A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, falou publicamente, pela primeira vez, sobre os assédios que sofreu do ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida. Em entrevista à revista Veja, ela afirmou que estava vulnerável e não queria ter vida exposta por mais uma violência.
“Ninguém se sente à vontade para relatar uma violência. E, nesse caso, a gente está falando de um conjunto de atos inadequados e violentos que aconteceram sem consentimento e reciprocidade e que, infelizmente, mulheres do mundo inteiro vivenciam diariamente. Mas é importante deixar claro que o que houve foi um crime de importunação sexual”, relatou a ministra durante a entrevista, dada nesta quarta-feira (2), após ela prestar depoimento na Polícia Federal (PF).
“Precisamos reforçar isso para evitar que mulheres continuem sendo vítimas desse tipo de agressão. Não podemos normalizar uma situação como essa, independentemente de quem a pratique”, declarou a ministra ao jornalista Matheus Leitão. “Ninguém se sente à vontade ficando em silêncio em uma situação assim. Mas eu não queria a minha vida exposta e atravessada mais uma vez pela violência. Sou muito mais do que isso e me orgulho da minha trajetória. Só queria que aquilo parasse de acontecer”, ressaltou.
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Segundo Anielle, as “abordagens inadequadas” começaram no final de 2022, quando ela e Silvio faziam parte do grupo de transição do governo Lula. Na época, o assédio era velado, depois, já como ministra da Igualdade Racial, os ataques ficaram cada vez mais grosseiros até chegar ao contato físico íntimo sem consentimento, de acordo com a ministra.
Ao justificar o silêncio até então, ela afirmou que, assim como qualquer outra vítima, teve medo do descrédito e de julgamentos. E, mesmo sendo vítima, carregou a sensação de culpa. “Fico me perguntando o tempo todo por que não reagi na hora, por que não denunciei imediatamente, por que fiquei paralisada. Me culpei muito pela falta de reação imediata, e essas dúvidas ficaram me assombrando. Me lembrava de todas as mulheres que já tinha acolhido em situação de violência. Mas o fato é que não estamos preparadas o suficiente para enfrentar uma situação assim nem quando é com a gente”, desabafou.
Preservação das vítimas
Anielle e Silvio não tinham nenhuma relação até trabalharem juntos no governo. Ela conhecia o ex-ministro apenas pela trajetória profissional e acadêmica. A ministra relata que demorou a entender as primeiras investidas, pois não queria acreditar que eram reais. Após o toque íntimo em uma reunião, ela conta que confrontou Silvio e pediu a ele que parasse com esse tipo de comportamento. Embora, segundo a ministra, ele tenha se desculpado e reconhecido que haviam extrapolado os limites, no fim da conversa, Silvio sussurrou palavras de cunho sexual no ouvido dela.
Apesar da dor e da decepção, Anielle afirmou que detalhou o ocorrido no seu depoimento à PF. Ainda ressaltou que não quer dar mais informações publicamente para não atrapalhar as investigações. A ministra ainda comentou sobre pressão pública para que ela detalhasse a conduta do colega quando o assédio sexual foi revelado. Ela ressaltou que as vítimas precisam ser acolhidas, não expostas.
“Sei que vivemos nesse mundo de internet, em que tudo é muito rápido e todo mundo quer saber de tudo, mas nenhuma vítima, de qualquer tipo de violência que seja, tem a obrigação de se expor, falar quando as pessoas querem que ela fale. As vítimas têm de falar na hora em que elas se sentirem confortáveis. Vou repetir isso quantas vezes for necessário: vítima é vítima. Você fala quando se sente apta e acolhida a falar”.
Silvio Almeida foi demitido do cargo pelo presidente Lula em 6 de setembro. Ele negou ter cometido os atos apontados pela ex-ministra e outras mulheres acolhidas pela campanha Mee Too e disse que provaria sua inocência na Justiça. Leia a íntegra da nota do ministro divulgada logo após sua saída do governo.
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