Eduardo Militão
Um golpe contra o Estado e contra aqueles que deveriam ser atendidos por ele. Pelo menos R$ 1 milhão de prejuízo contra os cofres públicos e um valor sem preço pela dignidade de famílias carentes. Dois gabinetes de deputados estão envolvidos, pelo menos.
A Polícia Legislativa da Câmara investiga a ação de um grupo que incluía falsos funcionários na folha de pagamento da Casa, a maioria pessoas humildes da periferia de Brasília, para ficar com os salários das vítimas. Em troca, as famílias recebiam uma pequena parcela de recursos, supondo ser algum benefício social como o Bolsa-Família.
“Como eu estava necessitando, eu caí nessa, pensando que ia ter uma boa ajuda. Até que foi uma boa ajuda, mas descobri que eu entrei numa cilada.”
A frase é da faxineira desempregada Márcia Flávia Silveira, nome fictício usado para identificar uma das vítimas localizadas pelo Congresso em Foco. Ela transformou-se em secretária parlamentar do gabinete de Sandro Mabel (PR-GO), hoje líder do partido na Câmara.
Márcia Flávia mora num bairro pobre de Valparaíso (GO), a 50 km de Brasília, com o marido, o auxiliar de serviços gerais Aluísio Leonardo (nome fictício), ambos com 23 anos, e quatro filhas pequenas, a maior com seis anos de idade e a menor com apenas um ano.
O casal estava desempregado em janeiro de 2008 e ainda esperava o nascimento de mais uma menina. Eles ainda moram em casinha simples, comprada com a ajuda da mãe de Aluísio e de um amigo. Dois cachorros, um coelho cinza, uma tevê, um sofá com dois lugares. O quarto é separado da salinha por um cobertor. Hoje, só o marido trabalha. E Márcia Flávia está desempregada de novo.
O vizinho de Aluísio contou ao Congresso em Foco que, em janeiro do ano passado, recebeu R$ 30 para indicar os amigos ao casal que queria cadastrar uma família carente para oferecer um “benefício social”.
A dupla chegou à casinha de Aluísio e Márcia Flávia. “Eles diziam que estavam precisando de um casal necessitado que tivesse filhos”, conta Márcia Flávia.
Ela foi aconselhada a encontrar uma pessoa com o apelido de “Franzé”. Trata-se de Francisco José Feijão de Araújo, ex-funcionário do gabinete de Sandro Mabel. Para ele, a desempregada entregou documentos pessoais e das três filhas que tinha à época. Segundo Márcia, Franzé se apresentava como assessor do deputado e futuro candidato a algum cargo político no Distrito Federal.
Os documentos dos filhos são importantes. A Câmara paga um auxílio-creche diferenciado chamado Programa de Assistência à Educação Pré-escolar (PAE) de até R$ 647,77 por criança. No caso da faxineira desempregada, isso significou um repasse de R$ 29.776,43 entre março de 2008 e agosto deste ano, somente com o PAE, afora salários e outros benefícios.
Márcia Flávia relata que foi com Franzé para a agência 2223-3 da Caixa Econômica, no Anexo IV da Câmara. Lá, abriu uma conta corrente e uma poupança. A partir de fevereiro passou a receber R$ 250. Depois do nascimento da quarta filha, em julho de 2008, o valor subiu para R$ 300.
Segundo os boletins administrativos da Câmara, Márcia Flávia foi nomeada para o gabinete de Sandro Mabel em fevereiro de 2008 com o cargo de SP-05, com salário-base de R$ 420. Em agosto, o salário subiu para R$ 661. Em 31 de agosto de 2009, com a descoberta do caso, foi exonerada.
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