Viralizou nas redes sociais o vídeo da reunião do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e outras autoridades do governo com representantes das redes sociais no país no mês passado. A gravação, obtida pelo site Metrópoles via Lei de Acesso à Informação, ocorreu em meio a uma onda de ataques contra crianças em escolas, como a que resultou no assassinato de quatro crianças em uma creche em Santa Catarina.
Irritado com as alegações do Twitter, que apontava dificuldades para a remoção de conteúdo devido aos termos de uso estabelecidos pela própria empresa, Dino disse que foi “sepultado” o tempo da autorregulação no Brasil e que a liberdade de expressão como valor absoluto é uma “falcatrua”.
“Nós não queremos que os senhores passem à condição de investigados da Polícia Federal ou de réus. Não queremos isso. Queremos que os senhores e as senhoras colaborem. Porque seria constrangedor para nós ter que recorrer a coercitivos”, afirmou o ministro.
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A reunião, divulgada pelo colunista Guilherme Amado, foi realizada no dia 10 de abril na sede do Ministério da Justiça. Participaram dela representantes do Twitter, da Meta, do TikTok, do Kwai, do WhatsApp, do Google e do YouTube, além de integrantes da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O momento mais tenso da reunião se deu após Adela Goberna, assessora de Relações Governamentais do Twitter Brasil, rebater as críticas das autoridades brasileiras de que a empresa era lenta na remoção de conteúdo que incitava a violência nas escolas.
“As contas que têm a imagem ou a foto do perpetrador não vão ser violadoras das políticas do Twitter necessariamente. Elas precisam de um comportamento de incitação ao ódio. Eu sei o que você está pensando, mas se essa conta fosse para denunciar… Eu sei que é difícil”, disse Goberna.
Poucos minutos depois, Dino questionou a representante do Twitter: “A senhora consegue entender que ter a foto e o nome é um chamado?”.
Jacqueline Abreu, consultora jurídica do Twitter Brasil, defendeu a autonomia da empresa para definir os próprios limites de atuação.
“A gente tem diversas políticas internas e as nossas equipes de moderação de conteúdo atuam para combater determinados conteúdos de glorificação à violência, pessoas relacionadas a episódios de violência. Mas esses termos de uso têm um certo limite, que é a própria política da empresa, a compreensão que ela tem do que efetivamente é violento ou não, do que viola ou não”, declarou.
Flávio Dino cobrou do Twitter, então, que respeitasse a legislação brasileira acima de tudo.
“Nós respeitamos a autorregulação das empresas. Agora, ela tem um limite. A senhora falou em limites. Existe um limite interno, que é o termo de uso. Existe um limite externo, não preciso dizer à senhora, que é a legislação do país”, disse.
Ele reforçou: “Não são os senhores que interpretam a lei no Brasil. Não são. Não serão. E eu sei que os senhores sabem disso, e eu me refiro a todas as plataformas. Esse tempo da autorregulação, da ausência de regulação, da liberdade de expressão como um valor absoluto, que é uma fraude, que é uma falcatrua, esse tempo acabou no Brasil. Acabou. Isso foi sepultado. Tenham clareza definitiva disso.”
Em seguida, o ministro afirmou que cobrará das redes sociais diariamente para remover esses conteúdos extremistas.
“Uma sociedade que não consegue garantir que haja proteção de crianças contra discurso de ódio não tem nenhum valor constitucional que se coloque na frente disso. Antes que alguém ouse ter a empáfia de falar de liberdade de expressão. Porque a essas alturas eu não posso acreditar que alguém vai dizer que a suposta liberdade de expressão usada de modo fraudulento, [que] é uma falcatrua, se sobrepõe a uma vida de uma criança morta a machadadas na cabeça”, reagiu Dino.
Para o ministro da Justiça, é “inaceitável” o argumento do Twitter de que os “termos de uso” da plataforma permitam a divulgação de conteúdos extremistas.
“Me refiro ao Twitter porque esse discurso dos termos de uso é a única coisa inaceitável, inaceitável, isso não existe no nosso dicionário. Dicionário, gramática do Ministério da Justiça e na Polícia Federal, que eu comando, não existe a expressão ‘termos de uso’. Esqueçam isso. Nunca mais falem nisso. Porque os termos de uso, as senhoras e os senhores mudam. Mesmo que não queiram, terão que mudar. Porque se muda a Constituição, se muda a lei, não se muda termos de uso? Não é a Bíblia.”
O coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas do Ministério da Justiça, Alesandro Barreto, também criticou as declarações da representante do Twitter.
“Adela, desculpa, vocês precisam conversar um pouquinho com a polícia para entender o que é crime e o que não é. Nós entendemos o que é crime. A gente precisa conversar com o time técnico de vocês para dizer: ‘O cara botou essa foto, ele não está chamando ninguém para tomar café, não, tá?”. Barreto também pediu “pelo amor de Deus” para o Twitter indicar um representante no Brasil.
O promotor Moacir Nascimento Júnior, representante do CNMP, também fez um apelo: “Existe uma disposição no Estatuto da Criança e do Adolescente que proíbe veiculação de imagem e nome de adolescente autor de ato infracional. Se a empresa está dizendo que esse perfil não ofende os seus termos de uso, remova porque ofende a legislação brasileira”.
A assessora de Direitos Digitais do ministério, Estela Aranha, também pressionou o Twitter a rever suas posições. “Nós passamos o fim de semana inteiro incomodando os executivos do Twitter porque a situação foi realmente muito crítica. Entre os vídeos que vocês viam que não violavam as regras e não eram apologia, tinham cenas de massacre ou de perpetradores de massacre, em apologia com trilhas sonoras”, disse.
Segundo Ana Estela, o Ministério da Justiça foi acionado diversas vezes por escolas e entidades de educação “em pânico”. “Não sei se vocês entenderam o tamanho da crise que estamos vivendo”, observou a secretária.
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