O governo federal está profundamente dividido sobre qual estratégia adotar para reduzir os danos sanitários, econômicos e humanitários diante do avanço do coronavírus no país.
De um lado, o presidente Jair Bolsonaro e a equipe econômica, premidos pelo resultado ruim do PIB de 2019 e pelo impacto que o covid-19 causará em 2020, tentam barrar as medidas de isolamento social, preconizadas por autoridades sanitárias mundiais. Espelham-se no modelo adotado por governantes conservadores, como Donald Trump, nos EUA, e Boris Johnson, na Inglaterra.
Nesses países, o pressuposto de que não há estrutura de saúde capaz de atender a todas as pessoas que vierem a se infectar levou as autoridades a optar por restrições menos severas à circulação de pessoas.
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A ideia é deixar o novo coronavírus fazer os estragos que pode fazer, concentrando os cuidados preventivos na população mais vulnerável (idosos, cardíacos, portadores de doenças respiratórias crônicas etc.) e confiando que o ciclo da epidemia terá fim em alguns poucos meses, sem grandes prejuízos econômicos.
De outro lado, está o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que é apoiado pelas principais lideranças do Congresso e por vários ministros militares e civis. Essa ala destaca a gravidade da crise e defende que é melhor reduzir ao máximo a circulação de pessoas, mesmo em prejuízo da economia, para preservar vidas e evitar o colapso generalizado do sistema de saúde. Aqui, o pressuposto é que a perda de muitas vidas humanas, mesmo sob o aspecto econômico, é o cenário mais catastrófico e evitá-lo deve ser a prioridade máximo do governo federal.
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Mandetta jamais preconizou dentro do governo uma estratégia tão dura quanto a adotada por países como Coreia do Sul e China, que têm dado indícios de que estão saindo da epidemia, e nações como Singapura, Taiwan e Hong Kong, outros gigantes asiáticos que viraram referência na crise.
O “modelo asiático” inspira as ações de dois governadores que têm atuado na vanguarda da prevenção e do combate à pandemia, ambos curiosamente aliados de Bolsonaro: o ex-senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), que é médico; e Ibaneis Rocha (MDB-DF), que é advogado, mas que, segundo assessores, tem estudado o assunto tão profundamente que já discute a questão quase em nível de igualdade com sanitaristas e epidemiologistas.
Já o ministro da Saúde entrou na mira de Bolsonaro, primeiro, pelo protagonismo assumido no caso e pelos elogios quase generalizados que recebe em virtude da condução que tem procurado dar ao enfrentamento da pior crise sanitária vivida pelo país nos últimos cem anos. “Ele é ciumento, não gosta de ver ninguém ao lado dele brilhando muito”, disse ao Congresso em Foco uma fonte do governo.
Fazendo contraponto ao presidente, que trata o assunto como “histeria”, Mandetta defende um modelo intermediário entre o asiático e o anglo-americano. O argumento dele é que todas as medidas preventivas são necessárias, mas é necessário evitar, de um lado, o pânico, que poderia gerar uma sobrecarga numa rede de saúde sem condições de atender toda a demanda imposta pela pandemia. De outro, o desemprego e quebradeiras em massa, o que provocaria baixa no poder aquisitivo e deixaria as pessoas com imunidade mais baixa, mais expostas ao vírus.
A ordem, nesse caso, é fazer um monitoramento fino da pandemia e dos seus desdobramentos e avançar gradualmente na dureza das medidas de prevenção e controle. Uma fonte envolvida nesse debate interno disse ao Congresso em Foco que a cúpula da equipe econômica defende que apenas grupos de maior risco, como idosos e portadores de doenças crônicas, sejam isolados e recebam cuidado especial.
A ideia é deixar que o vírus se dissemine a ponto de alcançar 40% da população. Acredita-se que depois de atingir esse percentual, o coronavírus perca força e o país saia do quadro de epidemia. Eles alegam que essa medida, mesmo que implique mortes, poderá ter efeito menos danoso à economia, permitindo uma recuperação econômica mais rápida.
Quase sempre alinhado com o receituário de Paulo Guedes, o Congresso nessa matéria está fechado com Mandetta. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já deixou claro, em várias entrevistas, que não aceitará medidas que troquem vidas por recuperação econômica. Para ele, as iniciativas preventivas do governo federal estão leves diante da gravidade do cenário que se desenha. É uma visão que neste momento coloca do mesmo lado praticamente todos os partidos representados no Congresso – do Psol ao PSL.
O ministro da Saúde também tem o apoio dos militares, inclusive do chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, nomeado por Bolsonaro coordenador do gabinete de crise contra a pandemia e que tem trabalhado em sintonia com Mandetta.
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