A transformação da imagem e das ideias de Lula ao longo do tempo reflete experiência e altas doses de pragmatismo. Ele ainda era Luiz Inácio da Silva, “o Lula”, quando disputou a primeira eleição, em 1982, para o governo de São Paulo. Despontara nas greves do ABC no final da década anterior e, dois anos antes, fundara o Partido dos Trabalhadores. Até ser conhecido apenas como Lula e virar presidente da República pela terceira vez, o eleitor foi percebendo a mudança. À época da luta sindical, parecia o João Ferrador, criação da cartunista Laerte, que estampava camisetas com a frase “Hoje eu não tou bom”. Ao chegar ao Planalto, em 2002, já era o “Lulinha Paz e Amor”.
Em 2007, no segundo mandato, ele evocou Raul Seixas para explicar titubeios em relação ao governo Fernando Henrique. “Eu não tenho vergonha e muito menos tenho razão para não dizer que eu mudo de posição e há muito tempo eu digo que prefiro ser considerado uma metamorfose ambulante, ou seja, mudando à medida que as coisas mudam”, justificou-se.
Em março deste ano, voltou a lembrar sua identidade mutante: “Digo que sou uma metamorfose ambulante porque preciso aprender, evoluir todo o dia. Não tenho uma cartilha que diz que as coisas são verdades definitivas. Não tenho medo de mudar de opinião”.
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Agora, o problema é ser ou não ser candidato à reeleição. Ano passado, na sexta campanha presidencial, Lula prometeu que aquela seria a última. Atribuiu a decisão à idade que terá em 2026. “Todo mundo sabe que não é possível um cidadão com 81 anos querer a reeleição. Todo mundo sabe. A natureza é implacável”, disse. Em fevereiro, mudou de ideia: “Se eu puder afirmar agora, digo, não serei candidato em 2026. Agora, se chegar em um momento que tiver situação delicada e eu estiver com saúde? Eu só posso ser candidato com saúde perfeita, com 81 de idade, energia de 40 e tesão de 30.”
Na semana em que o TSE está tirando de campo seu maior adversário, desde 2018, o PT começou oficialmente a tratar da disputa municipal no próximo ano. Toda a estratégia terá como foco o fortalecimento do partido e de alianças voltadas à reeleição de Lula. “A [candidatura à] reeleição de Lula já está dada. Ele só não será candidato se não quiser, e isso não está posto”, afirmou Jilmar Tatto, dirigente do partido em São Paulo que participa do Grupo de Trabalho Eleitoral.
A afirmação pode não bastar para o presidente da Câmara, Arthur Lira, que vem cobrando do próprio Lula uma definição mais clara sobre o futuro. “O fato de o presidente Lula não ter explicitado até hoje se é candidato à reeleição ou não gera, do meu ponto de vista, muitos pré-candidatos dentro do PT. Isso não ajuda na administração do governo, porque há uma aparente dificuldade de relacionamento de A, B, C, D ou E”, disse.
Já há pelo menos quatro nomes cotados à sucessão presidencial na Esplanada: os ministros Fernando Haddad (PT), Simone Tebet (MDB) e Flávio Dino (PSB), além do vice, Geraldo Alckmin (PSB). Lula pode ter admitido a hipótese da reeleição justamente para conter intrigas e disputas. Declarar que ficará fora da urna eletrônica poderia dar a seu governo um ar de fim de festa e liberar o vale-tudo de pré-candidatos para 2026. Manter o suspense faz mais sentido — pelo menos por ora.
Com a reeleição no horizonte, Lula contém os aliados e lhes oferece algum futuro no poder, inclusive ao Centrão de Lira — órfão de Bolsonaro e ávido para aderir. A herança do ex-presidente está em disputa, o campo da direita tem múltiplos candidatos ao posto, e eles vão começar a brigar desde já.
Não se sabe até quando Lula poderá manter o ringue em ordem e governar com alguma tranquilidade. As alianças nas eleições municipais terão peso importante para isso. O PT terá de ceder aos parceiros para manter a base coesa — além de agregar novos apoios. Em 2025, a sucessão para o comando da Câmara e do Senado também será peça do tabuleiro de 2026. A partir daí, Lula estará, de fato, sob pressão para se decidir. Nada impede que recorra, mais uma vez, à arte da metamorfose.
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