Horas depois de Arthur Lira criticar a articulação política do governo, a Câmara impôs ontem ao presidente Lula sua primeira derrota legislativa. Com placar de 295 votos a favor e 136 contra, os deputados derrubaram trechos de decreto presidencial que alterava o marco legal do saneamento. Por exemplo, o que permitia a contratação de empresas estatais sem licitação.
Lira surpreendeu o governo ao mandar incluir o projeto de decreto legislativo na pauta pouco antes de embarcar para os Estados Unidos. No plenário, o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), tentou ganhar tempo para negociar, mas o resultado da votação mostrou que o Planalto e seus articuladores falharam. “Acho que isso fica como lição para todos aqui dentro. É um recado? Evidente que é”, admitiu Guimarães.
Lira foi direto ao analisar os problemas políticos do governo e listou alguns dos “culpados” — os ministros Alexandre Padilha (Articulação Política) e Rui Costa (Casa Civil). “Padilha infelizmente é o ministro da articulação política. A cobrança tem que começar por ele, mas se estende à Casa Civil, aos assessores mais próximos do presidente, aos ministros da Esplanada, líderes da Câmara e Senado. É um conjunto que precisa estar andando afinado, senão não toca a letra correta, vai tocar desafinado”, disse, em entrevista à Globonews.
Leia também
Alguns petistas concordam com a opinião do presidente da Câmara. Acham que Padilha está distante do Congresso, deveria frequentar mais a Câmara e conhecer melhor os deputados. Criticam a decisão de Lula de entregar três ministérios a um partido como o União Brasil, cujo apoio não se reflete nas votações — a bancada toda votou contra o governo na questão do saneamento. No MDB, que também ocupa três vagas na Esplanada, foram 31 votos a um pela derrubada do decreto de Lula. E no PSD, 20 a sete. A centro-direita decidiu cobrar seu preço.
O governo entra no quinto mês patinando no Congresso, sem votos e em meio a cobranças para liberação de emendas e nomeações para cargos. Lula sabe o tamanho do problema, inclusive alertado por Lira, que esteve no Planalto pouco antes de dar a entrevista. Hoje, a prioridade dos parlamentares é a eleição municipal, essencial para dar aos partidos base de eleitores em 2026, para continuar existindo no mapa político. Querem verbas e poder sobre políticas públicas.
Já o governo terá de correr para tentar aprovar em tempo hábil sua agenda econômica — especialmente as novas regras fiscais e a reforma tributária. A promessa de Lira de votar o novo arcabouço até 10 de maio pode ser esquecida — ele nem estará no país até lá. No caminho, não faltam obstáculos, especialmente duas CPIs (MST e atos golpistas). Sequer as medidas provisórias que reestruturam a administração pública e recriam o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida foram votadas, por causa do impasse entre Câmara e Senado sobre o rito de tramitação. Perdem a validade no fim do mês.
A derrota do governo, num dia em que todas as atenções se voltavam para novas (e graves) denúncias contra Jair Bolsonaro, agora de fraude no cartão de vacinação, soma-se à retirada de pauta do projeto das Fake News. Dão ao Planalto uma impressão de fragilidade. Até aqui, porém, os erros políticos não afetaram os índices de popularidade do governo, como mostra a pesquisa Radar Febraban de abril: 52% o aprovam e 38% o desaprovam (10% não sabem/não responderam). Há tempo de arrumar a casa para tentar compatibilizar os interesses do Congresso com os do governo.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário