O médico ortopedista Luiz Antonio Teixeira Jr. (PP-RJ), mais conhecido como Dr. Luizinho, é daqueles raros casos de parlamentares que chegam no Congresso e logo no primeiro mandato começam ocupar espaços de poder em geral reservados a políticos com mais estrada. Coordena a Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19. Preside a Comissão de Seguridade Social e Família. Já tem cinco propostas de sua autoria, todas ligadas ao combate à covid, transformadas em lei. E seu nome apareceu na bolsa de apostas como alternativa à sucessão do ex-ministro Eduardo Pazuello.
Próximo ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Dr. Luizinho, 47 anos, chegou ao Parlamento após bem avaliada gestão como secretário municipal de Saúde de Nova Iguaçu (RJ), sua cidade natal, posto que o credenciou a ocupar em seguida o cargo de secretário da área do estado de Rio de Janeiro por mais de dois anos. Hoje, é uma das principais referências no Congresso Nacional para temas relativos à saúde.
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Na entrevista a seguir, ele defende que a CPI da Covid em andamento no Senado se concentre na investigação de desvios de recursos e atribui à comissão externa da Câmara um papel mais técnico. No seu entender, tal missão envolve o monitoramento do processo de imunização dos brasileiros, até a sua conclusão, e o planejamento da vida pós-covid. Estão em questão nesse caso, de acordo com o parlamentar, o problema dos órfãos da pandemia e as medidas para a retomada de alguma normalidade no convívio social.
Fala ainda do início – nesta terça, dia 6 de julho – dos debates sobre o novo marco legal da saúde suplementar, que redefinirá as regras de funcionamento dos planos e seguros de saúde.
O que a comissão externa vai fazer em relações a essas questões discutidas na CPI da Covid?
PublicidadeA nossa parte principal é o que vamos fazer para o enfrentamento da covid pro futuro. O principal desafio é identificar o tempo de eficácia da vacinação já realizada. Temos de concluir a vacinação de quem não foi ainda vacinado. Nós incluímos a vacinação das lactantes, dos adolescentes de 12 a 16 anos portadores de deficiência e comorbidade com vacina da Pfizer… e, o principal: quem foi vacinado com as duas doses da Coronavac e não gerou imunidade suficiente, o que nós vamos fazer? Vamos fazer uma nova dose de Coronavac? Vamos fazer um dose de reforço de AstraZeneca? De Pfizer? Qual será esse tempo? O que nós vamos fazer com as pessoas vacinadas com Coronavac que têm demanda de ir ao exterior e alguns países, como Estados Unidos, não aceitam a entrada com Coronavac? O Brasil vai ofertar vacinas da Jansen, da Pfizer, que são vacinas que estão sendo aceitas para quem precisa ir aos Estados Unidos ou a Europa?
A Europa não mais, né? A União Europeia anunciou ontem que aceitará todas as vacinas reconhecidas pela OMS, incluindo a Coronavac.
Ontem? Não sabia, é muita informação. Deus queira que consigamos ter isso nos Estados Unidos também. Mas tem um desafio de tempo de eficácia: vamos precisar revacinar todo mundo ano que vem? Decidimos fazer um intervalo de três meses para a segunda dose de Pfizer e AstraZeneca. Esse é um dos principais motivos para a gente não conseguir subir a quantidade de pessoas vacinadas com a segunda dose. Uma das coisas que tenho defendido é diminuir esse tempo, como ocorreu na Europa. A Europa fez a segunda dose de Pfizer com 30 dias e diminuiu o tempo de vacina com a AstraZeneca também.
Na Europa, o intervalo para a AstraZeneca foi menor do que três meses?
