A campanha publicitária pela vacinação contra a covid-19 paga pelo governo federal já corresponde à terceira mais cara dos últimos 11 anos. Dados do Ministério da Saúde obtidos pelo Congresso em Foco por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) indicam que até o início de junho foram gastos R$ 77 milhões para, oficialmente, convencer as pessoas a se vacinarem. A cifra ainda pode crescer e se tornar a mais elevada para os cofres públicos desde 2010.
A pasta não explicita, no entanto, como este valor foi efetivamente gasto. Em fevereiro, o Congresso em Foco revelou que os valores pagos em campanhas contra a covid-19 no rádio e na TV chegaram a R$ 23 milhões. O valor, no entanto, foi utilizado para promover o chamado “tratamento precoce”, que não serve para a covid – mas que ainda é defendido pelo governo Jair Bolsonaro. A descoberta ocorreu um mês depois do Amazonas começar a sofrer com a falta de oxigênio em unidades de saúde, o que ajudou a aumentar o número de mortes no estado.
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A reportagem foi atrás dos vestígios dessas campanhas e verificou que a maior parte das peças publicitárias emitidas pelo Ministério da Saúde – em rádio, TV, internet e outros meios, como ecobags e máscaras – trata da busca por atendimento imediato em caso de sintomas ou são mensagens genéricas sobre a vacina. Por exemplo: “O cuidado é de cada um, o benefício é para todos”, diz um dos cartazes estrelado pelo Zé Gotinha, mascote brasileiro das vacinações.
No site do ministério, principal vitrine da pasta, não há um banner sequer que chame atenção para as campanhas de imunização que ocorrem no Brasil. Em lugar disso, constam em locais pontuais e timidamente o slogan “Pátria Vacinada”. Nas redes sociais, também são escassos os cards incentivando a população a se vacinar.
No entanto, a pasta contratou a produção de filmetes para exibição em emissoras de TV, que podem se encontrados no perfil da agência de publicidade que produziu a peça. O texto fala em “vacinas” cinco vezes em 60 segundos, sem jamais citar que o imunizante seria para covid, nem ao menos chamar a população para se imunizar . Apenas por três frações de segundo um rótulo com o nome “Vacina covid-19” aparece na tela – após o narrador ressaltar que a campanha é “um desafio que vai além da saúde. É uma questão humana e econômica.”
PublicidadeAs peças em alguns pontos casam com o discurso do presidente Jair Bolsonaro – enquanto este frequentemente nega a eficácia das vacinas como sendo a melhor solução contra a doença (coisa que as peças claramente não fazem), ambos buscam ressaltar que a economia importa tanto (ou mais) que a saúde dos brasileiros, e desincentivam a vacinação em massa.
No último dia 9 de junho, por exemplo, durante um culto evangélico, Bolsonaro voltou a ecoar o discurso contra “a tal da pandemia”. “E eu pergunto: a vacina tem comprovação científica ou está em estado experimental?”, questionou, antes de defender um tratamento ineficaz contra a doença. “Tá experimental! Nunca vi ninguém morrer por tomar hidroxicloroquina.”
Nesta terça-feira (15) em conversa com apoiadores, o presidente falou sobre o assunto. “Agora alguém precisa mais ter propaganda na televisão sobre covid ou todo mundo tá sabendo o que está acontecendo?”disse.
Por outro lado, o mapa da vacinação também se mostra aquém do ideal. Apenas 22% da população brasileira recebeu a primeira dose da vacina contra a covid-19 até agora e menos de 11% conseguiram a imunização com as duas doses, segundo dados do Ministério da Saúde.
Em março, para aumentar o número de imunizados, o governo federal chegou a liberar a aplicação da vacinas reservadas para a segunda dose. Mas isso gerou um gargalo que ainda não foi por completamente resolvido. Nos meses subsequentes, diversos locais interromperam a aplicação de vacinação por falta de insumos e várias pessoas ficaram sem acessar a segunda dose.
A escassez de vacinas, aliada à confusão sobre o intervalo entre elas, que evidencia uma pobreza de campanhas explicativas, além da falta de investimento em ações de busca ativa para assegurar que todos, em idade hábil, compareçam ao posto de saúde para receber uma das doses contribuem para o aumento da chamada taxa de abandono vacinal.
Do mesmo modo, informações oficiais coletadas pela CPI da Covid indicam um possível desinteresse do governo em adquirir as imunizantes. O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, por exemplo, indicou que a campanha de vacinação atrasou porque a pasta então comandada por Eduardo Pazuello não respondeu aos diversos ofícios enviados para tratar do tema.
A Pfizer, fabricante de uma das vacinas disponíveis e com maior eficácia no mundo, teria enviado mais de 50 e-mails para o governo, sem ser respondida em nenhum deles.
Comparativo entre os anos
Os R$ 77 milhões gastos com a campanha de vacinação contra a covid representam quase 84% de tudo o que o governo gastou com publicidade em campanhas de imunização em 2021. Esse montante, sozinho, supera valores do ano passado – quando R$ 64 milhões, em totais atualizados, foram gastos em campanhas contra a influenza, sarampo, febre amarela e a multivacinação infantil.
Também em valores atualizados, os gastos com a campanha de publicidade da covid-19 superam, sozinhos, os gastos de campanha nos anos de 2012 (R$ 64,6 milhões), 2013 (R$ 52,9 milhões), 2015 (R$59,5 milhões), 2016 (R$ 60 milhões).
A campanha de vacinação contra a covid-19 , no entanto, é menor que a ultima campanha voltada a uma nova doença no país. Há dez anos, o governo investiu R$ 115,3 milhões – em valores de 2021 – na campanha de vacinação contra a H1N1 no Brasil. O ano de 2011, aliás, foi o que registrou maior gastos em publicidade para vacinação, quase R$ 173,9 milhões em peças voltadas ao incentivo à imunização infantis, de idosos, da rubéola, da febre amarela e da H1N1.
O caminho do dinheiro
Os dados precisaram ser obtidos com base na Lei de Acesso à Informação, e representam todas as campanhas de vacinação registradas desde 2010 no Ministério da Saúde. Os valores indicados pela pasta hoje comandada por Marcelo Queiroga mostram que as campanhas variam muito de valor – a campanha contra Rubéola em 2010, por exemplo, gastou R$ 53 mil, contra R$ 10,8 milhões no ano seguinte.
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