Ainda distante de um entendimento sobre o assunto, o Congresso Nacional empurrou para 2024 o debate sobre a remuneração de veículos jornalísticos pelas plataformas digitais. O tema, que provoca controvérsia entre big techs, governo, empresas e entidades de jornalismo, não terá qualquer definição este ano, conforme admitem os próprios parlamentares. Câmara e Senado vão concentrar seus esforços na pauta econômica nas duas semanas que restam até o final do ano e início do recesso legislativo.
Nesta quinta-feira (7), o Congresso em Foco, com apoio do Google, promove o seminário “Caminhos para um jornalismo sustentável”. O objetivo do evento é produzir uma discussão rica para compreender os novos desafios do jornalismo. Entre eles, o debate sobre a remuneração a organizações jornalísticas, a evolução dos modelos de negócios, a liberdade de expressão e de imprensa e a aceleração tecnológica do setor. A discussão poderá ser acompanhada no site, em nosso canal do YouTube e demais redes sociais, das 9h30 às 12h35. Ative o sino para ser informado sobre o início da transmissão:
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Direito autoral
Um dos projetos de lei que preveem o pagamento às empresas de jornalismo online é o PL 2.370/19. De autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a proposta muda a Lei de Direitos Autorais a fim de “sanar lacunas e injustiças”, assim como “equilibrar a proteção do direito do autor com a diversidade cultural”. No texto original, entretanto, o jornalismo não era contemplado. A mudança surgiu no relatório do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA).
“Dado o escopo amplo de tais alterações, propomos uma mudança bem mais sucinta da Lei de Direito Autorais, visando enfrentar o grave e urgente problema da remuneração insuficiente das obras protegidas em ambiente digital. Alteramos também o Marco Civil da Internet, de modo a tratar da remuneração do conteúdo jornalístico e da publicidade digital”, argumenta o parlamentar no parecer.
O relatório de Elmar prevê que as big techs efetuem remuneração pela reprodução de conteúdo jornalístico. De acordo com o relator, as empresas de tecnologia se beneficiam do tráfego gerado pelo consumo das matérias, mas sem repassar adequadamente esse valor a quem as produz. Pela proposta, provedores com mais de 2 milhões de usuários deverão remunerar e negociar os valores em negociação coletiva com a categoria jornalística. O projeto estabelece que devem ser beneficiadas pessoas jurídicas que atuam no ramo há pelo menos 12 meses.
Fake news
A proposta de pagamento por conteúdos jornalísticos estava prevista no PL das Fake News (PL 2.630/20). “Esse ponto foi incluído pelo relator, mas foi considerado um ‘jabuti’, ou seja, um tema totalmente fora do tema do projeto. E, nesse sentido, a Lei de técnica legislativa e o nosso Regimento interno são bem diretos ao definir que cada projeto deve tratar de um tema único”, explica a deputada Carol Dartora (PT-PR), uma das palestrantes do seminário organizado pelo Congresso em Foco.
No caso, o PL das Fake News tem como ementa a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, que por si só foge do tema. Segundo a congressista, outro ponto de discordância foi a ausência de acordo entre big techs e entidades representativas de jornalistas. Carol Dartora atribui o travamento da proposta à falta de acordo entre bancadas, em especial as alinhadas à direita, que, segundo ela, “não querem nenhuma regulamentação”.
Outro projeto que trata da sustentabilidade do jornalismo nos meios digitais é o PL 1.354/21, do deputado Denis Bezerra (PSB-CE). Com relatoria do deputado Gervásio Maia (PSB-PB) na Comissão de Comunicação, a proposta também segue parada no colegiado. De acordo com a assessoria de Gervásio, o projeto foi retirado de pauta para ouvir entidades interessadas e o governo. Assim, o PL também deve ficar para o próximo ano.
Essa proposta se diferencia da anterior por isolar o tema. Trata apenas da remuneração de conteúdos jornalísticos, sem a discussão sobre direitos autorais. Também por meio de alterações do Marco Civil da Internet, o objetivo da matéria é “criar estímulo à pluralidade e diversidade de notícias, assegurar medidas de proteção ao jornalismo nacional”, assim como estabelecer regras equilibradas que garantam a remuneração às empresas e que guardem relação com o faturamento publicitário.
Diferentes visões
Entidades jornalísticas apoiam a remuneração por conteúdo. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) saiu publicamente em defesa do PL 2.970/19. De acordo com a organização, por mais que o projeto seja de suma importância para a prática jornalística, “tal diálogo poderia ser viabilizado por meio de uma instância participativa contemplando os atores do setor”.
