Ainda sem apoio do Executivo e com o Parlamento já em clima de eleições, há muitas dúvidas sobre se a reforma tributária vai mesmo avançar. A PEC 110 encontra-se atualmente em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal. A acirrada disputa política entre quem ganha e quem perde em carga tributária e na distribuição da arrecadação contribui para afastar o interesse de parlamentares na matéria, o que pode ser ainda mais problemático no ambiente da Câmara dos Deputados, que será a casa revisora. Apesar disso, avaliamos que há chances de que a PEC 110/2019 avance, ao menos no Senado, ainda este ano.
Em termos de sustentabilidade socioambiental, a reforma tributária avançou ao incorporar, ainda que parcialmente, três propostas dos ambientalistas: o que é pouco se considerarmos o papel relevante das finanças públicas para o impulsionamento da transição para uma economia verde e de baixas emissões de carbono.
A reforma tributária, hoje
A reforma tributária é um conjunto de várias propostas que foi “fatiado” em quatro projetos legislativos, em tramitação no Congresso Nacional:
- PL 3887/2020 (CBS): de autoria do Poder Executivo, é considerada a primeira fase da reforma tributária. O texto aguarda constituição de comissão especial na Câmara desde 2020 e depende de aprovação prévia da PEC 110 para evitar eventuais discussões quanto a sua constitucionalidade.
- PL 2337/2021 (IR): de autoria do Poder Executivo, é considerada a segunda fase da reforma tributária. O texto do substitutivo foi aprovado em votação nominal em setembro de 2021 pelo plenário da Câmara e agora aguarda apreciação da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado.
- PL 4.728/2020 (REFIS/PERT): o projeto é considerado a terceira fase da reforma tributária. O texto do substitutivo foi aprovado em votação simbólica em agosto de 2021 pelo plenário do Senado e aguarda apreciação do Plenário da Câmara em regime de urgência.
- PEC 110/2019: o projeto é considerado a principal etapa da reforma tributária, pois procura convergência com o governo federal para instituir a base constitucional à CBS, para tratar da unificação de ISS e ICMS e para instituir o Imposto Seletivo em substituição ao IPI, que incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O relatório foi apresentado em 23 de fevereiro de 2022 na CCJ do Senado e está na pauta de deliberação de 16 de março.
O novo parecer do Senador Roberto Rocha (PSDB-MA) apresenta uma reforma com regras mais simples e, em tese, viáveis, que pode gerar um sistema tributário socialmente menos regressivo, ou mais justo. Esse é um dos principais desafios para a reforma tributária: tributar mais quem ganha mais e tributar menos os que ganham menos (progressividade tributária). Mas sabemos que, diante da evolução da economia, cada vez mais atrelada às alterações no clima global e à capacidade de regeneração dos recursos naturais, essa mudança precisa ser também progressiva em relação a quem polui mais, diminuindo gradativamente a regressividade e os incentivos injustificáveis e insustentáveis, sobretudo à economia fóssil. Uma reforma tributária para o século XXI precisa contribuir para o aumento da qualidade de vida das pessoas, para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para uma economia da restauração (da qualidade ambiental).
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Por uma reforma tributária verde e sustentável
Para contribuir nesse sentido, a Campanha “Está Faltando Verde” foi articulada por um conjunto grande de organizações (e redes) da sociedade civil, coordenadas pela Rede de Advocacy Colaborativo (RAC) e em colaboração com as Frentes Parlamentares Ambientalista, da Economia Verde, dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e dos Direitos Indígenas. Esse conjunto representativo da sociedade apresentou nove propostas objetivas para uma reforma tributária mais Verde e Sustentável no país. As propostas partiram dos princípios de simplicidade, progressividade e neutralidade tributária, ou seja, não implicam em aumento da carga, nem promovem incentivos insustentáveis. Ao mesmo tempo, estas propostas permitirão ao país transitar para uma economia de baixas emissões de carbono, que gera novos empregos e bem-estar à população, atualizando nossa política tributária para convergir com o Acordo de Paris e com as Políticas Nacionais de Meio Ambiente, de Biodiversidade e de Povos e Populações Tradicionais.
Essas propostas foram apresentadas sob a forma de Emendas à PEC 110 por cinco senadores:
- Randolfe Rodrigues (REDE-AP)
- Humberto Costa (PT-PE)
- Jaques Wagner (PT/BA)
- Eliziane Gamas (CIDADANIA-MA)
- Fabiano Contarato (PT-ES)
Importante destacar que algumas das emendas foram incorporadas no novo relatório apresentado pelo senador Roberto Rocha. Além da menção explícita, no relatório, à COP 26, ao tema das mudanças climáticas e ao impacto da mitigação da mudança climática na economia nacional, o relatório incorporou os seguintes pontos:
- i) inclusão do princípio de conservação do meio ambiente no regime tributário;
- ii) a possibilidade de alocação de recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional para a conservação do meio ambiente; e
- iii) a possibilidade de incidência do Imposto Seletivo sobre o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, citado expressamente como fato gerador do tributo.
