por Diogo Lima*
Basta entrar na sala de qualquer curso preparatório para concursos públicos e observar a cor majoritária dos aspirantes ao serviço público: branca. O modelo de exames hoje privilegia quem pode se dar ao luxo de se dedicar aos estudos exclusivamente, o que exclui parte considerável da população negra brasileira, que se encontra em desigualdade educacional e de renda. Há um profundo distanciamento entre pessoas pobres e mais abastadas, e particularmente entre pessoas negras e brancas.
Não por acaso hoje muitos do que passam nos concursos públicos – especialmente naqueles que oferecem os maiores rendimentos e requerem maior escolaridade – são brancos. Dados do Atlas do Estado Brasileiro (2020) mostram que pessoas negras representam apenas 13% da carreira de procurador federal, 12% da carreira de auditor da Receita Federal e 10% da carreira de diplomata, ainda que para este último cargo sejam promovidas ações afirmativas.
É possível se perguntar: mas, e as cotas? Bem, com a lei que garantiu 20% da reserva de vagas para pessoas negras tivemos avanços na representatividade do serviço público brasileiro, mas muito aquém do desejado. Dados evidenciam que, mesmo com as cotas, a proporção de pessoas negras nos vínculos ativos do executivo federal subiu muito pouco: de 30,8% em 1999 para 35,1%, em 2020. Quando olhamos para os dados desagregados por remuneração e escolaridade, observamos uma diferença expressiva entre a população negra e branca: a maior parte da população negra com pós-graduação ganha entre R$ 6 a R$ 12 mil, enquanto a maioria dos brancos com esse mesmo nível de escolaridade ganha mais de R$ 12 mil, de acordo com levantamento da Enap (Escola Nacional de Administração Pública) de 2018.
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Um estudo mais aprofundado lançado pela Enap em 2021 evidenciou que, dos servidores públicos que foram identificados nas listas de aprovados das bancas examinadoras, o número máximo de servidores cotistas que teríamos no Poder Executivo Federal seria de 15,4%, muito abaixo do valor previsto na Lei.
A vocação para o serviço público pode ser medida não só pelo quanto um candidato estudou, mas também por sua vontade de transformação social, por seus valores democráticos e por seu entendimento – muitas vezes sentido na própria pele – dos problemas públicos do país. Um modelo de concurso mais abrangente, que possa avaliar competências, por exemplo, pode tornar o processo menos elitista.
Muitos países já diversificaram as formas de seleção de profissionais públicos. O Chile, por exemplo, fez reformas no sistema de gestão das lideranças, garantindo processos abertos de seleção por competências. O país também tem um sistema de ingresso que permite avaliar competências, habilidades e até a experiência prévia.
Se melhorar a qualidade da educação pública e garantir equidade racial no desenvolvimento da população é uma solução de médio/longo prazo, expandir as ações afirmativas – inclusive nos cursos preparatórios – e diversificar a estrutura dos concursos pode ser uma solução mais imediata para aumentar a representatividade e atrair cada vez mais gente comprometida com o Estado e com as políticas públicas.
* Diogo Lima é cientista social e especialista em Gestão Pública pelo Insper. É gerente de projetos da República.org.
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