“Em um país historicamente marcado pela concentração nas comunicações, as regras de remuneração de veículos jornalísticos por plataformas digitais não podem reproduzir ou intensificar a concentração no setor”, complementa em nota a Fenaj. “A partilha desses recursos deve ser prioritariamente reinvestida na produção jornalística, contemplando os trabalhadores, e no melhoramento das suas condições e ferramentas de trabalho”.
A Associação de Jornalismo Digital (Ajor), por sua vez, é uma das organizações signatárias do documento “Big Techs e Jornalismo: princípios para uma remuneração justa”, também assinado pelo Instituto Vladimir Herzog e organismos de mais 23 países. A entidade será representada no seminário pela diretora de relações institucionais Carla Egydio.
O documento se apoia em dez diretrizes para o financiamento de conteúdos jornalísticos. O interesse público, diversidade e independência são alguns dos pontos levantados. O texto defende equidade e não favorecimento de uma empresa em detrimento da outra. Há receio de que, com uma eventual legislação, as regras para a distribuição dos recursos não sejam transparentes e que os grandes veículos sejam favorecidos, ampliando o fosso de desigualdade do ecossistema. “Os mecanismos devem garantir que os termos dos acordos entre plataformas e organizações jornalísticas sejam coerentes com o mercado e não permitam que plataformas específicas ou organizações façam acordos preferenciais.”
Imposto
As big techs, por outro lado, opõem-se aos projetos. O Facebook divulgou pesquisa da NERA Economic Consulting que considera “a troca atual dos mercados justa”. De acordo com o levantamento, 90% das notícias na rede social são publicadas pelos próprios veículos, que faturam entre 1% e 1,5% de suas receitas do uso do Facebook. Além disso, o estudo aponta que menos de 3% do conteúdo do feed da mídia social são notícias e reportagens.
O Google se posiciona conforme a Câmara Brasileira de Economia Digital. A associação considera que o PL 2.370/19 institui uma espécie de “imposto” para o compartilhamento de links. “Embora reconheça os desafios em relação à arrecadação de receitas em favor das classes artística e jornalística, a atual versão do texto acarreta consequências significativas para todos os envolvidos, ao trazer insegurança jurídica e deixar de resolver inconsistências na estrutura de Direitos Autorais do país”, afirma.
A organização ainda pontua quatro tópicos considerados importantes para o debate da proposta: possibilidade de prejudicar o modelo gratuito das plataformas digitais, impacto em pequenas e microeemprendedores, criação de barreiras financeiras e impacto à estrutura de arrecadação de direitos autorais.
Canadá e Austrália
O seminário Caminhos para um jornalismo sustentável também se debruçará sobre as experiências internacionais. Os pesquisadores Paul Matsko e Michael Geist vão falar sobre o cenário em dois países que têm chamado a atenção do mundo por suas novas leis sobre remuneração de conteúdo: Canadá e Austrália.
Na semana passada o Google fechou acordo para pagar US$ 73,5 milhões (cerca de R$ 360 milhões) por ano a donos de direitos autorais no Canadá. Em junho o Congresso canadense aprovou a Lei de Notícias Online, que determina que grandes empresas de internet devem compartilhar sua receita de publicidade com veículos noticiosos. O governo finaliza as regras para divulgá-las até o próximo dia 19.
O Google havia ameaçado retirar os links noticiosos de suas buscas no país após essa data – medida que foi afastada em definitivo com o acordo, que prevê o repasse do montante a um fundo de apoio a organizações de notícias. A Meta, porém, ainda resiste a negociar. Desde agosto a empresa suspendeu a postagem de links de notícias no Facebook e no Instagram em todo o território canadense.
As big techs alegam que, em vez de prejudicar, fornecem tráfego para os sites, elevando suas receitas. O Google afirma que os seus links geram, por exemplo, cerca de R$ 900 milhões por ano para as empresas canadenses de notícias.
Na Austrália uma lei de 2021, o Código de Negociação da Mídia, determina que as gigantes de tecnologia remunerem produtores de conteúdos distribuídos em suas plataformas. De acordo com a lei australiana, as big techs devem definir o valor a ser repassado. Na falta de um entretenimento, os montantes são arbitrados por um órgão regulador.
O modelo australiano, no entanto, é visto com preocupação por especialistas. O modelo do país é considerado pouco transparente e concentrador. “Lá, grandes empresas de mídia têm sido beneficiadas com contratos vultosos, enquanto pequenas e médias iniciativas muitas vezes não conseguiram sequer começar a negociar”, adverte a Ajor. O receio da associação é que uma eventual reprodução desse modelo aumente a desigualdade entre os veículos de comunicação no Brasil. “É preciso que as plataformas financiem o jornalismo de interesse público, de maneira plural, transparente e com governança social”, defende a entidade em nota.
Esse e outros temas serão discutidos no seminário “Caminhos para um jornalismo sustentável” nesta quinta-feira (7). Veja a programação completa:
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