A sucessão na presidência da Câmara dos Deputados se tornou uma corrida de obstáculos mais longa nas últimas semanas. Uma conjunção não trivial de fatores sugere uma sucessão mais acirrada do que antecipado, até então, pelos líderes à frente desse processo.
Primeiro, as eleições municipais revelaram os partidos que farão a diferença na construção das candidaturas ao cargo de Arthur Lira (PP-AL). Segundo, o timing e o impasse na regulação das emendas orçamentárias acabou por trazer essa agenda para o palco do processo sucessório.
Os partidos de direita aumentaram sua estatura política, ainda no primeiro turno das eleições municipais. Um feito que, certamente, irá resvalar e, eventualmente, embaralhar a sucessão na Câmara. Isso é provável não só pelo número de prefeituras conquistadas, mas pela vitória dividida, com clara fragmentação do campo da direita. Os partidos dos pré-candidatos, em especial União Brasil e PSD, ganharam força para construírem alianças alternativas na disputa pela presidência da Câmara.
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Fragmentada, a direita entendeu que há espaço para escolher com quem negociar. E se há margem para isso, há brechas sobre o que barganhar. Isso pode abrir novas frentes de articulação estratégica, ampliando o espectro de negociações e o espaço para barganhas políticas, inclusive para além dos muros do parlamento.
O Congresso tem se fortalecido em relação ao Executivo no processo de tomada de decisão, o que tem gerado mais oportunidades tanto para disputas em torno de agendas legislativas substantivas quanto para maior participação na política distributiva do país.
Vários fatores contribuíram para isso, mas dois deles, fortemente imbricados, merecem destaque. Primeiro, a crescente discricionariedade dos presidentes das Casas na definição do fluxo dos processos legislativos, muitas vezes ao arrepio das regras regimentais. Embora não seja recente, este movimento se aprofundou nos últimos anos. Segundo, a adoção de regras orçamentárias que colocaram nas mãos dos parlamentares a varinha de condão para drenar um volume crescente de recursos da União para as suas bases eleitorais.
Devido à pandemia da COVID-19, a Câmara instituiu o Sistema de Deliberação Remota (SDR), por meio da Resolução nº 14, de 2020, como uma medida excepcional para manter as atividades do Plenário durante a emergência em saúde pública. Mas, desde então, a Câmara dos Deputados vem sendo regida por legislação excepcional, o Ato da Mesa nº 123, de 20/03/2020, que regulamentou o uso do SDR. Este ato da Mesa já foi objeto de 51 alterações, sendo 49 delas desde a posse de Lira como presidente da Câmara, no início de 2021.
Este tem sido um instrumento crucial nas mãos de Lira para adotar mecanismos fast-track e moldar maiorias legislativas nas deliberações da Câmara dos Deputados: realização de sessões deliberativas semipresenciais, com registro de presença e votação online pelo sistema Infoleg, nas segundas e nas sextas-feiras, ou em dias específicos definidos pelo Presidente; uma série de decisões ad hoc para liberar ou exigir a presença dos parlamentares em Brasília. Desde junho de 2022, tais atos passaram a ser publicados como decisão ad referendum do Presidente, em nome da “Mesa da Câmara dos Deputados”. Essas decisões mostraram a disposição de Lira de agir unilateralmente, principalmente para se equilibrar entre os interesses da heterogênea maioria que o sustenta e manter sua ambígua relação com o Executivo no governo Lula III.
A crescente participação dos parlamentares na alocação de recursos orçamentários, por meio de instrumentos mais flexíveis e pouco transparentes, foi beneficiária direta desse modus operandi. Depois que o“orçamento secreto” veio a público e foi declarado inconstitucional pelo STF em 2022, a continuidade dessas emendas orçamentárias passou a depender, cada vez mais, de iniciativas dos presidentes das Casas Legislativas para institucionalizar tais emendas e tornar críveis as retaliações contra quaisquer tentativas de revertê-las. Essa se tornou a agenda Top 1 do Congresso, cuidadosamente empacotada para durar, como Emendas Constitucionais.
Mas tais medidas não esgotaram o problema. Desde agosto de 2024, o futuro das emendas orçamentárias, em especial as emendas de relator, está em jogo. O ministro do STF, Flávio Dino, respaldado pelo colegiado, suspendeu parcialmente o pagamento das emendas orçamentárias até que Congresso e Executivo definam regras que garantam a “transparência, rastreabilidade e correção” na sua execução.
Esse impasse vem se arrastando e, inevitavelmente, vai empurrar essa agenda para a mesma mesa das barganhas pela sucessão na Câmara dos Deputados. Isso pode abrir brechas para negociações acerca do modus operandi dos presidentes das Casas Legislativas, para além de matérias orçamentárias? É uma possibilidade, em um cenário em que os candidatos da direita forte, mas dividida, terão que forjar novas alianças e firmar compromissos.
Um desdobramento provável é que essas negociações envolvam o próprio Executivo, que diz querer tomar distância do processo, mas que dificilmente o fará. O comando das duas Casas é parte sensível de qualquer política de coalizão que almeje a boa convivência com o Congresso, especialmente quando faltam dois anos para a eleição presidencial.
Essa é uma conjunção de fatores que acaba por dar ao Executivo o benefício de poder se mover com calma. Em especial, entre os muitos que estarão impacientes com a mudança dos ventos na sucessão da presidência da Câmara dos Deputados, se isso, de fato, ocorrer.
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