Jorge Ben Jor tem uma canção, que tem uma deliciosa versão cantada por Ney Matogrosso. Ela conta a história de um vendedor de bananas que tem muito orgulho da sua profissão. Ele seleciona os melhores cachos de todos os tipos de bananas para os seus clientes. E, com muito orgulho, diz que é assim que ele ganha a vida, que é vendendo bananas que ele vive com muita dignidade.
Assim, diz o vendedor de bananas de Jorge Ben Jor, ele pode “andar sempre na moda” e contar “para o seu amor puro e belo” as “suas prosas”. E constata que o mundo é bom com ele “até demais”. Pois, vendendo bananas, ele tem o seu cartaz. E conclui: “Ninguém diz pra mim que eu sou um pária no mundo”.
No governo Jair Bolsonaro, o Brasil teve um ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que afirmou que não se importava se o país virasse “um pária no mundo”. É incrível: nosso chanceler desejava algo que nem o modesto vendedor de bananas da canção de Jorge Ben Jor queria.
Na terça-feira (19), quando o presidente Lula concluiu seu discurso no púlpito da Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), aplaudido pela sétima vez, o Brasil ultrapassava, assim, as pretensões do vendedor de bananas de Ben Jor e deixava Ernesto Araújo na poeira. Não somos mais um “pária no mundo”.
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E possível e até defensável que não se concorde com todos os pontos de vista de Lula no seu discurso às Nações Unidas. Mas é inegável que não foi um discurso de pária, como os diversos aplausos demonstraram. Não foi um mero discurso de quem somente cumpriu ali o protocolo que nos honra por tradição com a fala de abertura na assembleia. Nem foi um discurso recheado de bizarrices e falsidades, destituído de bom senso.
Em uma das fileiras, havia um senhor de camiseta verde (curioso como nunca usa paletó e gravata) que não aplaudiu Lula nenhuma vez. Provavelmente, esse senhor hoje concorda muito pouco com a visão de mundo que Lula prega. Mas esse senhor, mesmo assim, tomou ele a iniciativa de pedir uma reunião fechada com Lula. Porque, concorde ou não Lula com ele, esse senhor, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, entende ser importante levar seus argumentos ao principal líder da América do Sul.
No fundo, o cerne do discurso de Lula na ONU não difere muito do que ele vem defendendo há anos. A ideia de que é necessária uma nova conformação global, que leve mais em consideração os países emergentes no palco das grandes decisões mundiais, é algo coerente com o que sempre pregou Lula no plano internacional. Totalmente coerente com a ideia do Fórum Social Mundial, lançado em 2023 em Porto Alegre como contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Totalmente coerente com a ideia de criação do Brics, o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Na sigla, está aí o Brasil à frente justamente da ideia de conferir maior papel a novos atores mundiais que mais e mais não podem ser ignorados. A Rússia, nem que seja pelo seu imenso território e seu enorme potencial letal ao protagonizar com a Ucrânia uma nova guerra na Europa. A Índia, nem que seja pelo fato de ser a dona da primeira espaçonave a pousar no lado oculto da Lua, talvez os primeiros a ali encontrar e extrair água. A China porque é hoje uma potência econômica no mínimo equivalente aos Estados Unidos. E a África do Sul como pólo da necessária compensação que o resto do mundo inteiro deve ao continente africano.
O clubinho original de nações que dava as cartas após a Segunda Guerra Mundial não comporta mais a realidade do novo mundo. Não é mais capaz de explicar o mundo inteiro nem de tomar as decisões que mantenham o planeta todo sob controle.
O mundo começa a prestar mais atenção a discursos como o que foi feito na terça-feira por Lula. E líderes de países como o Brasil de Lula passam a ter chances de ser mais considerados. Lula não vende bananas. Porque o Brasil não é uma republiqueta. Ninguém diz a ele que ele é um pária no mundo.
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