O cálculo da dívida negociada no final da década de 90 deve ser refeito a fim de que os entes federados devolvam para a União os valores corrigidos pela inflação oficial brasileira, sem qualquer taxa de juros.
Essa é a essência do PLS 561/2015, dos senadores Paulo Paim, Ana Amélia e Lasier Martins; do PLS 86/2012, do senador Francisco Dornelles; do PL 7.641/2010, do deputado federal Hugo Leal; e do estudo da Febrafite “A dívida dos estados com a União – refazimento do programa e aspectos inconstitucionais da Lei 9.496/1997” apresentado em 10 de fevereiro de 2010 na CPI da Dívida Pública, da Câmara dos Deputados.
A crise financeira dos estados à época decorreu principalmente das políticas econômica e monetária adotadas pelo governo central, fato que a própria União vem admitindo nas prestações de contas da Presidência da República enviadas ao Congresso Nacional desde o ano de 2008.
A política econômica, que fez as receitas estaduais desabarem, teve três pontos de destaque: o Plano Real, a Lei Kandir e a restrição ao crédito.
Todo o setor financeiro se ressentiu dessa política. Tanto é que antes do Programa de Incentivo à Redução da Presença do Setor Público Estadual na Atividade Financeira Bancária e à Privatização de Instituições Financeiras Estaduais (Proes), foi editado o Proer – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional. Ambos, editados para socorrer os bancos que estavam, assim como todos os entes da federação, viciados em receitas geradas a partir de um processo inflacionário decorrente do absoluto descontrole da economia brasileira.
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A política monetária, que fez as despesas financeiras estaduais explodirem, teve como destaque a elevação da taxa Selic a índices obscenos, como a praticada no mês de novembro de 1997, que chegou a 45,67% ao ano, diante da inflação de 0,17% ocorrida naquele mesmo mês.
O estrangulamento das finanças estaduais foi de tal magnitude que os estados foram obrigados a assinar contratos com termos que devem ser classificados com os adjetivos de leoninos, abusivos, draconianos e desequilibrados e que nem de longe se assemelham aos assinados com a iniciativa privada via BNDES ou via Proer.
Comparando-se o tratamento dispensado pela União para as dívidas do Proes com as do Proer, verificamos uma abissal diferença. As prestações do Proes, caso não sejam pagas no vencimento, são cobradas pela União por meio de saques nas contas bancárias dos entes federados, enquanto muitas das dívidas do Proer, apesar dos descontos e outras vantagens oferecidas, ainda estão pendentes de cobrança.
Nos contratos, os estados se comprometeram a observar o adimplemento no pagamento das prestações da dívida e a estabelecer e cumprir programas de reestruturação e de ajuste Fiscal, que apresentam metas anuais para um triênio e a cada ano é avaliado o cumprimento das metas e compromissos do exercício anterior pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
No site da STN encontramos o seguinte texto: “As propostas de metas fiscais apresentadas pelos estados e Distrito Federal são avaliadas pelo Ministério da Fazenda, que manifesta sua concordância de acordo com metodologias de análise técnica, de responsabilidade da Secretaria do Tesouro Nacional, as quais buscam preservar a solvência do ente federado, particularmente em relação à sua capacidade de honrar os compromissos assumidos contratualmente. As metas fiscais acordadas são constituídas dentro do escopo do que também já determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que significa dizer, sobretudo em relação à meta de endividamento (relação dívida financeira/receita líquida real), que são mais rigorosas do ponto de vista de desempenho fiscal.”
Essa subordinação dos entes federados é uma das provas cabais de que a União é tão ou mais responsável que os estados pelas recorrentes crises das finanças públicas estaduais.
Além da possibilidade desse monitoramento com mão de ferro das economias e das finanças dos estados, esses contratos têm proporcionado para a União um lucro que nenhum usurário sequer um dia sonhou. Tanto é que em 2014 a União recebeu dos estados, a título de prestações, R$ 31 bilhões. Já o seu gasto bruto com a dívida interna contraída para financiar os programas da Lei 9.496/1997 e do Proes foi de míseros R$ 25 milhões.
Segundo os dados disponíveis dos balanços gerais da União, em janeiro de 1999 os estados deviam R$ 93 bi; de janeiro de 1999 a dezembro de 2014 pagaram R$ 246 bi; e em dezembro de 2014 ainda deviam R$ 422 bilhões.
No período de janeiro de 1999 a dezembro de 2015, os contratos menos onerosos – que estabeleceram a remuneração baseada no IGP/DI acrescida de um juro de 6,17% ao ano – sofreram uma variação de 1.047% diante de uma inflação de 208%.
Todos esses números demonstram a drenagem de recursos estaduais para o cofre central da União, que provoca o depauperamento das economias regionais.
A União deve utilizar os recursos recebidos por conta desses contratos para o pagamento da dívida federal. Mas, mesmo assim, a dívida federal bruta chegou em 2015 a 605% da receita corrente líquida da União – que, aliás, é uma dívida que não tem nenhum limite, contrariando uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal desde a sua edição no ano de 2000.
É preciso ressaltar que cabe à União todas as políticas mais importantes para o desenvolvimento do país, como a monetária, a fiscal, a tributária e a cambial, levando a reboque os estados federados e transformando os governadores em meros gerentes de província, a quem cabe apenas implementar os recorrentes ajustes fiscais decididos de cima para baixo.
Mesmo com toda essa centralização administrativa, tributária, financeira e política, de tempos em tempos a União tem que provocar retrações econômicas, pois ela não consegue entregar uma das suas obrigações constitucionais que é a de prover o Brasil de infraestrutura (energia, estradas, aeroportos, portos, ferrovias e hidrovias) a fim de proporcionar ao país um crescimento sustentável.
A pretensão de querer administrar o Brasil em seus mínimos detalhes a partir de um pequeno conjunto de prédios de Brasília – onde o ar refrigerado e a telefonia celular funcionam até dentro de túneis – está nos levando aos tempos do Brasil colônia, quando também dependíamos da exportação de matérias primas.
Os que sugerem que todas as virtudes estão em Brasília e que todos os defeitos estão nos estados demonstram um pensamento paradoxal, pois, como o eleitor é um só, eles devem considerá-lo um sábio por eleger presidentes probos, aptos e parcimoniosos e, ao mesmo tempo, considerá-lo um néscio por eleger governadores desonestos, inaptos e pródigos, apesar de o voto ser dado com segundos de diferença.
* Texto escrito por Roberto Kupski em conjunto com João Pedro Casarotto, que é auditor fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul.
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