Após a onda de ataques e ameaças de atentados contra escolas que sucederam o assassinato de quatro crianças em uma creche em Blumenau (SC), parlamentares da Câmara e do Senado aceleraram a apresentação de medidas para tentar impedir novos ataques. Apesar da aparente intenção de resolução do problema, a pesquisadora Letícia Oliveira, especialista em monitoramento digital de agrupamentos de extrema-direita, alerta que a maior parte das propostas apresentadas tende a piorar a situação.
Nas duas casas legislativas, uma série de audiências públicas foi convocada para tratar dos ataques escolares. Letícia, que monitora células envolvidas em atentados do tipo há 11 anos, foi convidada pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família para orientar o colegiado sobre o tema, em reunião prevista para esta quarta-feira (19). Ela antecipou ao Congresso em Foco que considera que a abordagem predominante das propostas legislativas não corresponde à experiência internacional ou à complexidade desse tipo de crime.
Na Câmara dos Deputados, dezenas de projetos de lei foram apresentados com a premissa de enfrentamento dos ataques escolares. Levantamento do jornal Estado de Minas revela que, até a última sexta-feira (14), 62 textos foram protocolados sobre esse tema. Entre eles, prevalece o recrudescimento da segurança escolar, solução proposta em 46 projetos.
A proposta de recrudescimento se dá na forma de contratação de seguranças escolares, estabelecimento de rondas policiais dentro das escolas, instalação obrigatória de câmeras de segurança e detectores de metais, e até mesmo projetos que fomentem o uso de armas de fogo entre funcionários de escolas.
No Senado, alguns parlamentares também protocolaram projetos semelhantes, mas em quantidade muito menor. Os senadores preferiram abordar o tema em projetos já em tramitação, como o novo Código Penal ou o projeto de lei de diretrizes para segurança física e mental na comunidade escolar. Assim como na Câmara, a violência escolar será tema de futuras audiências públicas nas comissões.
Letícia Oliveira explica que a natureza dos atentados escolares e o perfil de seus autores tornam as políticas convencionais de segurança ineficazes, pois não atuam na origem do problema. “Esses crimes partem de comunidades virtuais, onde homens e meninos entram levados por sentimentos de frustração social, familiar, escolar e em seus relacionamentos. Eles se juntam nessas comunidades para acolher uns aos outros, e acabam tendo contato com ideologias extremistas que evoluem até o neonazismo”, descreveu.
Apesar da explosão recente, esse tipo de atentado não é novo no Brasil. Episódios semelhantes ocorrem com alguma frequência desde 2011, com o massacre na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, no Rio, ou em 2019, com o ataque na Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (RS). Nos Estados Unidos, o histórico é ainda mais amplo, somando mais de 300 atentados desde a chacina de Columbine, que completa 24 anos nesta quinta-feira (20)..
A pesquisadora conta que, na maioria desses casos, a instalação de segurança ostensiva e policiais no ambiente escolar acabou piorando a situação. “Nos EUA, tudo isso já foi tentado e não funcionou. Os autores, em grande parte, buscam confronto com a polícia. Se eles veem um policial armado dentro da escola, eles acabam preferindo justamente atacar essa escola”, alertou.
No caso do Brasil, esse padrão se repetiu. “Em Vitória, em 2022, rastreamos um atentado escolar vindo de uma dessas comunidades. As autoridades de segurança o pegaram vivo, e ele afirmou que queria matar seis ou sete pessoas e depois queria morrer durante o confronto com a polícia”, relembrou. Ela também aponta para a inexistência de um protocolo de segurança para que a presença de detectores de metais possam surtir efeito nas escolas.
Paralelamente ao debate no Legislativo, o Ministério da Justiça liberou R$ 150 milhões para que estados municípios invistam em políticas de prevenção a atentados escolares. Até o momento, o recurso vem sendo empregado em reforço das patrulhas de polícias militares e guardas municipais em áreas escolares. Letícia propõe uma outra forma de aplicação desse dinheiro.
“Uma solução é investir nas comunidades escolares em projetos que trabalhem na própria comunidade escolar. Isso não trata de trazer a polícia para dentro da escola. O melhor caminho é realizar acompanhamento pedagógico e psicológico para acolher estudantes que possam estar passando por algum problema. Além disso, investir em inteligência para rastrear possíveis ameaças”, propôs.
Regulação digital
A explosão de violência tendo centros de ensino como alvo também foi assunto de preocupação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal. Em nota pública, o órgão manifestou seu diagnóstico das causas do crescimento no número de ataques escolares. Além de concordar com a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para conter a situação, a procuradoria chama atenção para a realidade de mudança no tratamento das plataformas digitais de comunicação.
A procuradoria relembra que os atentados partem de comunidades digitais, cujo desenvolvimento já ultrapassou o alcance das moderações das redes sociais. “Se antes os discursos extremistas e criminosos permeavam mais a deep web, a porção da internet não mapeada por buscadores como o Google, agora eles emergem em grupos de discussão e páginas de redes sociais populares”, alerta a procuradoria.
Essa regulação, que hoje tramita na Câmara dos Deputados na forma do PL das Fake News, já enfrenta resistência das empresas gestoras das plataformas de redes sociais. O Twitter, desde que foi comprado pelo empresário sul-africano Elon Musk, mostrou-se especialmente receoso em colaborar com políticas de regulação e de alinhamento com o poder público no Brasil.
Para o órgão, a resistência dessas empresas é um ato de negligência ao tratar de tópicos ligados à violência. “É fundamental que as plataformas digitais compreendam e assumam sua responsabilidade e importância na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, auxiliando na retirada de conteúdos violadores de direitos humanos”, ressalta.
A procuradoria também recomenda uma mudança de abordagem na mídia ao noticiar esses casos. Com base nos estudos ao redor do atentado de Christchurch, na Nova Zelândia, o recomendado é que veículos de comunicação tratem do assunto sem dar informações ou fotos dos autores dos ataques, evitando que consigam fama a partir de seus crimes.
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