A semana prometia um confronto entre o governo e o Centrão em torno de dois projetos polêmicos da pauta da Câmara, a reforma do ensino médio e a limitação das “saidinhas” de presidiários. Alguns viram nas votações uma provocação de Arthur Lira ao governo, que tinha divergências em relação ao rumo das propostas. Quem apostou no atrito se decepcionou. Os dois projetos, antes contestados pelos partidos de esquerda, foram aprovados com apoio do governo e de sua base.
Não chega a ser novidade. O governo tem negociado muito com o Congresso, e vencido. Trocando medidas provisórias por projetos de lei ou reduzindo sua margem de ganho em alguns casos, coleciona vitórias sucessivas na Câmara e no Senado: reforma tributária, arcabouço fiscal, voto de desempate no Carf, taxação dos super ricos e das apostas on Line, Desenrola, bolsas para o ensino médio, limite de juros do cartão de crédito, igualdade salarial, valorização do salário mínimo.
Ainda que algumas dessas propostas não tenham saído do Planalto, como a reforma tributária, e que outras tenham sido modificadas — como é normal nas democracias —, elas contribuem para a estabilidade política, o que não acontecia no governo anterior. Há reclamações e críticas nos bastidores, mas, tudo indica, o casamento entre Lula e o centrão ainda é sólido e vai bem, obrigado. Nada impede que o grupo siga brigando por mais espaços de poder, sobretudo no orçamento. É o preço aceito e pago por um governo que se reconhece minoritário no Parlamento. Esse panorama deve mudar depois das eleições municipais. O resultado das urnas vai delinear uma nova correlação de forças partidárias e ideológicas no país que pode influenciar o comportamento do Congresso. Afinal, em 2025 todas as atenções dos parlamentares já estarão dirigidas às eleições presidenciais de 2026.
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Lula tem trabalhado para manter a aliança, ao levar o PT a abrir mão de candidaturas em diversas capitais para fortalecer parcerias com partidos de centro e centro-direita. Também tem sido ajudado involuntariamente pelo rumo das investigações sobre a tentativa de golpe do 8 de janeiro e das falcatruas de Jair Bolsonaro — agora indiciado pela fraude em cartões de vacinação.
Com esse saldo, Lula e o governo ficaram preocupados com pesquisas de opinião. Há um alerta quando apenas pouco mais de um terço da população aprova o governo (Genial Quaest). No entanto, Lula ainda é respaldado por 51% (eram 56% há cerca de um ano), e tem o apoio de 61% entre os mais pobres (até dois salários mínimos), de acordo com a mesma pesquisa.
Uma reunião ministerial foi convocada para expor um balanço de 2023 e tentar reverter a má impressão. O ministro Rui Costa exibiu números muito positivos em praticamente todas as áreas. Diante deles, parece difícil saber por que as sondagens registraram a piora na percepção da população. O governo preferiu apontar os culpados de sempre e recorrer a soluções tradicionais — chamar um marqueteiro para melhorar a comunicação.
Talvez os números oficiais e a lista de vitórias legislativas já não bastem. O mundo de 2024 não é aquele de 2003, quando Lula chegou ao Planalto. Rever conceitos e compreender que, talvez, esteja se esgotando a paciência dos eleitores na fila de espera para soluções de problemas tão antigos como a fome, a falta de saneamento e de habitação e o acesso à um sistema de saúde eficiente pode ajudar a superar frustrações com pesquisas.
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