A ideia em um segundo
Os palanques estaduais, as alianças entre candidatos a presidente e governador, têm importância significativa nas eleições nacionais. Em 2018, Bolsonaro impulsionou candidaturas de seu partido e de aliados formais e informais. Ao se esperar uma eleição mais “normal” em 2022, Bolsonaro não deve contar com as vitórias inusitadas e impressionantes de aliados desconhecidos em pleitos estaduais. Ainda sem partido, seu desafio é construir alianças competitivas, e logo. Lula, por sua vez, cuida de seu bastião nordestino, como a se fortificar para uma longa e renhida batalha em que precisará avançar pelo terreno do inimigo. Ciro Gomes, por sua vez, tem plena consciência da necessidade de mirar não só o eleitor de centro-direita, mas também alianças com partidos nesse espectro ideológico. Seu destino assim será conhecido antes mesmo da campanha, pois um fracasso nesse movimento prévio praticamente o inviabiliza.

Bolsonaro enfrentará em 2022 uma eleição mais “normal” do que foi a de 2018, quando se elegeu presidente [fotografo] Fábio Pozzebom/Agência Brasil [/fotografo]
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Expectadores mais atentos e experientes, contudo, apontam outros problemas numa possível jornada eleitoral de Bolsonaro, como manifestou Gilberto Kassab há algumas semanas opinando que o presidente estaria “perdido”. Embora a beligerância e as emoções fortes devam prevalecer na campanha de 2022, em vários sentidos as eleições voltarão ao seu estado normal, fugindo da excepcionalidade vista há quase três anos. E o normal é desafiador a Bolsonaro.
2018 nos trouxe uma eleição que foi a um tempo um plebiscito em relação ao Partido dos Trabalhadores, uma ode à Lava Jato – os quais consubstanciam um desejo profundo de mudança antissistema – e, importante, uma abertura aos desafiantes, pois não havia um presidente concorrendo à reeleição. Além disso, a campanha de Bolsonaro fez uso quase revolucionário das redes sociais, o que o diferenciou positivamente em relação aos demais.
Eleições “normais” – o que se espera para 2022 – têm o desempenho do governo em destaque. Os eleitores analisam questões como custo de vida, emprego, serviços públicos, etc. Antipetismo, ideologia, movimentos antissistema terão seu lugar, mas com um presidente concorrendo à reeleição o que será julgado é principalmente seu desempenho. O uso das redes sociais deverá também estar mais parelho, pois as estratégias de 2018 ou serão mais controladas pela Justiça Eleitoral ou, as legítimas e exitosas, deverão ser emuladas por todos os candidatos.
Um dos elementos da “normalidade” das eleições, que trataremos aqui, refere-se à construção e importância dos palanques estaduais.
A importância dos palanques estaduais
A política regional no Brasil apresenta diferenças por vezes muito relevantes. Alguns estados subordinam sua política à hegemonia de grupos locais bem postados, como por exemplo o Ceará com os irmãos Gomes – o único estado que deu vitória a Ciro no pleito de 2018 – e Pernambuco com os descendentes de Miguel Arraes. No estado, mesmo após o falecimento da grande liderança Eduardo Campos, seu grupo ainda mantém o controle dos principais cargos e influencia o resultado da eleição presidencial.
Outros estados, ao contrário, apresentam uma política mais aberta, com grupos diversos alternando-se no poder – como o Rio Grande do Sul –, e outros ainda propensos ao voto mais volátil, aberto ao protesto e à novidade, como o Rio de Janeiro.
De toda forma, a construção de alianças entre candidatos a presidente e governador, em eleições que se dão conjuntamente, é crucial. Há influências recíprocas, com candidato a presidente inflando os votos do governador – por exemplo o apoio de Bolsonaro a Wilson Witzel no Rio de Janeiro em 2018 e Lula/Haddad impulsionando vários governadores da região Nordeste – e outros em que a política estadual define o apoio aos presidenciáveis, lembrando-nos aqui da tradicional política mineira.
