Desde o final do ano passado, alguns auxiliares de Jair Bolsonaro têm tentado alertá-lo para a inconveniência de certas ações, inações e de algumas brigas que o presidente anda comprando. Quando a tragédia das enchentes na Bahia atingiu grandes proporções, mais de um desses auxiliares procurou aconselhar Bolsonaro a diminuir o ritmo das suas férias (ou o nome que o presidente queira dar ao período em que passou andou de jet ski e dando cavalo de pau em carrinho Hot Wheels em Santa Catarina). Quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a imunização de crianças com a vacina da Pfizer, mais de um desses auxiliares aconselhou-o a seguir o que ele mesmo dissera lá atrás, quando afirmou que o governo imunizaria as pessoas conforme a agência técnica autorizasse.
Encontraram um Bolsonaro extremamente irritadiço e reativo. Mais e mais envolvido e tendente a ouvir somente o seu núcleo mais radical. Para o advogado e analista político Melillo Dinis, Bolsonaro parece ter iniciado o ano ainda mais isolado e mais comprometido com o Centrão, que não necessariamente deseja facilitar as coisas para o presidente, mas mantê-lo mais fragilizado e refém.
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O resultado é que Bolsonaro fica com seus radicais e seus auxiliares ficam com seus CPFs. Vai-se estabelecendo um limite a partir do qual parece que vai ficando claro que aumenta o número daqueles que não pretendem ultrapassá-lo em nome de qualquer lealdade. É o que explica as recentes atitudes do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e do diretor da Anvisa, contra-almirante Antônio Barra Torres. “Na hora em que os auxiliares vão vendo que serão responsabilizados pelas consequências das ordens tresloucadas de Bolsonaro, tratam de preservar seus CPFs”, avalia Melillo.
Mesmo no caso das questões políticas, isso fica claro. Assim que o Congresso retomar as suas atividades, por exemplo, a aposta fácil em Brasília é que o veto de Bolsonaro ao Refis será derrubado. O Centrão não irá apostar seu apoio a algo que implicará uma briga com todo o setor produtivo brasileiro.
Quanto a Paulo Sérgio e Barra Torres, são o peso de suas responsabilidades. No meio militar, comenta-se que a decisão do comandante do Exército no sentido de determinar a vacinação das tropas contra covid-19 é não apenas óbvia, mas protocolar. Estranho mesmo é haver um governo que faz discurso contra vacina. Desde Duque de Caxias, provavelmente, militares são obrigados a tomar vacina contra caxumba, difteria, febre amarela e outras. Certamente o capitão Bolsonaro entregou o seu braço para tomá-las sem discussão em outros tempos. Incluir o imunizante contra a covid-19, numa situação epidêmica, no rol de vacinas obrigatórias, parece, assim, óbvio. Em nome de alguma lealdade às ideias exóticas do presidente, Paulo Sergio não iria expor 50 mil soldados convivendo em quarteis pelo Brasil inteiro.
Já Barra Torres tem a seu favor ainda o fato de que seu cargo lhe garante um mandato. Não é demissível. Quando assumiu a Anvisa, seus primeiros momentos na agência foram claudicantes. Em março de 2020, ele estava sem máscara ao lado de Bolsonaro no meio de uma multidão em frente ao Palácio do Planalto tirando fotos com seu celular. Sua convocação à CPI da Covid talvez tenha sido o momento em que lhe caiu a ficha. Certamente é um alívio para Barra Torres não estar no rol de indiciados pela CPI da Covid.
Os senadores da comissão avaliam que, independentemente das gavetas do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os processos vêm caminhando de forma até célere nos Ministérios Públicos e nas justiças estaduais. E é nelas que muitas vezes vão cair determinados CPFs menos guarnecidos de foros especiais. É o limite da lealdade.
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