Em alguns países, sim. Eu tive uma discussão com a presidente Nísia [Trindade Lima], da Fiocruz, e ela disse que na Inglaterra ficou em três meses, mas eu acho que não [de fato, o governo britânico autorizou a aplicação da segunda dose entre quatro e 12 semanas após a primeira dose, embora os produtores da vacina recomendem um intervalo mínimo de 45 dias]. Acho que há espaço para encurtar esse tempo para a imunização de segunda dose. A diferença hoje é muito grande. Temos uma diferença de 20% entre a população vacinada com primeira e segunda dose. Criou um abismo. Temos 33, 34% com primeira dose e 12, 13% com segunda. Temos 20% da população aí esperando uma segunda dose. Essa é uma outra preocupação nossa para conduzir a comissão externa. Tem um conjunto de efeitos ligado à desorganização do sistema de saúde brasileiro. Então há várias questões fundamentais relativas ao enfrentamento da covid. Não vou enfrentar os temas de corrupção porque isso é função da comissão de inquérito. Não tenho os instrumentos para isso – quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo telefônico. A gente apoia toda e qualquer medida de investigação. Acho que a CPI se perde na hora em que ela quer discutir cloroquina. Esse foi um posicionamento controverso globalmente. Muitos defenderam no início e hoje já não defendem mais, mas isso é uma pauta muito controversa. Principalmente do ponto de vista da classe médica, quem errou, tomou esse posicionamento tomou porque acredita naquilo…
Tem gente ainda que acredita?
Tem gente que acredita que a Terra é plana! [rindo] Estou brincando. O que estou querendo dizer é o seguinte. Acho que a CPI agora entrou no foco do que ela tem para fazer: apuração das medidas que foram tomadas, verificar as compras realizadas pelo governo nesse período… Ao discutir questões que envolvem opiniões pessoais, principalmente chamando pessoas que não são membros do governo, ela entra numa coisa que não é o seu foco. Ela não deve discutir juízo de valor.
Mas a cloroquina, que teve maior difusão na França, tornou-se lá questão vencida há mais de um ano. Aqui a gente tem ainda pessoas que, segundo o senhor mesmo, continuam recomendando cloroquina?
Eu sei, Sylvio, mas isso não é objeto de comissão parlamentar de inquérito. Não estou discutindo a validade, a questão científica. Não é foco de uma comissão parlamentar de inquérito. Uma comissão parlamentar de inquérito tem que se ater à atuação de governo, às decisões de governo. Inclusive as próprias questões de aplicação de cloroquina, de tratamento precoce, do aplicativo TrateCov [aplicativo criado pelo Ministério da Saúde na gestão Pazuello que recomendava tratamento precoce contra a covid-19], mas com as pessoas que participaram disso do ministério e não ouvir especialistas para saber se é contra ou a favor da cloroquina.
Tem um aspecto aí cronológico. Em março, a Inglaterra abandonou a estratégia da imunidade de rebanho. O primeiro-ministro fez um mea culpa público, noticiado pela imprensa mundial, depois foi parar na UTI e quase morreu. Cloroquina, na França, rapidamente se viu que era uma bobagem e tiraram o pé dessa canoa furada. No Brasil, e isso tem muito a ver com o comportamento do Conselho Federal de Medicina, teve uma questão meio que ideológica dando um rumo passional e anticientífico a esses dois temas, né? Tanto à questão da imunidade de rebanho quanto ao suposto tratamento precoce, baseado em cloroquina e outras drogas…
Acho que essas são discussões de cunho científico. Você está coberto de razão. O que eu acho é que a comissão parlamentar de inquérito tem que entender se o governo federal utilizou recursos ou fez orientações errôneas à população brasileira tendo informações de que aquilo não era validado. Temos problemas históricos com medicação off-label [uso de medicamento para finalidade diferente daquela para o qual ele foi aprovado]. Assim foram feitas algumas descobertas no mundo. Algumas aplicações foram abandonadas porque viram que o efeito colateral foi maior do que o benefício, não sei se você conhece a história da finasterida, usada para crescer cabelo [impotência e perda de libido são seus principais efeitos colaterais]. E a gente tem outros casos na história da humanidade com isso. Isso é muito importante para nós, como médicos, e para nós, que trabalhamos dentro da ciência brasileira: fazer uma análise de tudo o que aconteceu e fazer um balanço posterior com juízo de valor. Só acho que isso não está dentro do espectro da comissão parlamentar de inquérito.
