por Francisco Christovam*
O setor dos transportes urbanos de passageiros há tempos dá sinais de recuperação das perdas financeiras de quase R$ 40 bilhões provocadas pela pandemia, mas ainda enfrenta os reflexos negativos da crise sanitária, como a redução de mais de 90 mil empregos diretos e a impossibilidade de renovação da frota devido à redução da demanda e à queda na arrecadação das empresas. A recuperação da demanda de passageiros já chega a 84% do volume transportado em 2019, e as operadoras investem para atrair novos clientes.
Levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostra que há 63 sistemas de transporte urbano operando com subsídios permanentes em 163 cidades. O estudo revela também que foram implementadas 153 iniciativas de concessão de subsídios pontuais, em 138 sistemas de transportes coletivos urbanos, para garantir a continuidade do serviço durante a pandemia.
Outro fenômeno pós-pandemia é a implementação da tarifa zero, especialmente em cidades com menos de 50 mil habitantes. Hoje 84 cidades adotam esse benefício e, desse total, 73 municípios praticam a tarifa zero em todo o sistema de transporte. Em 6 cidades, a tarifa zero abrange todo o sistema, mas em dias específicos da semana; em outras 5 cidades, a tarifa zero engloba parcialmente o sistema todos os dias da semana.
Acrescente-se às mudanças provocadas pela pandemia a diferenciação tarifária, ou seja, até agora 44 sistemas realizam distinção da tarifa de remuneração, que cobre os custos da prestação do serviço, da tarifa pública, que é o valor pago pelo passageiro. Essa prática já é uma realidade em 12 capitais e regiões metropolitanas e em outras 30 cidades.
Essas adaptações ainda carecem de sustentação jurídico-legal mais consistente e, em muitos casos, os processos licitatórios ou mesmo os contratos de concessão não estabelecem a separação da tarifa técnica ou de remuneração da tarifa pública ou de utilização; não permitem a adequação do objeto às necessidades de ajustes de escopo na prestação dos serviços; não garantem o reequilíbrio econômico-financeiro das operações; não preveem a revisão periódica das operações e das regras de remuneração; não definem parâmetros para aferir a qualidade dos serviços prestados; não contém matriz de risco; e não contemplam processo de resolução de controvérsias.
Diante deste cenário, somente por meio de um marco legal serão definidas as leis para regular a prestação desse serviço pela iniciativa privada. Assim será possível mitigar a insegurança jurídica de contratos, evitar o desequilíbrio entre obrigações e responsabilidades e dispensar a necessidade de longos períodos de transição e de aditivos contratuais que, por vezes, alteram regras editalícias e provocam ações de órgãos fiscalizadores.
Hoje, duas iniciativas em curso propõem a criação de instrumento legal para o setor. A primeira é de setembro de 2021, quando o então senador Antonio Anastasia apresentou ao Congresso o Projeto de Lei Nº 3278/2021, para atualizar a Política Nacional de Mobilidade Urbana e as leis federais Nº 10.636/2002 e Nº 10.257/2001. Essa iniciativa foi arquivada, mas voltou a tramitar em abril deste ano e atualmente prossegue no Senado, onde aguarda votação.
Paralelamente, em 2022, técnicos da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana (SEMOB) submeteram ao Fórum Consultivo da Mobilidade Urbana uma minuta de Marco Legal que culminou com a elaboração de um documento que, entre novembro de 2022 e fevereiro de 2023, passou por consulta pública e recebeu 870 sugestões e contribuições. A NTU apresentou 60 contribuições ao texto, focando no que diz respeito aos conceitos, organização dos serviços, financiamento do setor e regulação e gestão dos contratos. O documento passará por análise das contribuições a serem feitas em audiência pública, marcada para agosto, a versão final será encaminhada à Casa Civil, para formalizá-lo como projeto de lei perante o Congresso.
Ao consolidar essas duas iniciativas num documento, teremos as diretrizes para regular os serviços do setor pela iniciativa privada e será estabelecido o transporte público coletivo como direito social e dever do estado e serviço público de caráter essencial. O texto também vai abordar a organização e produção dos serviços, considerando a sua qualidade e a produtividade do setor, entre outros pontos. Além disso, deve ampliar a inclusão da população de baixa renda aos serviços oferecidos.
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* Francisco Christovam é presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (FETPESP) e da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional dos Transportes (CNT).
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