Está pronta para votação no plenário da Câmara há dois anos, desde setembro de 2021, a proposta de reforma administrativa apresentada pelo governo Bolsonaro. Ficou trancada nas gavetas de Arthur Lira durante o ano eleitoral de 2022 e foi ignorada pelo governo Lula no ano passado. Patrocinador do texto original, bastante desidratado pelo relator, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), o então ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que a oposição à reforma começou no próprio gabinete de Bolsonaro. “O entorno do presidente bloqueou”, disse ele à época.
Em agosto passado, Lira ressuscitou a ideia da reforma, como um dos contrapontos à política de ajuste fiscal do ministro Fernando Haddad, baseada no aumento de receitas. Insiste no assunto em encontros com empresários, e já afirmou que a discussão terá de acontecer, com o governo “querendo ou não”. Agora, decidiu que levará o tema ao colégio de líderes no início do ano legislativo, em fevereiro.
A anunciada disposição de Lira para levar o tema adiante coincide com novo momento de tensão entre governo e Congresso. A decisão de vetar o projeto que mantinha a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia gerou uma crise com o Legislativo. Câmara e Senado aprovaram uma lei, negociada com o governo e com o voto do PT para prorrogar o incentivo fiscal. Quando veio o veto, foi visto como afronta. O Executivo editou medida provisória estabelecendo tributação gradual nas áreas beneficiadas, solução que não agradou. Líderes do Congresso prometem derrubar o veto presidencial. Nesse cenário de incerteza, Lira abriu as portas para um entendimento, colocando a reforma administrativa na mesa como moeda de troca.
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O texto enjeitado desse projeto pode ser modificado pelo plenário, ou seja, há espaço amplo para negociar com o governo. Para não ser pautado pelo Legislativo, o Executivo se apressou e divulgou medidas para o setor público, na tentativa de evitar que o modelo em tramitação vá adiante. Parte delas já está em implementação e não depende do Congresso.
Há um certo consenso, à direita e à esquerda, de que é preciso fazer mudanças no funcionalismo. Por exemplo, incentivar o aumento de produtividade e acabar com os “penduricalhos” que resultam em supersalários. No entanto, nada foi feito para concluir a votação de projeto que regulamenta o teto salarial nos Três Poderes, apresentado pelo agora ex-deputado Rubens Bueno em 2016 e aprovado pela Câmara em julho de 2021. Está no Senado, na gaveta de Rodrigo Pacheco.
O funcionalismo público sempre foi parte importante da base social e eleitoral do PT — ao longo das últimas eleições, cerca de 10% dos candidatos aos legislativos federal e estaduais tinham origem no serviço público, segundo pesquisa da República.org. Mexer com direitos dessa categoria é um problema para o partido, como mostrou a reforma da Previdência, no primeiro governo Lula. O PT rachou, e foi criado o PSol pelos dissidentes. Nas últimas eleições, esse vínculo se mostrou mais frouxo. Lula perdeu a disputa eleitoral no segundo turno em Brasília — Bolsonaro teve 58,81% dos votos na capital, onde há forte concentração de servidores. Sem contar o predomínio bolsonarista sobre forças policiais e militares.
Num ano eleitoral, é difícil imaginar uma revolução no RH do setor público, sobretudo para reduzir o tamanho do Estado, o que afrontaria o discurso de Lula e do PT. Setores econômicos, porém, pressionam o governo por cortes de despesas, e Lira, em sintonia com esses segmentos, sacou a reforma. As derrubadas de vetos e a aprovação de projetos contrários ao governo (marco temporal das terras indígenas e desoneração da folha) já mostraram a fragilidade da base parlamentar de Lula. Ao apresentar medidas pontuais, o governo ganha tempo, enquanto Lira defende a reforma. Pelo menos até a disputa municipal ocupar toda a agenda. Aí, o assunto pode ficar para o ano que vem.
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