A disputa sobre o controle do orçamento federal ganhou novo movimento. O veto do presidente da República a R$ 5,6 bilhões de emendas parlamentares fez o presidente da Câmara dos Deputados subir o tom e afirmar que o mandato parlamentar é legítimo para definir os rumos do orçamento federal. Essa disputa aponta para dois aspectos muito importantes da dinâmica Executivo-Legislativo, um estrutural e outro que impacta a sucessão de Arthur Lira em 2025.
Na década de 1980, a volta à democracia trouxe mais poderes para o Congresso, que os retirou do Poder Executivo. A regulação na área financeira e sobre a dívida pública, por exemplo, deixou de ser iniciativa exclusiva do presidente da República. O decreto-lei, algo muito importante no regime militar, foi extinto pela Constituição Federal de 1988 e substituído pela medida provisória. O mais importante a distinguir os dois é a necessidade de aprovação pelo Congresso para que a MP mantenha-se em vigor. O decreto-lei não precisava disso, bastava que não fosse derrubado pelos parlamentares para vigorar por tempo indeterminado.
Quanto ao controle do orçamento, saímos do período militar com um grande controle do Poder Executivo. Em cima dele, construiu-se o “presidencialismo de coalizão” contemporâneo do Brasil, em que uma das ferramentas principais mobilizadas pelo Executivo para atrair e manter o apoio dos parlamentares era a repartição de verbas orçamentárias, distribuídas discricionariamente.
A década de 1990 assistiu à distribuição de recursos orçamentários para assegurar votos para o governo no Congresso Nacional, ao que não faltaram denúncias e críticas. Os mesmos procedimentos persistiram na primeira década do século 21. O passar do tempo, contudo, permitiu o aprendizado do Poder Legislativo. Afinal, se as regras não levam a um resultado, quem faz as regras – o Legislativo – pode modificá-las para alcançá-lo. Em 2002, por exemplo, a Emenda Constitucional nº 32 modificou as normas de tramitação das medidas provisórias, limitando poderes do Executivo e conferindo, por consequência, mais espaço de manobra para o Legislativo. O elemento mais ostensivo foi a impossibilidade de reedição das MPs. Desde então, ou o Congresso as aprova ou as rejeita, sem a possibilidade de reedições infinitas. E, se não delibera, elas perdem os efeitos.
No orçamento o movimento aconteceu mais tarde. Nas presidências de Eduardo Cunha e Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados, a partir de 2015, levaram-se à frente modificações constitucionais que obrigaram o pagamento de emendas parlamentares, primeiro as individuais, depois as de bancada. A discricionariedade do Executivo foi diminuída.
Com Arthur Lira o avanço continuou, controlando parcelas maiores do orçamento federal, para além das emendas, a fim de garantir apoio ao governo. A partir de 2019, de fato, o presidencialismo de coalizão claudicou pela pusilanimidade do Executivo, que abdicou de controlar o orçamento, e pelo senso de oportunidade dos líderes do Congresso, que avançaram para controlar o orçamento de forma muito mais ampla.
O episódio do veto dos R$ 5,6 bilhões, agora em fevereiro, constitui mais uma cena no longo filme do crescimento dos poderes parlamentares às expensas do Executivo. A batalha agora verbalizada por Lira representa um ponto em uma trajetória. O conflito que se vê na superfície precisa ser compreendido também pela perspectiva estrutural de ganho permanente de poder pelo Congresso.
Se esse crescimento de poder se mantiver, um desafio precisará ser enfrentado: um Congresso que aloca parcelas ínfimas do orçamento pode errar, contudo, o controle de mais verbas exige mais responsabilidade e visão de longo prazo na alocação de recursos. É importante reconhecer esse movimento estrutural para que a sociedade e as principais forças políticas possam debatê-lo de forma transparente.
Em relação ao aspecto momentâneo da batalha, o foco dirige-se à sucessão do presidente da Câmara. Hoje Arthur Lira é o grande pivô da negociação com o Executivo – seja no diálogo ou nas pressões, trata-se apenas e tão somente de negociação política, “business as usual”, como dizem. À medida em que Lira é visto pelos seus companheiros deputados como peça-chave no seu avanço orçamentário – o general dessa batalha –, mais relevância ele tem na sua própria sucessão.
Diversamente, se o processo de definição orçamentária pelos parlamentares estivesse hoje já plenamente institucionalizado, então qualquer substituto na presidência da Câmara dos Deputados teria a mesma consequência. Em resumo, na medida em que a negociação entre os poderes ainda está em aberto, Lira mantém importância perante seus dirigidos da Câmara dos Deputados, mas a intensidade de suas falas denota que o Executivo tem quebrado o arranjo anterior e lhe trazido prejuízo junto aos pares.
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