE MARÇO DE 2022
Dispõe sobre a concessão do visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária aos nacionais ucranianos e aos apátridas que tenham sido afetados ou deslocados pela situação de conflito armado na Ucrânia.
OS MINISTROS DE ESTADO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA E DAS RELAÇÕES EXTERIORES, no uso das atribuições que lhes confere o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, tendo em vista os arts. 37 e 45 da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, o disposto no § 3º do art. 14, e na alínea “c” do inciso I do art. 30 da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, e no § 1º do art. 36 e § 1º do art. 145 do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017, e o que consta no Processo Administrativo nº 08018.012564/2022-21, resolvem:
Art. 1º Esta Portaria dispõe sobre a concessão de visto temporário e de autorização de residência para fins de acolhida humanitária aos nacionais ucranianos e aos apátridas afetados ou deslocados pela situação de conflito armado na Ucrânia.
§ 1º Para o fim do disposto no caput, observar-se-á o disposto no § 3º do art. 14, e na alínea “c” do inciso I do art. 30 da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, e no § 1º do art. 36, e no § 1º do art. 145 do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017.
§ 2º O disposto nesta Portaria vigorará até 31 de agosto de 2022 e não afasta a possibilidade de outras medidas que possam ser adotadas pelo Estado brasileiro para a proteção dos nacionais ucranianos e apátridas residentes na Ucrânia.
Art. 2º O visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido aos nacionais ucranianos e aos apátridas afetados ou deslocados pela situação de conflito armado na Ucrânia.
§ 1º O visto temporário previsto nesta Portaria terá prazo de validade de cento e oitenta dias.
§ 2º A concessão do visto a que se refere o caput ocorrerá sem prejuízo das demais modalidades de vistos previstas na Lei nº 13.445, de 2017, e no Decreto nº 9.199, de 2017.
§ 3º O imigrante apátrida, em até noventa dias após seu ingresso em território nacional, deverá iniciar o processo de reconhecimento da condição de apátrida junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, conforme estabelecido no art. 95 e seguintes do Decreto nº 9.199, de 2017, por meio do sistema SisApatridia, disponível na plataforma GOV.BR.
Art. 3º Para solicitar o visto temporário previsto nesta Portaria, o requerente deverá apresentar à Autoridade Consular:
I – documento de viagem válido;
II – formulário de solicitação de visto preenchido;
III – comprovante de meio de transporte de entrada no território brasileiro; e
IV – atestado de antecedentes criminais expedido pela Ucrânia ou, na impossibilidade de sua obtenção, declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais em qualquer país.
§ 1º De forma excepcional e devidamente motivada, o visto de que trata o caput poderá ser concedido, mediante consulta à Secretaria de Estado das Relações Exteriores, ainda que diante da ausência de algum ou alguns dos documentos descritos nos incisos I a IV, também do caput.
§ 2º A concessão de visto de que trata esta Portaria será precedida de entrevista presencial, que poderá ser dispensada, a critério da autoridade consular.
Art. 4º O imigrante detentor do visto a que se refere o art. 2º deverá registrar-se em uma das unidades da Polícia Federal em até noventa dias após seu ingresso em território nacional.
Parágrafo único. A residência temporária resultante do registro de que trata o caput terá o prazo de dois anos.
Art. 5º O nacional ucraniano, que se encontre em território brasileiro, independentemente da condição migratória em que houver ingressado no Brasil, poderá requerer autorização de residência para acolhida humanitária perante uma das unidades da Polícia Federal.
§ 1º O prazo de residência previsto no caput será de dois anos.
§ 2º O requerimento previsto no caput poderá ser formalizado pelo interessado, por seu representante legal ou por seu procurador constituído.
§ 3º Na hipótese de requerente criança, adolescente, ou qualquer indivíduo relativamente incapaz, o requerimento de autorização de residência poderá ser feito por qualquer dos pais, assim como por representante ou assistente legal, conforme o caso, isoladamente, ou em conjunto.
§ 4º Ainda que o requerimento tenha sido apresentado nos termos dos §§ 2º ou 3º deste artigo, o registro será realizado mediante a identificação civil por dados biográficos e biométricos, com a presença do interessado.
Art. 6º O requerimento de autorização de residência deverá ser formalizado com os seguintes documentos:
I – documento de viagem, ainda que a data de validade esteja expirada;
II – certidão de nascimento ou de casamento, ou certidão consular, desde que não conste a filiação nos documentos mencionados no inciso I; e
III – declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais no Brasil e no exterior, nos últimos cinco anos anteriores à data de requerimento de autorização de residência.
§ 1º Em caso de indisponibilidade do sistema de coleta de dados biométricos da Polícia Federal, poderá ser exigida a apresentação de uma foto no formato 3×4.
§ 2º As certidões de nascimento e de casamento mencionadas no inciso II do caput poderão ser aceitas, independentemente de legalização e tradução, desde que acompanhadas por declaração do requerente, sob as penas da lei, a respeito da autenticidade do documento.
§ 3º Caso seja verificado que o imigrante esteja impossibilitado de apresentar o documento previsto no inciso II do caput, conforme o § 2º do art. 68 do Decreto nº 9.199, de 2017, tal documentação poderá ser dispensada, hipótese em que os dados de filiação serão autodeclarados pelo requerente, sob as penas da lei.
§ 4º Quando se tratar de imigrante menor de dezoito anos, que esteja desacompanhado ou separado de seu responsável legal, o requerimento deverá observar os termos do art. 12 da Resolução Conjunta nº 1, de 9 de agosto de 2017, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, do Comitê Nacional para os Refugiados – Conare, do Conselho Nacional de Imigração – CNIg, e da Defensoria Pública da União – DPU.
