Marcello Baird, Nathalie Drumond, Cleo Manhas e Marcos Woortmann *
Em 12 de junho aconteceu o Dia Nacional de Mobilização pela Reforma 3S: saudável, solidária e sustentável. Com uma série de atividades e debates, a ideia foi analisar os avanços e pontos de atenção do projeto de lei de regulamentação da reforma tributária a partir da perspectiva da saúde coletiva, justiça social e proteção ao meio ambiente. Afinal, o Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados já está em fase final de análise do texto, que, em breve, deve ser votado pela Casa. O movimento 3S, da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), é formado por diversas organizações da sociedade civil que realizam incidência política de forma colaborativa sobre a reforma desde 2020.
No texto apresentado pelo governo ao Congresso, há um progresso na decisão de incluir no Imposto Seletivo produtos prejudiciais à saúde, como tabaco, álcool e refrigerantes, apesar de se tratar de uma proposta ainda muito tímida e limitada. Devido às limitações no Código Tributário, por exemplo, bebidas igualmente prejudiciais, como néctares de frutas e bebidas lácteas com alto teor de aditivos, ficariam de fora. Precisamos ampliar essa proposta para incluir uma variedade mais abrangente de produtos ultraprocessados. Afinal, 57 mil mortes prematuras são causadas todos os anos pelo consumo de produtos ultraprocessados e açucarados, e no Brasil já há o registro de aumento significativo em doenças que afetam sobretudo as populações mais vulneráveis com altos índices de diabetes e enfermidades correlatas, cuja prevenção passa pelo acesso à alimentação saudável e a taxação de produtos danosos à saúde coletiva.
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Podemos celebrar a incidência do IS sobre a aquisição de veículos, aeronaves e embarcações, emissores de poluentes que causam danos ao meio ambiente, assim como sobre a extração de minério de ferro, de petróleo e de gás natural. No entanto, a proposta só prevê revisão de dois regimes especiais, Reporto e Reide, não incluindo Repetro, que entre 2018 e 2022 representou, sozinho, R$159 bilhões de renúncia fiscal. Então, queremos incluir o Repetro na avaliação quinquenal, Antecipando para 31 de dezembro de 2030 a data limite para suspensões do IBS e da CBS no setor de extração e exploração de petróleo e gás natural, ficando sua potencial extensão pelo limite de mais 10 anos, não prorrogável, condicionada à avaliação quinquenal. Esse ponto é de fundamental importância no cumprimento em longo prazo das contribuições voluntárias brasileiras à redução de gases do efeito estufa, conforme acordado pelo país no Acordo de Paris, e será um ponto de grande evidência em 2025, quando o Brasil sediará a COP 30 em Belém, e suas políticas para combustíveis fósseis serão escrutinadas por todos os países convidados.
É preocupante, também, a não inclusão de agrotóxicos, como já acontece em diversos países, dada sua comprovada contribuição e impactos sanitários e ambientais negativos, com efeitos muitas vezes por décadas e ainda não totalmente conhecidos em toda sua gravidade. Hoje, o Brasil adota e permite agrotóxicos proibidos em diversos países por sua toxicidade elevada, e seu amplo acesso leva ao uso indiscriminado e excessivo, que pode ser otimizado grandemente a partir de incrementos de custos que conduzam à inovação tecnológica tanto em sua aplicação, quanto para sua eventual substituição.
Também é urgente a inclusão de armas e munições no Imposto Seletivo. Isso porque dados mostram que 76% dos homicídios, suicídios e acidentes no país envolvem armas de fogo, com o Estado gastando cerca de R$41 milhões apenas em tratamentos relacionados a ferimentos por armas de fogo em 2022. Além dos impactos na saúde pública, o comércio legal de armas contribui para crimes e comprovadamente abastece o mercado ilegal e o crime organizado.
Outro ponto importante na reforma é a criação do cashback, que atua na redução das desigualdades, pois garante a devolução de recursos para a parte mais vulnerável da população, cadastrada no Cadastro Único (CadÚnico) e com renda per capita de até meio salário mínimo. Aplicando-se especialmente a itens essenciais, como gás de cozinha (GLP), água, luz e alimentos, como os da cesta básica estendida, o cashback é um avanço, mas acreditamos que, para conferir progressividade, deveríamos garantir que as famílias do CadÚnico tenham cashback integral sobre seu consumo, garantindo o princípio do mínimo essencial.
Já com a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que surge com o intuito de reduzir as desigualdades sociais e regionais, temos os Estados e o Distrito Federal responsáveis por priorizar projetos que promovam a sustentabilidade ambiental e a redução das emissões de carbono na aplicação dos recursos. Nesse caso, é preciso que se estabeleça critérios claros para a destinação desses recursos para que não apenas a quantidade absoluta da população dos estados influencie essa distribuição, o que beneficiaria os estados mais populosos e ricos, comprometendo seu objetivo central, mas que critérios objetivos como impactos negativos e positivos na biodiversidade, em aquíferos, na Sociobioeconomia e na preservação dos biomas sejam majorados em relação a estatísticas de densidade populacional, pois é necessário garantir em longo prazo justamente os serviços ambientais que, mesmo que geograficamente distantes, garantem as condições de vida e segurança climática aos grandes centros urbanos.
Por isso, defendemos critérios que considerem a área ocupada por Unidades de Conservação, Terras Indígenas e vegetação nativa, o percentual de acesso da população a serviços de água e esgotamento sanitário, de resíduos reciclados e a existência e aplicação de planos municipais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, com metas progressivas de redução de emissões de gases de efeito estufa. O mesmo se aplica para o IBS Ecológico, mecanismo que compensa municípios por melhorias ambientais e climáticas com transferências financeiras vinculadas à receita do IBS estadual.
A regulamentação da reforma tributária no Brasil talvez seja a maior oportunidade que temos para garantir que os incentivos à economia nacional estejam alinhados aos princípios da saudabilidade, solidariedade e sustentabilidade, conforme preconizado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pela Constituição Federal e pelos compromissos internacionais firmados pelo país. Se feita por esses princípios, teremos finalmente a chance de criar um Brasil mais saudável, solidário e sustentável para essas e as próximas gerações.
* Marcello Baird, coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde; Nathalie Drumond, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz; Cleo Manhas, assessora política do Inesc; e Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
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