O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF), virou o principal porta-voz da bancada do Distrito Federal nas articulações para impedir que o governo local perca recursos do chamado Fundo Constitucional do DF com a aprovação do arcabouço fiscal. Segundo o governo do Distrito Federal, a capital do país perderá R$ 87 bilhões em receita ao longo dos próximos dez anos caso o texto aprovado pela Câmara vire lei. O dinheiro do fundo é destinado para despesas com segurança pública, saúde e educação.
Izalci levou a reivindicação ao presidente da República na reunião que Lula teve com os líderes do Senado na última segunda-feira (5). E saiu do Palácio do Planalto otimista. Em entrevista ao Congresso em Foco, o tucano disse que o petista se comprometeu a trabalhar para que sua base aliada exclua o fundo do projeto das novas regras fiscais e, em último caso, a vetar o dispositivo na sanção presidencial.
“O presidente se prontificou, inclusive, a vetar a matéria, que não estava prevista na proposta original. Ele assumiu que é favorável à retirada ou ao veto. Como o líder Jaques Wagner e o Randolfe estavam presentes, ficou claro que Lula não tem nada contra o Distrito Federal. Pelo contrário, ele entende as dificuldades e a importância da capital e sinalizou que é favorável à exclusão ou até mesmo a vetar a matéria”, afirma o senador.
“Ilha da fantasia”
Nesta semana, Lula convenceu o ministro da Casa Civil, Rui Costa, a pedir desculpas à população do DF por ter criticado a construção de Brasília e a transferência da capital do país para o Centro-Oeste. O ex-governador baiano comparou a cidade a uma “ilha da fantasia”. A declaração repercutiu mal não apenas entre os parlamentares do DF, mas também com o governador Ibaneis Rocha – que chamou Rui de “idiota completo” – e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que criticou a manifestação do ministro. Rui Costa admitiu que “não foi feliz” com a frase e se desculpou com o “povo trabalhador” do DF.
Para Izalci, a declaração do ministro da Casa Civil promoveu uma união no Congresso em torno da capital do país, o que pode favorecer, na avaliação dele, a exclusão do Fundo Constitucional do DF do arcabouço fiscal. Na terça-feira, a bancada do DF na Câmara e no Senado, Ibaneis e ex-governadores fizeram um apelo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que o fundo constitucional não seja prejudicado. Pacheco se prontificou a convencer senadores a votarem pela exclusão do dispositivo do arcabouço e a negociar a manutenção dessa posição com a Câmara. Admitiu, ainda, em um esforço final, a postular o veto presidencial.
Segurança, saúde e educação
Previsto na Constituição de 1988, o Fundo Constitucional do DF só saiu do papel em 2002. Para este ano, estão reservados R$ 22,9 bilhões. Desse total, R$ 10,2 bilhões são reservados para a segurança, R$ 7,1 bilhões para a saúde e R$ 5,6 bilhões para a educação. Atualmente o valor repassado é corrigido com base na variação da receita corrente líquida da União, de junho a julho do ano anterior.
Caso o arcabouço fiscal seja aprovado, o fundo poderá ser limitado como gasto público não excepcional, ou seja, em no máximo 70% das receitas regulares ou 2,5% do crescimento real das despesas em comparação ao ano anterior. A possibilidade de perda de recursos para o DF provocou uma união raras vezes na política brasiliense, atraindo para o mesmo campo partidos como Psol e PL. O relator do arcabouço no Senado, Omar Aziz, disse ao Congresso em Foco que o fundo constitucional é um dos pontos que precisam ser mais bem discutidos pelos senadores. Cálculos feitos pela Consultoria de Orçamento da Câmara apontam um déficit de R$ 17 bilhões ao longo dos próximos dez anos.
Na entrevista a seguir, Izalci também defende a investigação da responsabilidade dos governos do DF e federal em relação aos atos de 8 de janeiro. Suplente da CPMI dos Atos Golpistas, ele pede a quebra do sigilo das mensagens trocadas pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, com outras autoridades no dia 8 e na véspera para saber se houve alguma omissão por parte do governo Lula. Vice-líder de Bolsonaro em 2019, ele defende que também seja apurada a influência do ex-presidente no caso.
Veja a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – O senhor se reuniu com o presidente do Senado, junto com a bancada, o governador Ibaneis e outros ex-governadores do Distrito Federal. Há algum compromisso por parte de Rodrigo Pacheco para excluir o fundo constitucional do DF do arcabouço fiscal?
Izalci Lucas – Como presidente do Senado, ele não pode tirar. Quem tira são os senadores. Nós pedimos a compreensão do presidente Rodrigo Pacheco e ele teve muita boa vontade ao dizer que vai, primeiro, ajudar na articulação com alguns senadores e, segundo, buscar acordo com a Câmara para manter o texto daqui, o que está sendo discutido com o relator, Omar Aziz. O aval do presidente do Senado e do vice-presidente, Veneziano Vital do Rego, ajuda muito nessa composição.
No Senado hoje a maioria apoia a exclusão do fundo constitucional do DF do arcabouço fiscal?
Não tenho dúvida. Isso não foi iniciativa do governo. O presidente Lula foi claro na reunião com os líderes da base do governo esta semana que desconhecia isso, porque no projeto original do arcabouço não se falava do fundo constitucional. Foi o relator [deputado Cláudio Cajado]que botou isso da noite para o dia.
Na reunião, o presidente Lula se comprometeu a tirar esse dispositivo da proposta ou mesmo a vetá-lo caso seja aprovado pelo Congresso?