Isso não está na comissão externa?
Está na comissão externa. Nós discutimos todos esses assuntos. Nós discutimos cloroquina, nós discutimos Ecmo [pulmão artificial], nós discutimos imunidade de rebanho. Ouvimos pessoas que são contra a vacina, a favor da vacina porque a gente deu voz a todos os parlamentares que trouxeram requerimento e a gente foi rodando, para instrumentalizar o governo federal de caminhos para enfrentar a pandemia. A gente trabalhou pela vacina desde abril de 2020, com Fiocruz, com Butantan… foi o primeiro Parlamento do mundo que ouviu a Sputnik. Tivemos em junho o depoimento do presidente da Pfizer dizendo que em dezembro teria a vacina pronta. Confesso que não acreditei, mas ele fez esse depoimento. Todos esses personagens que foram ouvidos na CPI, médicos, cientistas, foram ouvidos por nós e tivemos grandes embates aqui, que estão documentados não só na nossa memória, mas também dentro da casa por vídeos, por gravações, por transmissões pela TV Câmara. O que eu vejo é que esse não é o foco da CPI. CPI tem de investigar desvios de conduta, desvios de recursos… essa é a minha preocupação. E na comissão temos de focar no término da vacinação, na abordagem para que sejam tomadas as decisões corretas e principalmente no que nós vamos fazer no pós-covid. O que vamos fazer em relação às sequelas de covid, ao grande número de órfãos que nós temos no país, ao problema das pessoas que estão com baixa eficácia da vacina, como reforçar essa conduta… e quando poderemos ter efetivamente uma melhora em nossa socialização. Quando vamos poder voltar a ter público em esportes, quando teremos público em eventos… precisamos disso, sabe? Esse é o nosso foco.
Considerando tudo o que senhor já ouviu, estudou, leu, como o senhor analisa a gestão da pandemia por parte do governo brasileiro?
O governo brasileiro, infelizmente, conduziu mal a pandemia. Não conseguiu trazer para ele a atribuição de conduzir o país. A pandemia virou um conflito político-institucional muito grande. Quatro ministros diferentes conduziram a pandemia. Não conseguiu envolver os governos estaduais e municipais. A condução foi muito conturbada. Em vez de ser uma condução que ajudasse a atravessar a pandemia, ela foi uma condução que o tempo inteiro gerou dúvidas, gerou dificuldades, a partir do momento que todos nós tínhamos dúvidas e dificuldades – desde o governo federal até os governos estaduais e os governos municipais. Mas, mesmo nesse mar de incertezas, mesmo quando a gente não sabe aonde a gente vai chegar, faltou a gente ter uma condução tranquila e clara. Nós atravessamos a pandemia em conflitos o tempo inteiro, e esse é o resultado que a gente colhe: a nossa população tem um dos maiores números de óbitos do mundo.
A CPI chegou à Câmara com o envolvimento do líder do governo, Ricardo Barros, que é do partido do senhor, em possíveis irregularidades ocorridas na compra de insumos. Como fica a Câmara nessa história?
Primeiro, não é um ato da Câmara. O que foi relatado é que temos dois deputados envolvidos: o Luis Miranda e o nosso líder do governo, Ricardo Barros. Acho que todos têm que esclarecer o seu posicionamento. O Ricardo vai ter a oportunidade de se defender e de esclarecer o que foi falado. O Luis Miranda teve oportunidade de fazer as falas dele, e o Ricardo Barros vai ter a oportunidade de se defender do que ele falou. O Ricardo tem uma atuação proativa em algumas áreas. Como foi ministro da Saúde, conhece alguns interlocutores, eu acho que a gente precisa ouvi-lo. Número um: não consigo fazer qualquer juízo de valor porque a gente não teve a oportunidade de ouvir. Ricardo é muito proativo. Ele conduz uma frente parlamentar de defesa da indústria nacional. Não sei se é por que ele fala uma grande parte da indústria nacional que ele está dentro desse contexto. Precisa saber qual atitude ele teve, o que ele propôs, qual é o envolvimento. Porque uma coisa é o envolvimento proativo: vamos levar, fazer e tal. Outra coisa é o envolvimento com corrupção. É preciso dar a ele o direito de defesa para ele se posicionar. Nesse meu período de convívio com o Ricardo, pessoalmente não acredito que ele tenha sido piloto dessas ações como o deputado Luis Miranda colocou. O Luis Miranda fala de uma maneira, ele fala de outra, acho que ele vai ter oportunidade de se defender.
