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A ideia em um segundo
Entramos em junho de 2021 e o cenário pré-eleitoral vai ficando cada vez mais pronunciado. Atores políticos começam a se movimentar ostensivamente, buscando o melhor posicionamento para o próximo ano. Essas ações vão depender de sua interpretação quanto ao que os outros atores farão, dos interesses em jogo e das regras que estarão vigentes. O Farol analisa algumas dessas movimentações.
Sobre previsões
Alguns estudos científicos desdenham da arte de fazer previsões: especialistas às vezes erram mais do que leigos. Nate Silver, que se tornou renomado por sua taxa de acerto de previsões, escreveu um livro, Sinal e Ruído, que destaca, já no título, o fato de que as previsões envolvem a capacidade de discernir o que é sinal em um fundo de ruído. Em outras palavras, o que é informação e, portanto, capaz e merecedor de alimentar o modelo que se utiliza.
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No Farol, tomamos cuidado em fazer previsões e buscamos adotar práticas prudenciais, como a de analisar desenvolvimentos incrementais e evolução de cenários. Outra prática é a de olhar para atores, interesses, regras e buscar compreender movimentos possíveis dentro desse arcabouço institucional.
A terceira via
Muito se tem falado sobre a terceira via para as eleições presidenciais de 2022: tanto sua morte quanto sua ressureição já foram anunciadas diversas vezes nos últimos dias. Olhando para atores, interesses, regras, o que podemos conceber com relação a isso? Esse é o exercício proposto para o Farol desta semana.
Sobre as regras: usualmente elas afetam pouco o resultado de uma eleição específica, porque todos os atores supostamente já as conhecem e se movimentam de acordo com elas. No caso brasileiro, contudo, as regras acabam tendo um peso maior, sobretudo diante de suas constantes mudanças.
O tuíte do vice-presidente da Câmara dos Deputados, um ator político que passa por momento de crescente influência, demonstra como as regras entram claramente no cálculo eleitoral.
De fato, a manter-se o atual sistema, há um incentivo forte a que os partidos tenham candidaturas presidenciais, tendo em vista o comprovado potencial dessas para aumentar as bancadas na Câmara, que, por sua vez, no sistema brasileiro, determinam importantes questões sobre alocação de recursos públicos e poder dos partidos políticos. O tamanho das bancadas, por exemplo, determina a distribuição do fundo partidário.
Haverá mudança nas regras?
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, já sinalizou que uma de suas prioridades é uma nova “reforma política” – na prática, a alteração das regras atuais (que ainda não tiveram validade plena em uma eleição presidencial + casas legislativas federais). Entrariam novamente em discussão a cláusula de barreira, as coligações, o formato para as eleições da Câmara dos Deputados (com possibilidade de adoção do voto distrital misto ou do voto distrital com os Estados como distritos – o chamado distritão) e, eventualmente, o voto impresso.
Essas mudanças podem afetar as eleições presidenciais. Como já mostrado, pelo comentário do deputado Marcelo Ramos, a permanência das regras atuais pode favorecer a fragmentação de candidaturas presidenciais. Eventuais mudanças na questão das coligações e na cláusula de barreira podem afetar esse cenário. Alguns partidos, como o PCdoB, já negociam a fusão ou incorporação com o PSB, como forma de sobrevivência, ainda que com sob nova sigla.
Bolsonaro e a escolha do partido
Jair Bolsonaro demora para escolher sua nova legenda: terá de fazê-lo, em virtude das regras atuais, que exigem a filiação para candidatos a quaisquer cargos políticos. É uma decisão estratégica: o tamanho da agremiação vai determinar o montante de recursos públicos disponíveis – daí a atratividade de um PSL para Bolsonaro, apesar de tudo o que aconteceu. No ano passado, o ex-partido do presidente recebeu R$ 200 milhões para financiar a campanha de seus candidatos – teve desempenho pífio nas ruas – e quase R$ 100 milhões do fundo partidário.Por outro lado, partidos políticos são caracterizados por dominações de cunho oligárquico, e é necessária a garantia do poder a ser exercido na nova estrutura. Cogitou-se como um dos possíveis destinos de Bolsonaro o PRTB, após a morte de seu presidente, Levy Fidelix. Notícias de bastidores, entretanto, dão conta do naufrágio das negociações, provocado justamente por demandas de Bolsonaro de assumir completamente o controle do partido, inclusive sobre os recursos financeiros.
No momento, o casamento mais provável de Bolsonaro é com o Patriota. Caso não consiga oficializar a união, entretanto, o presidente começa a correr o risco de ter de escolher seu partido no apagar das luzes, o que significa menos recursos, menos poder interno, menos tempo para articular os apoios etc. As disputas vistas no processo de filiação do senador Flávio Bolsonaro (RJ) ao Patriota, nesta semana, mostraram que a chegada da família está longe de ser uma unanimidade dentro do partido.
No início do século 20, o cientista político Robert Michels formulou a lei de ferro da oligarquia, ao abordar o risco inerente a qualquer partido político de que os eleitos tomem o lugar dos eleitores e a estrutura administrativa. Ou seja, que a organização deixe de ser um meio para se tornar um fim autônomo. Desde então, sabe-se que partidos políticos apresentam diversos marcadores dessa natureza. Em pesquisa sobre o assunto, os autores do Farol identificaram vários deles nos partidos brasileiros (SciELO – Brasil – A Oligarquia Desvendada: Organização e Estrutura dos Partidos Políticos Brasileiros A Oligarquia Desvendada: Organização e Estrutura dos Partidos Políticos Brasileiros).