É um avanço? Sim, embora tímido. Mas temos muito o que avançar no sentido de considerar as questões climáticas e socioambientais explicitamente no cerne na política tributária. Ainda estamos na periferia do sistema.
Próximos passos
Um dos pontos cruciais para a efetivação da sustentabilidade na reforma tributária tem a ver com a questão federativa e o papel dos governos subnacionais locais para a melhoria da governança climática e socioambiental. Há vinte anos os estados têm avançado com o ICMS Ecológico, buscando melhorar a adesão dos municípios a indicadores socioambientais. Nesse mesmo sentido é possível à atual reforma tributária compensar e estimular os municípios a aumentar investimentos na governança climática e socioambiental. Nesse mesmo sentido, a Campanha “Está Faltando Verde” propôs o IBS Ecológico.
IBS Ecológico
O atual substitutivo da PEC 110 preserva os percentuais atualmente existentes de partilha com os estados e municípios, adicionando ainda o Imposto Seletivo a essa base. O relator já propôs um novo critério de distribuição para a parcela da cota-parte do IBS: o atual substitutivo prevê que, do total a ser distribuído aos municípios, 60% serão proporcionais à população e 5% serão distribuídos igualmente entre todos os municípios do estado. Os demais 35% permanecem vinculados ao que dispuser a lei estadual, em observância à legislação atual. Na proposta do IBS (ou CBS) Ecológico, ao invés de 60% ser repassado só com base na população, é possível uma distribuição de 59,5% por esse mesmo critério e 0,5% a ser repassado com base no bem-estar que o município já oferece a sua população, por meio da conservação ambiental e do saneamento. Pode parecer pouco em termos percentuais, mas, a depender de como forem estabelecidos os critérios, dando talvez peso maior à biodiversidade, aos remanescentes de vegetação nativa e às unidades de conservação, esse montante pode resultar em um bom estímulo, por exemplo, aos municípios da Amazônia e da Mata Atlântica que têm menor arrecadação.
Já que o critério de distribuição está sendo melhorado pelo relator, e conta com o apoio da CNM (Confederação Nacional de Municípios), este é o momento propício para se criar um mecanismo de compensação e transferência financeira aos Municípios que reduza as desigualdades entre os entes e, ao mesmo tempo, estimule bons resultados em governança climática e socioambiental local. Com a experiência acumulada pelo ICMS Ecológico, está demonstrado que isso pode dar certo.
Como vimos, o parecer atual propôs a possibilidade de alocação de recursos para a conservação do meio ambiente somente via Fundo de Desenvolvimento Regional. Mas sabemos que muitos municípios da Amazônia, por exemplo, seriam mais fortemente compensados e estimulados se fossem consideradas suas riquezas em biodiversidade, isto é, as parcelas do município já destinadas a terras indígenas, unidades de conservação e remanescentes de vegetação nativa. A proposta da campanha, portanto, é para prever a destinação de parcela de apenas 0,5% (meio por cento) dos recursos oriundos do IBS para os municípios que atendam a determinados critérios socioambientais e que tenham implementado medidas para redução de suas emissões de carbono. Pretende-se, com o dispositivo do “IBS Ecológico”, propor um mecanismo específico de compensação (e também de fomento) pela preservação ou recuperação de recursos naturais nessas localidades, ao mesmo tempo em que se estabelecem estímulos para a melhoria das condições de saúde da população urbana e para o fortalecimento da “economia de baixo carbono” no nível municipal.
Segurança Climática
Além disso, apesar da citação da questão ambiental como potencial “fato gerador” do Imposto Seletivo ser considerada um singelo avanço, a tributação das emissões de Carbono precisa avançar de forma mais explícita na reforma constitucional. Não há tempo a perder. A hora é agora. Basta ler as inúmeras matérias a respeito do novo relatório do IPCC, constatando os impactos graves da mudança climática na nossa economia. Não há argumento racional aceitável para o adiamento desse debate. Ainda que a instituição efetiva de um tributo relativo a emissões só entre em vigor após lei específica, sua previsão expressa na Constituição é um avanço necessário.
Vale destacar que a PEC 37/2021, proposta pela sociedade civil no âmbito da Campanha “A Lei Mais Urgente do Mundo”, inclui a Segurança Climática no artigo 170 da CF como princípio e diretriz da Ordem Econômica e Financeira Nacional exatamente para estabelecer que as finanças públicas devem, a partir de agora, direcionar um novo rumo para a descarbonização da economia. As finanças públicas serão determinantes para o cumprimento dos compromissos brasileiros relativos às metas do Acordo de Paris e aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Portanto, se teremos reforma, o momento de torná-la mais verde e climaticamente segura é agora.
- A propósito, enquanto escrevemos este artigo, o governo federal (pelo Parlamento) acaba de aprovar a redução de ICMS, PIS e Cofins sobre a venda de combustíveis fósseis e também a urgência na votação do PL 191/2020, que regulamenta mineração e extração de petróleo e gás em terras indígenas. A emergência climática, mais uma vez, fica em segundo (ou 5º) plano, agora sob o argumento da guerra e, sobretudo, mas com certeza, das eleições.
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