Há uma discussão para fazer uma espécie de marco legal para a área de saúde suplementar, não é isso?
Sim, sim. A comissão especial para rever o marco legal da saúde suplementar. Vai ser instalada dia 6 de julho, às 10h. A princípio, o relator deve ser o Hiran [Gonçalves, deputado do PP-RR], que foi quem propôs a comissão. Vamos ver quem vai ser designado presidente. Estou na comissão.
E o que se pode esperar desse trabalho?
Tem que ver quem será o presidente, quem vai ser o relator e qual o plano de trabalho que será apresentado. A saúde suplementar é um desafio para o país porque é um setor muito importante para a população como um todo, que, além de tudo, direta ou indiretamente é gerador de emprego e renda. A gente regulamentou muito esse setor para proteger o consumidor e acabou excluindo muitos consumidores dele. O marco legal atual tem um erro clássico, que é a venda de plano ambulatorial acoplado à emergência 12h, que é o pior produto que nós poderíamos ter. E a gente poderia ter outros produtos para aumentar o acesso das pessoas a plano de saúde e não tem, né? Reformar esse marco é muito importante.
Na sua opinião, o problema está mais em que ponta: está mais na falta de ambiente econômico adequado para empresas da área, que reclamam muito, ou está mais na questão de propiciar aos consumidores uma cobertura adequada e a preços justos?
Acho que tem um problema que é entender o que está sendo ofertado e qual o produto as pessoas querem comprar. Hoje, se você quer comprar um plano de saúde individual, você não consegue. Só consegue comprar plano coletivo por adesão. E se você quiser comprar um plano específico, por exemplo um plano obstétrico para acompanhamento de uma gravidez, não pode. A mulher não pode. Não tem essa modalidade. E tem esse plano de 12h em que se vende gato por lebre, a pessoa não sabe o que está comprando. Então o principal é ter mais produtos para quem quer comprar, sabendo o que quer comprar. O que você vai comprar? Ah, eu quero comprar um plano com cobertura total, que inclua o Sírio-Libanês. Então tá. É esse plano aqui. E aí não pode tirar esses hospitais do plano. Hoje, você compra e no meio do plano tiram os hospitais e você fica com a mesma mensalidade. A pessoa acha que comprou um plano maravilhoso para a sua família e aí descobre que é só um plano ambulatorial. Se você tiver uma emergência de até 12h, ele atende você. Mas se for mais de 12h, você tem que ir para o SUS. E a pessoa muitas vezes não sabe disso. Não é possível no Brasil você não conseguir comprar um plano individual.
Não pode?
Não é que não pode. As operadoras não querem vender.
Não estão disponíveis então?
Não estão disponíveis.
E por que não. As operadoras alegam o quê?
A regulação do setor trouxe perto de 5 mil operadoras para 700. Se você lembrar que esse número inclui umas 400 que são Unimed, estamos falando de 300 operadoras. A concentração do mercado foi muito forte.
Uma legislação ruim tanto para o consumidor final quanto para as operadoras?
Com certeza absoluta. O consumidor final não sabe o que está comprando. E, entre as operadoras, claro que muitas operam corretamente e elas também são prejudicadas por algumas que estão vendendo gato por lebre. Esta é uma frase para guardar: a saúde é a única área em que a tecnologia encarece os custos. Em todas as áreas, você melhora a tecnologia, você desburocratiza, você facilita, você reduz despesas. Na saúde, não. Quanto mais surgem novos medicamentos e tratamentos, mais caro fica.
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