Brasília virou sede de uma competição de queda de braço. Medem forças o presidente da República e o Banco Central, o PT e o Ministério da Fazenda, e os comandantes da Câmara e do Senado. As disputas têm produzido aumento de incertezas e disseminado a sensação de paralisia no governo Lula, que tem menos de cem dias.
A decisão do Banco Central de manter a taxa básica de juros no patamar de 13,75%, apesar de toda a pressão do Executivo, realimenta o discurso enfurecido de Lula contra a instituição e seu presidente, Roberto Campos Neto. A taxa é obviamente alta e é um entrave ao fluxo de investimentos imaginado por Lula para a retomada da economia. Ele sabe, porém, que não tem poder para baixá-la por decreto — a decretação da queda de juros para aposentados resultou em desastre.
A contundência de Lula contra a política monetária conduzida por Campos Neto acendeu o debate sobre o rumo da economia, mas, na prática, não levou o BC a mudar a rota. Aqui, não há trégua à vista — Lula vai continuar a culpar Campos Neto por suas agruras na gerência de um orçamento limitado e com a sombra de uma recessão no horizonte.
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O ministro Fernando Haddad tem se movimentado com destreza no meio desse duelo. Ontem, porém, subiu o tom e considerou “muito preocupante” o comunicado do Copom que acena com nova elevação nas taxas de juros, caso a inflação não seja reduzida. Haddad vinha fazendo o “dever de casa” esperado pelo mercado financeiro, sob fogo amigo da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Prometeu apresentar novas regras fiscais ainda neste mês, e viu o plano ser adiado pelo chefe, com quem deve acertar o texto final durante a viagem à China.
Já suas relações com o PT devem continuar tensas, como têm indicado Gleisi Hoffmann e Aloizio Mercadante, presidente do BNDES. Ela defende uma política fiscal expansionista para estimular a economia. Ele promete “lealdade” ao ministro, mas quer o governo acelerando, “pisando com o pé esquerdo”. Às vésperas da reunião do Copom, Mercadante promoveu um seminário com economistas para debater estratégias de desenvolvimento. Marcou posição — já conhecida —, mas agitou um ambiente já conflagrado numa semana difícil.
Em outro front, no Congresso, aumentou a tensão entre Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em torno da apreciação de medidas provisórias. Criou-se uma crise dentro do Legislativo, paralela à que está em curso no governo.
Com apoio de boa parte dos líderes partidários da Câmara, inclusive do PT, Lira quer manter o rito abreviado para MPs adotado na pandemia, que elimina a análise preliminar de uma comissão mista especial e inicia a tramitação pela Câmara. Na prática, o modelo reduz o poder do Senado sobre essas iniciativas do governo, deixando aos deputados a primeira e a última palavra.
Em defesa do poder do Senado, Pacheco quer retomar a prática prevista na Constituição, alegando o fim da emergência sanitária. Recebeu ajuda de Renan Calheiros (MDB-AL) — adversário político de Lira — numa questão de ordem endossada pelo líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA). Ainda nesta semana, Pacheco deve instalar comissões para apreciar 29 MPs pendentes de votação. São atos de Lula que abrangem desde a nova estrutura ministerial aos reformulados programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, por exemplo. Lira dificilmente aceitará passivamente a iniciativa do Senado — até desistiu de ir à China com Lula para evitar a convivência com Pacheco na comitiva.
Nesse imbróglio, nem o PT se entende. Enquanto no Senado Jaques Wagner se alinha a Pacheco, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), apoia Lira, assim como o líder da bancada petista Zeca Dirceu (PR). Lula costuma não se importar com as divergências dentro do seu partido. Mas Lira não está disposto a perder um milímetro do poder conquistado nos últimos dois anos. Quer ter o governo na mão, decidindo o destino das MPs. Nessa guerra, Lula terá de mandar o PT escolher um lado.
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