por Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek*
Peter Burke tem razão na demonstração de que a ignorância é um fenômeno universal. Ainda mais com a vultosa produção de conhecimento que representa um convite à desatualização e expondo a fragilidade da figura do cientista, coisa vista de modo marcante por ocasião da pandemia, quando médicos mostraram que prática da medicina nem sempre anda aliançada com a ciência, mesmo porque nem todos se atualizam.
Outro tipo de ignorância é aquela que se fecha para o conhecimento. Aquela que se recusa a acolher um caminho melhor, uma direção mais segura, um procedimento que resultará em benefício maior. Por vezes se manifesta como teimosia; por outras como desídia, como desinteresse pelo aprendizado, seja um conteúdo a ser aprendido, seja uma técnica que melhore a performance.
Encontramos gente assim no trabalho, na universidade, na vizinhança, na família, no governo, nas Forças Armadas, nas igrejas e nos partidos. Sim, as certezas que certas bandeiras trazem acabam reduzindo o espaço para o aprendizado, para o conhecimento, aquele que brota de uma dúvida, seja ela metódica ou não. Tais certezas procuram dissolver a fragilidade inerente que circunda nossas convicções, sendo por esta razão, o combustível para tais afirmações peremptórias. Tais certezas podem, por vezes, se tornarem lentes opacas, cadenciando uma forma de leitura da realidade em detrimento das demais. O resultado é sempre uma absorção diminuta, uma percepção enviesada.
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Note bem: a ignorância não tem, necessariamente falando, ligação com a falta de estudo ou de conhecimento. Ela é resultado de uma postura prévia que não considera o novo, que não se dá o trabalho de refletir e repensar as velhas estruturas que a contém. Quando Stephen Hawking apresentou sua teoria para uma plateia formada por grandes nomes da física mundial, houve uma rejeição por parte dos cientistas simplesmente porque estavam diante de uma proposição que levaria a um salto epistemológico, a uma revolução científica. Nem todo cientista, como humano que é, tem disposição de se permitir ser sacudido, incomodado, deixando o conforto do domínio da situação em que se encontra.
Assim acontece com os partidos com forte inclinação ideológica. Estamos falando, então, de partidos que não são legendas de aluguel. Ao falar de partidos “conceituais”, que possuem uma linha, automaticamente reconhecemos que a apreensão da realidade sempre se dará privilegiando um viés, em detrimento dos demais. A esta lente, que por vezes se traduz em atraso nas ações que devem ser implementadas, é que atribuímos a falta de maior responsividade.
PublicidadeEis o problema que também alcança o PT: sua forma marxista de ler a realidade acaba suprimindo outras nuanças que se fazem presente. Este impedimento estrutural resulta na perda da paleta de cores, em uma forma de daltonismo social. O resultado é certa prepotência nas análises e consequente negação da realidade. Trata-se de ignorância fruto da ideologia: é mais encorpada, menos visível, mas segue sendo um modo de negar o conhecimento.
Exemplo disso é questão dos evangélicos e os muitos avisos que o Planalto recebeu, de dentro e de fora, de religiosos e não religiosos, de filiados ou não, para que o governo atentasse para os evangélicos, não na forma clientelista, mas em um processo dialogal visando compreender este segmento social. Lembrando que para haver diálogo é preciso que a outra parte seja reconhecida. Todavia, nada como uma rodada de pesquisas rebaixando a popularidade do atual mandatário em meio a tantas vitórias, especialmente na Economia, para que o governo reconheça que os disquetes de leitura da sociedade que possui, não possuem muita serventia para um tempo em que se fala em armazenamento em “nuvem”, em iCloud.
Conquanto seja explicável, a ignorância não fica bem a um partido que é dos trabalhadores. Tomara que a remoção deste impedimento estruturante encontre tempo oportuno para que seus benéficos efeitos sejam sentidos ainda nas eleições que se avizinham.
* Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.
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