A Constituição Federal de 1988 define a essência da ordem jurídica brasileira. Parece viável afirmar, à luz do Texto Maior, que a República Federativa do Brasil constitui-se num Estado Democrático de Direito realizador da dignidade da pessoa humana em suas múltiplas e complexas perspectivas.
No campo específico da atuação do Poder Público para conduzir a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza, da marginalização e dos preconceitos e discriminações, assumem especial revelo o efetivo respeito à cidadania e à publicidade dos atos, contratos, políticas e programas desenvolvidos pelo Estado.
O prestígio constitucional explícito da cidadania e da publicidade dos negócios públicos seria um discurso vazio, desprovido de consequências práticas, caso não fossem adotados os instrumentos legais para dar concretude a esses relevantíssimos valores. Nessa linha, foi adotada, no dia 18 de novembro de 2011, a Lei n. 12.527, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI). Comemoramos, portanto, a primeira década de sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro.
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A LAI veicula expressamente as seguintes diretrizes: a) observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; b) divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; c) utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; d) fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública e e) desenvolvimento do controle social da administração pública.
A LAI garante a qualquer interessado, por qualquer meio legítimo, o direito de apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades públicas. Exige-se que o pedido contenha a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.
Atualmente, o Governo Federal, assim como o Governo do Distrito Federal, utilizam o Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão – e-SIC, disponível na internet, para operacionalizar os encaminhamentos de pedidos de acesso à informação. O referido sistema gera um número de protocolo, permite acompanhar as tramitações dos pleitos, ingressar com recursos e consultar as respostas produzidas.
Existe, no âmbito federal, um painel de acompanhamento da execução da LAI. Ele está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://paineis.cgu.gov.br/lai. Vários dados relevantes podem ser recuperados naquele espaço, tais como: a) entre 16 de maio de 2012 e 26 de novembro de 2021 foram apresentados 1.082.745 pedidos de informações; b) em 2012, ano da entrada em vigor da LAI, foram 54.871 pedidos apresentados; c) em 2020, o número de pedidos de informações chegou a 153.019 e d) durante a vigência da LAI, o tempo médio de resposta aos pedidos foi de 15,08 dias.
O amplo acesso às informações manuseadas e produzidas pela Administração Pública viabiliza a participação ativa do cidadão nas ações governamentais. Ademais, são inquestionáveis os avanços: a) na prevenção da corrupção, por conta das condições de monitorar efetivamente atos e decisões de interesse público; b) na melhoria da gestão pública, em função da identificação de entraves à eficiência administrativa; c) na melhoria do processo decisório, em razão das várias contribuições especializadas, ou não, que podem ser colhidas no âmbito da sociedade e d) no fortalecimento da democracia, na medida em que podem ser verificados os procedimentos decisórios quanto à efetividade da participação social.
Infelizmente, no momento de comemoração dos dez anos de edição da LAI, devem ser lembradas as tentativas recentes de restringir a Transparência e, por consequência, o Controle Social. Com efeito, o Governo Bolsonaro, com seu inegável pendor autoritário, protagonizou tristes episódios desse filme.
Foi editado, no início da atual gestão executiva federal, um decreto alterando a regulamentação da LAI. O Decreto n. 9.690, de 23 de janeiro de 2019, ampliou o número de autoridades que podem definir informações como protegidas.
O diploma normativo referido viabilizava que ocupantes de cargos comissionados classificassem dados governamentais como informações “ultrassecretas” e “secretas”. Essas unidades de informação possuem grau máximo de sigilo por 25 anos e 15 anos, respectivamente. Anteriormente, a classificação somente poderia ser feita por presidente, vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior. Com a alteração, mais de 400 agentes públicos estavam autorizados a fazerem a classificação. Apurou-se, na ocasião, que o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU (Controladoria-Geral da União), integrado por membros da sociedade civil e do Poder Executivo, não foi ouvido acerca das mudanças.
Foram apresentados, no Congresso Nacional, inúmeras propostas de decretos legislativos voltadas para sustar os efeitos do mencionado Decreto n. 9.690/2019. O governo federal, diante da pressão, terminou por revogar essa forma inusitada de ampliação do sigilo.
O governo Bolsonaro também editou a Medida Provisória n. 928, de 23 de março de 2020, que suspendia os prazos de resposta por intermédio da Lei de Acesso à Informação durante a pandemia do coronavírus.
Ao julgar a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 6.347, proposta pela REDE SUSTENTABILIDADE, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, reconheceu que “o art. 6º-B da Lei 13.979/2020, incluído pelo art. 1º da Medida Provisória 928/2020, não estabelece situações excepcionais e concretas impeditivas de acesso à informação, pelo contrário, transforma a regra constitucional de publicidade e transparência em exceção, invertendo a finalidade da proteção constitucional ao livre acesso de informações a toda Sociedade”.
Os mencionados óbices opostos pelo Governo Bolsonaro à transparência na gestão pública compõem um quadro de entraves de maior alcance. Com efeito, observa-se um crescente abuso nas recusas de fornecimentos de informações com base na LAI a partir de três argumentos: a) o sigilo dos dados buscados; b) a necessidade de realização de trabalhos adicionais e c) supostas violações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A afirmação da cidadania e da publicidade na Administração Pública, notadamente por intermédio de instrumentos legais como a Lei da Acesso à Informação (LAI), não se esgota com a adoção de atos normativos e os debates jurídicos relacionados com suas aplicações. É crucial nesse e em outros campos relevantes trabalhar na conscientização, mobilização e organização dos segmentos sociais mais consequentes e interessados na ampliação quantitativa e qualitativa dos avanços institucional e socioeconômico.
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