Depois de passar os últimos meses pregando reformas nos organismos multilaterais, para maior influência dos países do chamado Sul Global, o presidente Lula assume, nesta sexta-feira, o comando temporário do G20. Ganhará uma nova tribuna para, nas suas palavras, colocar “o desenvolvimento sustentável e a redução das desigualdades no centro da agenda internacional”.
O clima no governo é de otimismo com o que Lula vem chamando de “volta do Brasil” ao cenário mundial, depois do desastre diplomático que foi a presidência de Jair Bolsonaro. Pesquisa do Instituto Atlas, realizada neste mês, atesta o aumento do prestígio do país (47,5%) e mostra que, para a maioria, o presidente representa melhor a nação do que seu antecessor (51%).
Os brasileiros, no entanto, dividem-se ao avaliar a política externa do terceiro governo do petista: é aprovada por 49,6% e reprovada por 47,3%. Pesam as abordagens ideológicas no rumo dessa política, mostra a pesquisa. A Atlas constatou que para 63% dos entrevistados esse ideário tem impacto nas decisões de Lula, e que 50,4% acham que isso não deveria acontecer (para 22,4%, a influência é válida, enquanto 27,2% não opinaram).
A ênfase que o presidente vem dando à política externa seguirá alta no ano que vem, mas Lula terá de costurar uma agenda comum, baseada em novas frentes de desenvolvimento de negócios e em sustentabilidade, para tentar harmonizar interesses conflitantes dos países membros do G20. Até mesmo o tema da redução das desigualdades torna-se difuso diante das disparidades políticas, econômicas e sociais dos integrantes do bloco.
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Nos primeiros meses de governo, Lula preferiu dar destaque à guerra na Ucrânia, tentando colocar-se, sem sucesso, como mediador de um acordo de paz. Em outubro, o conflito entre Israel e o Hamas eclodiu no momento em que o Brasil estava na presidência do Conselho de Segurança da ONU e ocupou grande espaço na agenda, especialmente com a missão — exitosa, mas ainda inconclusa — de retirada de brasileiros da região. Nesses dois palcos, Ucrânia e Oriente Médio, ele tentou mas não conseguiu atuar como mediador.
Lula também não conseguiu fazer renascer a Unasul. E não garantiu consenso sobre o rumo do Mercosul, agora com futuro absolutamente incerto com Javier Milei na presidência da Argentina. O bloco está à deriva, com a crise argentina e a dissidência uruguaia, que insiste em autonomia para acordos de livre comércio. O Itamaraty corre para tentar fechar o acordo comercial entre o bloco e a União Europeia até 7 de dezembro, quando o país deixa a presidência rotativa do Mercosul. Está difícil.
A questão ambiental, maior ativo da política externa do país, só ganhou relevo na agenda de Lula a partir do início deste semestre, com a Cúpula da Amazônia. É o tema que se mostra mais promissor para o Brasil. Não apenas pela capacidade de liderança do país no assunto — fortalecida pelos bons resultados que começam a aparecer na contenção do desmatamento da Amazônia —, mas sobretudo pela preparação da COP30, em Belém do Pará, prevista para novembro de 2025. Os eventos climáticos deste ano — calor extremo e enchentes, por exemplo — acenderam todos os alertas, e a COP amazônica pode ser decisiva para a tomada de decisões, em meio ao descrédito generalizado sobre as metas do Acordo de Paris.
O discurso ambientalista brasileiro no cenário internacional, no entanto, enfrenta problemas. Na Cúpula da Amazônia, as desavenças entre os países da região foram marcantes quando se tratou da exploração de petróleo. Colômbia e Equador ficaram contra a abertura de novas fronteiras de negócios com petróleo e gás na Amazônia, expondo uma vulnerabilidade da liderança brasileira. Não há consenso nem mesmo no governo. Lula insiste em prospecção na Margem Equatorial, na bacia da foz do Rio Amazonas, pela Petrobras, sob forte oposição da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e de organizações ambientalistas.
O uso de combustíveis fósseis está no centro do problema ambiental, e a defesa da exploração da foz do Amazonas contradiz a ideia de cobrar do mundo uma transição energética mais rápida. A posição brasileira também fica debilitada quando se vê o Congresso inflar de “jabutis” um projeto que deveria regulamentar a produção de energia eólica em alto mar (offshore). Proposta aprovada pela Câmara, que seria parte de uma agenda verde, incluiu a contratação obrigatória de usinas térmicas a carvão — um vilão ambiental, poluente e gerador de gases de efeito estufa.
Não faltam oportunidades na agenda brasileira de política externa, mas Lula estará cada vez mais condicionado pela contradições — as próprias e a de um governo que ainda hesita sobre qual rumo tomar na transição energética.
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