Especialistas ouvidas em audiência pública realizada nesta segunda-feira (27) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado posicionaram-se contra o atual texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022, que transfere os chamados terrenos de marinha mediante pagamento a ocupantes particulares e de forma gratuita para estados e municípios. Durante a audiência presidida pelo relator da proposta, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), os principais problemas citados foram o impacto socioambiental e o favorecimento à privatização.
Os terrenos de marinha são áreas públicas que margeiam o mar, rios, lagos e lagoas, até a linha de preamar média (altura média da maré alta em um determinado local durante um período específico). Segundo a Constituição Federal, a União tem o domínio e a responsabilidade pela gestão desses espaços. Como mostrou o Congresso em Foco, ambientalistas veem na proposta uma porta para a privatização das praias no Brasil.
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Para a secretária adjunta de Gestão do Patrimônio da União, órgão do Ministério de Gestão, Carolina Gabas, a PEC inverte a atual lógica porque sobrepõe o interesse privado ao interesse público da União, uma vez que prioriza os ocupantes das áreas e estados e municípios. Ela também expõe que o texto favorece a privatização e estimula a ocupação desordenada.
“Outro problema da PEC é que permite a alienação, a transferência do domínio pleno, favorece a ocupação desordenada, ameaçando ecossistemas, favorece a privatização e cerceamento das praias e promove perda de receita de R$ 164 bilhões por ano”, explica a secretária.
Carolina também apresenta pontos que a pasta considera que possam melhorar o atual texto. Entre as medidas propostas estão: aperfeiçoar os mecanismos de gestão dos terrenos de marinha, simplificar os processos de notificação, tornar mais justos os pagamentos de taxas e promover segurança jurídica aos ocupantes, repensando a compulsoriedade da aquisição.
Além de favorecer a privatização e cerceamento das praias, a coordenadora geral do Gerenciamento Costeiro do Ministério do Meio Ambiente, Marinez Scherer, explica que os terrenos de marinha e a faixa de segurança estão em sua maior parte em áreas de preservação permanente. E, por isso, a PEC contribui com a degradação de ecossistemas e para as mudanças climáticas. Com o aumento da temperatura e do nível do mar, regiões litorâneas tornam-se suscetíveis a alagamentos.
“A grande maioria desses terrenos de marinha e da faixa de segurança estão em áreas consideradas pela legislação brasileira como áreas de preservação permanente. Seja nas áreas da restinga, do manguezal e de falésias. São áreas de preservação permanente porque são importantes para a segurança humana e para o bem estar humano. Se a gente perde essas estruturas, se a gente perde esses ecossistemas, a gente vai perder bem estar humano e economia”, diz Marinez.
Ela acrescenta ainda, que a PEC é um “bônus para pouquíssimos e ônus para toda sociedade brasileira”. Conforme a coordenadora, acabar com a Instituição dos Terrenos de Marinha, a Faixa de Segurança e ocupar essas áreas é “perder ecossistemas, perder qualidade de vida, retirar do estado a possibilidade de planejamento futuro, de ordenar o bem público e de delimitar áreas vulneráveis”.
Representante do movimento dos pescadores e pescadoras artesanais, Ana Ilda Nogueira expôs que a PEC “não os representa”, por impactar quem mora nessas regiões. “Essa PEC não nos representa. Primeiramente, quem mora na beira dos rios, dos lagos, das áreas de Marinha é que sofrem com os assoreamentos e com o desmatamento. O objetivo da PEC é a urbanização das orlas e quem vai lucrar com isso não somos nós”.
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