O nebuloso caso das joias enviadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pode gerar nova frente de investigação na Câmara. Objeto de apuração da Polícia Federal, do Ministério Público, da Controladoria-Geral da União e da própria Receita, o fato agora é alvo de um pedido de comissão parlamentar de inquérito (CPI). O vice-líder do governo Rogério Correia (PT-MG) e o deputado Túlio Gadelha (Rede-PE) tentam reunir as 171 assinaturas exigidas regimentalmente para entregar o requerimento ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A ideia é acelerar a coleta das assinaturas, iniciada ontem à tarde, para evitar que o pedido entre numa fila extensa e perca o “timing” para as investigações. Cerca de 50 deputados apoiaram formalmente a iniciativa até o começo da noite dessa quarta-feira (8).
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Para Rogério Correia, todos os indícios até aqui levam à conclusão de que as joias enviadas por sauditas a Michelle e Bolsonaro não são presentes, mas pagamento de propina em troca de negócios com o governo brasileiro. Daí, defende o deputado, a necessidade de se abrir uma investigação no Congresso.
“Precisamos apurar as viagens que a família Bolsonaro fazia ao Oriente Médio. Que relação era essa que eles tinham com a Arábia Saudita e fundos da região?”, questiona Correia. “A Michelle disse que não sabia de nada. Ela insinua que Bolsonaro fez a coisa escondida dela. Temos de aprofundar a investigação”, disse Correia ao Congresso em Foco.
O deputado também prega a necessidade de se investigar o tipo de pressão exercida por Bolsonaro em órgãos públicos como a Receita Federal. Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostra que o ex-presidente tentou ao menos oito vezes reaver o conjunto de joias avaliado em R$ 16,5 milhões remetido, supostamente, a Michelle pelo governo saudita. Ele queria liberar os presentes sem pagar imposto.
Para Correia, está claro que Bolsonaro mentiu. Inicialmente, o ex-presidente afirmou que não podia ser acusado de nada porque não havia pedido nem recebido qualquer presente. Mas um recibo comprovou que ele visualizou a entrega de um relógio também enviado pela Arábia Saudita. O ex-presidente confirmou, em entrevista à CNN Brasil, que recebeu o presente, que acabou incorporado ao seu acervo pessoal.
Refinaria
Menos de um mês após o presente enviado a Michelle chegar ao Brasil, a Petrobras concluiu a venda da refinaria Landulpho Alves (RLAM), em São Francisco do Conde (BA), para o fundo árabe Mubadala Capital pelo valor de US$ 1,8 bilhão (R$ 10,1 bilhões em valores à época).
Segundo estimativa do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o valor de mercado da refinaria girava entre R$ 17 bilhões e R$ 21 bilhões, conforme apontou o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta. O negócio foi concluído em 30 de novembro de 2021, uma semana após Bolsonaro voltar de viagem ao Oriente Médio. O fundo, no entanto, é baseado nos Emirados Árabes Unidos, e não na Arábia Saudita.
Em novembro de 2021 Bolsonaro aproveitou sua segunda viagem oficial aos Emirados para se reunir com o sheik Mohammed bin Zayed, dono do Mubadala Capital, como se o interlocutor fosse um chefe de Estado. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que acompanhava o pai, destacou que os dois “mais pareciam bons amigos se revendo”. Além da refinaria, o grupo também comprou o controle da empresa que opera o Metrô do Rio, entre outros investimentos feitos no país.
O que diz a lei
De acordo com a Lei 8.394/1991 e o Decreto 4.344/2002, que regulamentam a questão, itens recebidos em cerimônias de trocas de presentes, audiências com autoridades estrangeiras, visitas ou viagens oficiais são declarados como de interesse público e devem integrar o patrimônio cultural brasileiro. Ou seja, não são bens particulares, mas de propriedade da União.
A legislação brasileira obriga pessoas que ingressam no país com bens acima de US$ 1.000 que prestem declaração à Receita Federal. Nesse caso, é cobrado imposto correspondente à metade do valor do bem. Bolsonaro não pagou o imposto (o que seria obrigatório no caso de as joias serem presentes pessoais) nem deixou o presente no acervo da União. A multa para bens trazidos do exterior não declarados à Receita corresponde a 50% do valor do produto, mais multa de 25% (caso o pagamento fosse feito em até 30 dias) ou de 50% (se ultrapassar esse prazo).
Acórdão publicado pelo Tribunal de Contas da União naquele ano proibiu expressamente que ex-presidentes ou entidades que armazenam itens do acervo presidencial vendam ou doem os presentes recebidos. Documentos bibliográficos e museológicos também se enquadram como patrimônio público. Não são incorporados ao acervo bens consumíveis, assim como doces, frutas e bebidas.
Entre os itens incorporados ao acervo pessoal do ex-presidente estão um relógio, um par de abotoaduras, um anel, uma caneta e um rosário, da marca suíça Chopard. Estima-se que as joias valem mais de R$ 400 mil. Esses bens, no entanto, não podem ser enquadrados, conforme entendimento do TCU, como itens de “natureza personalíssima”, como medalhas, ou de consumo direto, como roupas, alimentos ou perfumes.
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