Assim, a construção de alianças, os “palanques estaduais”, é elemento importante numa campanha presidencial, assim como para o governo dos estados.
A tabela abaixo apresenta o desempenho de Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes nos estados, por ordem final de votação, e dos candidatos a governador com os quais realizaram alianças formais. Por exemplo, Jair Bolsonaro foi o mais votado em Roraima, assim como o candidato a governador de seu partido. No mesmo estado, Ciro Gomes conseguiu apenas a quarta colocação e seu aliado a governador terminou na terceira posição (a tabela considera as coligações).
1: Candidatos a Presidente e Governador nos Estados – Resultado no Primeiro Turno de 2018
|
Jair Bolsonaro |
Fernando Haddad |
Ciro Gomes |
|||
|
Presidente |
Governador |
Presidente |
Governador |
Presidente |
Governador |
RR |
1 |
1 |
2 |
5 |
4 |
3 |
AP |
1 |
4 |
2 |
2 |
3 |
1 |
AM |
1 |
2 |
2 |
5 |
3 |
2 |
PA |
2 |
1 |
1 |
3 |
3 |
2 |
AC |
1 |
3 |
2 |
2 |
4 |
2 |
RO |
1 |
2 |
2 |
5 |
3 |
* |
TO |
1 |
4 |
2 |
3 |
3 |
3 |
GO |
1 |
1 |
2 |
4 |
3 |
1 |
DF |
1 |
1 |
3 |
9 |
2 |
2 |
MT |
□ |
□ |
□ |
□ |
□ |
□ |
MS |
1 |
* |
2 |
4 |
3 |
2 |
MA |
2 |
3 |
1 |
1 |
3 |
1 |
PI |
2 |
4 |
1 |
1 |
3 |
1 |
CE |
3 |
3 |
2 |
1 |
1 |
1 |
RN |
2 |
4 |
1 |
1 |
3 |
2 |
PB |
2 |
2 |
1 |
1 |
3 |
1 |
PE |
2 |
2 |
1 |
1 |
3 |
5 |
AL |
2 |
2 |
1 |
1 |
3 |
1 |
SE |
2 |
6 |
1 |
1 |
3 |
2 |
BA |
2 |
4 |
1 |
1 |
3 |
1 |
MG |
1 |
* |
2 |
3 |
3 |
4 |
ES |
1 |
2 |
2 |
3 |
3 |
1 |
RJ |
1 |
* |
3 |
7 |
2 |
5 |
SP |
1 |
7 |
2 |
4 |
3 |
* |
PR |
1 |
* |
2 |
4 |
3 |
3 |
SC |
1 |
2 |
2 |
4 |
3 |
1 |
RS |
1 |
* |
2 |
3 |
3 |
4 |
Fonte: TSE – Repositório de Dados Eleitorais. https://www.tse.jus.br/hotsites/pesquisas-eleitorais/resultados.html. “Votação nominal por município e zona”. Elaboração: Congresso em Foco. * indica a ausência de apoio formal a candidato. □ não há dados de governador para o MT na fonte.
Bolsonaro puxador de votos – a improbabilidade de um novo inédito

“Novidades” como Wilson Witzel foram puxadas em 2018 pelo fenômeno Jair Bolsonaro [fotografo] Marcos Oliveira/Agência Senado [/fotografo]
Mesmo considerando apenas as alianças formais realizadas pelo PSL em 2018, seu sucesso foi grande, conforme vê-se na tabela abaixo:
2: Resultados Consolidados em Número de Estados
|
Jair Bolsonaro |
Fernando Haddad |
Ciro Gomes |
|||
Presidente |
Governador |
Presidente |
Governador |
Presidente |
Governador |
|
1º Colocado |
16 |
4 |
9 |
9 |
1 |
10 |
2º Lugar |
9 |
7 |
15 |
2 |
2 |
6 |
3º Colocado |
1 |
3 |
2 |
5 |
21 |
3 |
4º e mais |
|
7 |
|
10 |
2 |
4 |
Fonte: TSE – Repositório de Dados Eleitorais. https://www.tse.jus.br/hotsites/pesquisas-eleitorais/resultados.html. “Votação nominal por município e zona.” Elaboração: Congresso em Foco.