O controle das condições de filiação e manutenção da filiação, notadamente as restrições e o controle sobre filiações de lideranças político-partidárias já reconhecidas, é um desses elementos. Bolsonaro se depara com essa barreira à entrada, a qual lhe impõe maiores custos de negociação.
O ocaso de Ciro Gomes
Talvez um dos participantes mais ativos no presente momento, Ciro Gomes revela o desespero de quem vê suas chances esvaírem-se. Postado à esquerda, precisa retirar votos de Lula em grande quantidade, o que parece impossível no presente momento: lembrando que Ciro não foi capaz de retirar votos de Haddad em quantidade suficiente na eleição passada. Diante desse quadro, prudentemente, é possível sinalizar que Ciro Gomes (PDT) sairá das próximas eleições menor do que nelas entrará. E a permanecer no páreo, esvazia um pouco as chances de uma terceira via competitiva.
Ciro poderá assim ser útil a Lula ou Bolsonaro, a depender de como cheguemos a outubro de 2022. O ex-governador do Ceará elegeu Lula como seu principal alvo – uma estratégia no mínimo perigosa, pois tende a lhe tirar votos à esquerda e à centro-esquerda, tamanha a virulência com quem te se dirigido ao petista, chamando-o de maior corruptor da história do país.
Novamente: e a terceira via?
Por outro lado, não compartilhamos das análises apressadas que já dão conta do enterro da terceira via. A configuração de uma disputa entre Bolsonaro e Lula evidentemente convida à polarização e ao acirramento da disputa entre esses dois. Contudo, a dinâmica das eleições nas últimas décadas vem acentuando seu caráter de imprevisibilidade, sendo um dos motivos o seu caráter crescentemente personalista e publicitário.A campanha exitosa de Guilherme Boulos (Psol) para a prefeitura de São Paulo (que o levou ao segundo turno) demonstra o grande potencial para quem identificar e dominar as novas técnicas de marketing (memes, engajamento em redes sociais, viralização etc.). Entre os potenciais candidatos, João Doria (PSDB) parece ser o que mais se antecipa nessa área, tendo adotado uma linguagem típica nas suas redes sociais (bem-humorada, provocativa, uso de memes, autopiadas…). Não se pode afirmar que o marketing político será a variável definidora de uma eleição, porém que com certeza será uma variável estratégica sim – basta ver os resultados obtidos por Bolsonaro em 2018 – quando foi eleito com base no uso acertado de todas essas novas técnicas de marketing.
O surgimento de um nome que seja, em princípio, neutro ao grande eleitorado, mas que dê conta de mobilizar esses recursos de marketing e operacionalizar uma campanha ágil e que consiga, de forma simples e viral, mostrar no que seria diferente de Bolsonaro e Lula, pode trazer surpresas.
E o voto impresso?
Se o voto fosse impresso, Bolsonaro estaria pedindo a urna eletrônica. Essa é a constatação de qualquer um que olha para o cenário tentando compreendê-lo para além dos factoides. O objetivo não é promover uma mudança de regras que afete o processo eleitoral (em termos de expectativas racionais, a menos que se pense na estapafúrdia opção de se dar aos eleitores o comprovante de seu voto, o efeito do voto impresso sobre a decisão do eleitor é nulo).O presidente deseja claramente deslegitimar o resultado do processo eleitoral, mantendo, assim, a prerrogativa de automaticamente questionar sua eventual derrota, para contar com o possível trunfo de ganhar no tapetão. O mesmo processo tentado, de maneira fracassada, por Donald Trump nos Estados Unidos. Qual será o resultado no Brasil? Dependerá dos atores, dos interesses e das regras, como argumentado até aqui. A ver.
Termômetro
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Geladeira
O comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, assinou nesta semana uma das páginas mais vergonhosas da história recente das Forças Armadas ao não punir o general da ativa Eduardo Pazuello, que contrariando o Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto das Forças Armadas, participou de uma manifestação política ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Rio, em maio. Em março, o general Edson Pujol entregou o comando do Exército, assim como os comandantes da Aeronáutica e da Marinha, por não se sujeitar à ingerência política de Bolsonaro. Agora, o general Paulo Sergio bate continência para o capitão e mostra que parte das Forças Armadas está acocorada diante do presidente. A democracia pede socorro. A ameaça vem do Planalto, das casernas e do guarda na esquina.
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Chapa quente
Morto de câncer em 2013, Hugo Chávez, quem diria, acabou no Planalto. Bolsonaro tem se mostrado a cada dia um chavista à direita. Semelhanças entre eles não faltam: ambos militares, ex-paraquedistas, autoritários, populistas e eleitos com o discurso antissistema. Autores de ataques diários à imprensa e de teses conspiratórias, elegeram inimigo para manter seu séquito mobilizado: Chávez, os Estados Unidos; Bolsonaro, a esquerda. Em 1999, o então deputado Bolsonaro manifestou admiração pelo líder venezuelano: “Gostaria que essa filosofia [militarista] chegasse ao Brasil. Acho ele [Chávez] ímpar.” A venezuelização da política brasileira é legado do presidente que se elegeu prometendo impedir que o Brasil virasse uma Venezuela.
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O Farol Político é produzido pelos cientistas políticos e economistas André Sathler e Ricardo de João Braga e pelo jornalista Sylvio Costa. Edição: Edson Sardinha. Design: Vinícius Souza.
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