Art. 7º Apresentados e avaliados os documentos mencionados no art. 6º, será realizado o registro e processada a emissão da Carteira de Registro Nacional Migratório – CRNM.
§ 1º Na hipótese de necessidade de retificação ou de complementação dos documentos apresentados, a Polícia Federal notificará o imigrante para fazê-lo no prazo de trinta dias.
§ 2º Decorrido o prazo sem que o imigrante se manifeste, ou caso a documentação esteja incompleta, o processo de avaliação de seu requerimento será extinto, sem prejuízo da utilização, em novo processo, dos documentos que foram inicialmente apresentados, e que ainda permaneçam válidos.
§ 3º Indeferido o requerimento, aplica-se o disposto no art. 134 do Decreto nº 9.199, de 2017.
Art. 8º O imigrante poderá requerer, em uma das unidades da Polícia Federal, no período de noventa dias anteriores à expiração do prazo de dois anos previstos nos arts. 4º e 5º desta Portaria, autorização de residência com prazo de validade indeterminado, desde que:
I – não tenha se ausentado do Brasil por período superior a noventa dias a cada ano migratório;
II – tenha entrado e saído do território nacional exclusivamente pelo controle migratório brasileiro;
III – não apresente registros criminais no Brasil e no exterior; e
IV – comprove meios de subsistência.
§ 1º O requisito previsto no inciso III do caput será demonstrado por autodeclaração e certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente, emitido pela autoridade judicial competente da localidade onde tenha residido durante a residência temporária.
§ 2º Para atendimento do requisito previsto no inciso IV do caput, serão aceitos quaisquer dos seguintes documentos, sem prejuízo de outros que possam cumprir idêntica função probatória:
I – contrato de trabalho em vigor ou Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS com anotação do vínculo vigente;
II – contrato de prestação de serviços;
III – demonstrativo de vencimentos, em meio impresso;
IV – comprovante de recebimento de aposentadoria;
V – contrato social de empresa ou de sociedade simples em funcionamento, no qual o imigrante figure como sócio ou responsável individual;
VI – documento válido de registro ativo em Conselho Profissional no Brasil;
VII – carteira de registro profissional ou equivalente;
VIII – comprovante de registro como microempreendedor individual;
IX – declaração comprobatória de percepção de rendimentos;
X – declaração de ajuste anual para fins de imposto de renda;
XI – inscrição como autônomo nos cadastros dos órgãos competentes;
XII – comprovante de investimentos financeiros ou de posse de bens ou direitos suficientes à manutenção própria e da família;
XIII – declaração, sob as penas da lei, de que possui meios de vida lícitos e suficientes que permitam a subsistência do interessado e de sua família no País; ou
XIV – declaração, sob as penas da lei, de dependência econômica nos casos dos dependentes legais, hipótese em que também deverá ser juntado comprovante de subsistência do responsável.
§ 3º São considerados dependentes econômicos, para fins do disposto no inciso XIV do § 2º:
I – descendentes menores de dezoito anos, ou de qualquer idade, quando comprovada a incapacidade de prover o próprio sustento;
II – ascendentes, quando comprovada a incapacidade de prover o próprio sustento;
III – irmão, menor de dezoito anos ou de qualquer idade, quando comprovada a incapacidade de prover o próprio sustento;
IV – cônjuge ou companheiro ou companheira, em união estável;
V – enteado ou menor de dezoito anos sob guarda; e
VI – que estejam sob tutela.
§ 4º Os dependentes a que se referem os incisos I, III e V do § 3º, se comprovadamente estudantes, serão assim considerados até o ano calendário em que completarem vinte e quatro anos.
Art. 9º A obtenção da autorização de residência prevista nesta Portaria implica a desistência de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado.
Art. 10. Ao imigrante beneficiado por esta Portaria fica garantido o livre exercício de atividade laboral no Brasil, nos termos da legislação vigente.
Art. 11. Aplica-se ao imigrante beneficiado por esta Portaria a isenção de taxas, emolumentos e multas para obtenção de visto, registro e autorização de residência, nos termos do § 4º do art. 312 do Decreto nº 9.199, de 2017.
§ 1º Sem prejuízo do disposto no caput, poderão ser cobrados valores pela prestação de serviços pré-consulares por terceiros contratados pelo governo brasileiro para realizar tal atividade.
§ 2º A isenção tratada no caput estende-se aos chamados pelos beneficiados por esta Portaria para fins de reunião familiar.
Art. 12. Considera-se cessado o fundamento que embasou a acolhida humanitária prevista nesta Portaria na hipótese de o imigrante sair do Brasil com ânimo definitivo, ou o faça fora dos pontos de controle migratório, desde que comprovado por meio de informações que demonstrem ter ele realizado tentativa de residir em outro país.
Art. 13. Constatada, a qualquer tempo, a omissão de informação relevante ou declaração falsa no procedimento desta Portaria, será instaurado processo de cancelamento da autorização de residência, conforme previsto no art. 136 do Decreto nº 9.199, de 2017, sem prejuízo de outras medidas legais de responsabilização civil e penal cabíveis.
Parágrafo único. Durante a instrução do processo, poderão ser realizadas diligências para verificação de:
I – dados necessários à decisão do processo;
II – validade de documento perante o respectivo órgão emissor;
III – divergência nas informações ou nos documentos apresentados; e
IV – indícios de falsidade documental ou ideológica.
Art. 14. Aplica-se o art. 29 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, na instrução dos pedidos de que trata esta Portaria.
Art. 15. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
ANDERSON GUSTAVO TORRES
Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública
CARLOS ALBERTO FRANCO FRANÇA
Ministro de Estado das Relações Exteriores
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