O candidato do PSL viu quatro aliados terminarem o primeiro turno em primeiro lugar na votação para governador e sete na segunda posição. Há apenas três em terceiro lugar e sete na quarta posição ou mais abaixo.
Mesmo tendo uma campanha atípica em 2018, apresentando-se como outsider, a lição que fica para Bolsonaro é: não se elege candidato a presidente sem penetração nas eleições para governador.
Podemos dizer que na eleição passada a super popularidade de Bolsonaro e o caráter plebiscitário em relação ao PT permitiram que o candidato do PSL impulsionasse candidaturas improváveis dentro e fora de seu grupo original de aliados.
Agora em 2022, contudo, numa eleição mais normal, o desafio para o presidente é conseguir estruturar palanques estaduais competitivos. Parece-nos totalmente improvável que a popularidade de Bolsonaro vá impulsionar novamente candidatos outsiders. O mais correto seria, então, formar alianças com candidatos competitivos, garantindo ao presidente espaço e apoio nos estados. Seu fracasso nessa estratégia é condição para a terceira via obter êxito.
O fato de o presidente ainda se encontrar sem filiação partidária e revolvendo-se numa crise multifatorial e profunda tornam o quadro mais urgente e desafiador para ele.
Lula e seu bastião

Lula fez um périplo pelo Nordeste consolidando sua posição na região [fotografo] Ricardo Stuckert/Instituto Lula [/fotografo]
Contudo, a marca da campanha petista foi a concentração espacial. A região Nordeste foi o seu bastião em 2018. Todos os candidatos a governador que terminaram o primeiro turno em primeiro lugar, então eleitos ou a disputar o segundo turno, foram apoiados pelo PT. Ao contrário, o PT não apoiou nenhum vencedor em outras regiões do Brasil.
Estes números ajudam a explicar o atual empenho do presidente Lula em visitar a região Nordeste e seus políticos. Lula está como o barão que se prepara para guerra. As posições em seu terreno devem estar fortificadas e garantidas contra o inimigo com antecedência, uma base que permitirá incursões em terrenos disputados e onde a vitória pode ser conseguida.
Ciro – espremido e escorregando para a direita
Se o PSL foi o outsider ganhando espaço inusitado à direita e o PT manteve sua capilaridade e alianças clássicas, o PDT ficou espremido à esquerda pelo partido de Lula.
O PDT compartilhou com o PT oito alianças para governador, isto é, ambos apoiaram o mesmo candidato (números negritados e sublinhados na tabela 1). Em sete delas, com exceção do Ceará, o PT teve votação superior ao PDT na votação para presidente. Em outras palavras, o PT era o principal e o PDT o secundava. Assim, se na aparência o PDT foi muito bem nas suas alianças, com 10 candidatos a governador chegando em primeiro lugar no primeiro turno e seis em segundo lugar, de fato a subordinação ao PT foi significativa.

No jogo de profissionais para 2022, Ciro Gomes está ficando espremido [fotografo] Agência Câmara [/fotografo]
Se as alianças do PDT repetirem o padrão de 2018, as chances de Ciro caem drasticamente. As oportunidades para o pedetista viriam de um improvável enfraquecimento do PT na região Nordeste e na esquerda, abrindo-lhe espaço, ou seu avanço para a direita em todo o Brasil. A postura espinhosa de Ciro Gomes diante de Lula e o PT tanto visa cativar o eleitor de centro e direita quanto abrir portas para necessárias alianças partidárias. Se elas não vierem, o sucesso será apenas obra da fortuna.
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