Caso não tenha garantia de que o texto do Senado não será mantido pela Câmara, uma garantia que nós temos é o veto. O presidente se prontificou, inclusive, a vetar a matéria, que não estava prevista na proposta original. Ele assumiu que é favorável à retirada ou ao veto. Como o líder Jaques Wagner e o Randolfe estavam presentes, ficou claro que Lula não tem nada contra o Distrito Federal. Pelo contrário, ele entende as dificuldades e a importância da capital e sinalizou que é favorável à exclusão ou até mesmo a vetar a matéria.
A declaração do ministro da Casa Civil, Rui Costa, de que Brasília não deveria existir e que a capital deveria ser Rio, São Paulo ou Salvador, provocou a reação de políticos de outros estados, como o presidente da Câmara, Arthur Lira. Esse tipo de manifestação ajuda, de alguma maneira, a unir os parlamentares contra a limitação no fundo constitucional?
Ele foi infeliz. E chegou a dizer que foi mal interpretado. Isso demonstra desconhecimento da importância de Brasília para o Brasil. Ele disse que preferia que a capital fosse Rio, São Paulo ou Salvador. Foi fundamental a transferência da capital para cá. Ele demonstrou que não conhece a cidade. Nós temos uma comunidade carente muito grande. Brasília não é a Esplanada. Temos 33 regiões administrativas. Ninha sugestão é que ele conhecesse no fim de semana o Sol Nascente, a Estrutural, e comunidades sem infraestrutura de Planaltina e São Sebastião.
Isso pode ajudar a reverter a situação do fundo?
Acho que ajudou, porque é uma posição muito radical que causou estranheza inclusive aos baianos que moram na capital da República. São 250 mil baianos hoje em Brasília. É uma comunidade grande que deve estar decepcionada com o ministro, que é ex-governador da Bahia.
Se for retirado esse dispositivo que limita o fundo constitucional, o senhor vota a favor do arcabouço?
Nesse aspecto não tenho dúvida. Mas há outras discussões que vão acontecer aqui. Temos o Fundeb, que é uma questão da educação. No discurso todos são a favor da educação, vamos ver no voto quem de fato apoia a educação. Também vai ter debate na comissão. Vamos fazer audiência pública. Mas é melhor um arcabouço do que nada. Mas precisa corrigir algumas distorções aí.
Por que o governo tem enfrentado dificuldade de articulação?
Na reunião com os líderes do Senado o presidente Lula mostrou que quer aproximação maior com os senadores, está disposto a se reunir com todos os senadores. Também está trabalhando com os líderes da Câmara. Como o presidente Arthur Lira viajou, ele preferiu adiar. Mas haverá também reunião com os deputados. De fato, está faltando articulação do governo.
O PSDB já teve uma das maiores bancadas no Senado. Hoje são apenas três senadores. Há uma preocupação do senhor, como líder, de diferenciar a oposição feita pelo seu partido em relação à oposição feita pelos bolsonaristas?
Eu disse ao presidente Lula na reunião que sou oposição, mas somos oposição às medidas que não são boas para o Brasil. O que for bom para o Brasil a gente vota favorável. O PSDB nunca foi do quanto pior, melhor. Sempre votou nos governos do PT e do Bolsonaro pelo que era melhor para o Brasil.
Em relação à CPMI dos Atos Golpistas, a oposição critica uma possível omissão por parte do governo Lula quanto às invasões. Se fosse botar numa balança, entre a eventual omissão do Governo do Distrito Federal e do governo federal, como ficaria?
A responsabilidade maior pela segurança era do GDF, que recebe o fundo constitucional para cuidar da segurança. Houve muita informação truncada, falta de informação no comando. O GDF, o próprio secretário de Segurança [Anderson Torres], na sexta-feira [6 de janeiro], tinha feito relatório dizendo das consequências e dos interesses das manifestações que poderiam levar à destruição do patrimônio e à invasão do Congresso, do Planalto e do STF. Isso estava tanto no relatório do GDF quanto no da Abin. Na sexta-feira, 38 órgãos de inteligência receberam informação da Abin de que haveria risco muito grande de ter o que aconteceu em 8 de janeiro. Por isso insisto que o problema nao é só a ação, quem fez ou praticou as ações. Mas também quem se omitiu, ou seja, quem poderia ter evitado e não evitou. Fiz requerimento da quebra dos sigilos telemático do ministro Flávio Dino porque, se não aconteceu nada, ótimo, é o momento para ele demonstrar que não tinha nada. É um instrumento que temos para verificar se ele poderia ter feito algo, falou com quem, o que falou, gente mostrar se não tem problema nenhum, pra ele não tem problema em quebrar o sigilo. Se não conseguirmos aprovar, é sinal de que existe culpa no cartório.
O senhor chegou a ser vice-líder do governo Bolsonaro. Ao não ter reconhecido a derrota eleitoral, ter colocado em dúvida as urnas eletrônicas e o resultado das urnas e ter dito que Lula não assumiria, o ex-presidente Bolsonaro não foi o grande responsável pelos atos de 8 de janeiro?
No início do governo fui vice-líder. Depois saí da vice-liderança no segundo ano. Isso nós temos de apurar. Por isso, além de fazer requerimento do Flávio Dino, do general que vazou aquelas informações, o relatório da Abin fornecido e depois distorcido da informação original, tem uma série de coisas. Por isso estou pedindo a convocação do Anderson Torres, do policiamento militar, do Exército brasileiro. Não é uma CPI para proteger a direita ou a esquerda ou o centro. A CPMI tem de mostrar a verdade e punir proporcionalmente os responsáveis pelos atos, assim como as omissoes. A omissão também é pecado. Atos e omissões, isso está na nossa oração quando você faz a confissão. Você pede perdão por isso. Tanto os atos quanto as omissões contribuíram para o que aconteceu.