O plenário do Senado adiou para a próxima terça-feira (27) a votação do projeto de decreto legislativo (PDL) que susta pontos do decreto antiarmas editado pelo presidente Lula. Os senadores aprovaram a urgência da matéria, nesta semana, acelerando a tramitação do texto. O texto, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é relatada pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que manteve o texto aprovado pela Câmara dos Deputados em maio, e conta com amplo apoio na Casa. No entanto, entidades alertam para os riscos de afrouxamento para o acesso de armas e munição no país.
O PDL permite que sejam colecionadas armas automáticas de qualquer calibre ou ainda longas semiautomáticas de calibre de uso restrito, bem como armamentos do mesmo tipo, calibre, marca e modelo usados pelas Forças Armadas. Além disso, o texto retira da lista de restrição armas de pressão com calibre acima de seis milímetros.
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A matéria permite que clubes de tiros funcionem em um raio de 1 quilômetro de escolas, creches e universidades. A derrubada deste trecho devolve a competência de regulamentar a localização destes espaços aos municípios. O projeto também extingue as normas que exigem a comprovação de treinos e participação em competições para que seja obtido o registro de atirador.
O PDL também devolve ao Exército a responsabilidade de atestar e validar armas como histórica ou de coleção, retirando do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a competência delegada pelo decreto de Lula.
Roberto Uchôa, membro do conselho de administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta ao Congresso em Foco que o decreto presidencial enfrenta resistência no Congresso desde a sua edição, no ano passado. “Desde que o decreto 11.615/23 entrou em vigor a bancada da bala, assim como parlamentares ligados à pauta armamentista, tentam revogá-lo no todo ou em partes.”
“É claro que o decreto não é perfeito e precisaria de alguns ajustes, mas a forma como parlamentares estão conduzindo a questão mostra pouca vontade para o diálogo e aprimoramento da legislação”, avalia.
Para Uchôa, o embate no tema é uma demonstração que ultrapassa o tema das armas em si e revela, na verdade, uma fraqueza mais séria. O especialista destaca que Lula foi eleito com “uma plataforma claramente favorável a um maior controle sobre a circulação de armas de fogo no país” que foi materializada no decreto, buscando uma certa organização após “as dezenas de decretos, portarias e instruções normativas publicadas durante o governo anterior [do ex-presidente Jair Bolsonaro]”. “Era necessário a edição de uma regulamentação que pusesse fim ao caos normativo em vigor.”
“E aí temos um problema, entre a vontade da maioria que elegeu o presidente Lula e seu projeto de controle mais rígido e a vontade dos parlamentares que defendem os interesses de seus grupos, o que deve prevalecer? Essa é uma questão sobre a qual precisamos refletir, porque o caminho do enfrentamento em vez do diálogo pode mostrar não a fraqueza de um governo e sim do nosso sistema democrático”, comenta ele. “Um exemplo disso é a proibição de funcionamento de clubes de tiro em um raio inferior a 1 km de escolas. Há um levantamento feito recentemente que mostrou que 8 em cada 10 clubes de tiro estão em distância inferior ao estabelecido. São quase 2 mil clubes de tiro”.
Segundo o relatório “Controle de armas de fogo e de munições a cargo do Exército Brasileiro no período de 2019 a 2022”, divulgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em março deste ano, foram observado indícios de fragilidade no controle no Exército envolvendo os registros de porte de armas de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) no período apurado. O tribunal de contas apontou que a base de dados utilizada pelos militares para esta finalidade é propícia a invasões e os dados não são auditáveis.
Um levantamento de maio deste ano do Instituto Sou da Paz indica que, desde 2018, CACs informaram ao Exército que pelo menos seis mil armamentos foram desviados, mas a entidade acredita que a quantidade pode ser superior. Os CACs têm a obrigação de informar às autoridades caso percam seus armamentos em roubos, furtos ou em casos de perdas.
“Como fazer com que se adequem à nova regra? Determinar a mudança de local? Isso com certeza iria ter como consequência o surgimento de milhares de demandas judiciais questionando a validade da norma. O melhor seria determinar que somente os novos clubes deveriam obedecer a essa norma? É uma possibilidade. Mas, como vemos, é algo que deveria ser conversado entre governo, parlamentares e representantes dos clubes. Revogar completamente ou manter como está previsto, ao invés de ser uma solução, só vai manter o problema, e o que a sociedade deseja? Ela quer clubes de tiro e pessoas armadas circulando nas proximidades de escolas?”, questiona Uchôa.
“Outras mudanças como o fim da necessidade de habitualidade, a possibilidade de transferência de armas restritas entre acervos e o fim do controle sobre armas de pressão também são mudanças que ao invés de apresentarem alguma melhoria ou que demonstrem o interesse de proteger o atirador desportivo tem como objetivo na verdade enfraquecer os mecanismos de controle criados. A quem isso interessa? Não aos CACs e sim a quem não tem interesse que o governo saiba por onde a arma circulou e com quem está. Não são poucas as evidências de que armas adquiridas legalmente foram desviadas para criminosos. Isso foi comprovado inclusive pelo relatório do TCU. O movimento do governo Lula por um controle mais efetivo tem justamente esse objetivo, evitar ou ao menos diminuir esse fluxo de armas do mercado legal para o ilegal”, completa ele.
O decreto foi editado ainda sob a gestão de Flávio Dino no Ministério da Justiça, mas Ricardo Lewandowski chegou a sinalizar a disposição de negociar junto à Frente Parlamentar de Segurança Pública, conhecida como a bancada da bala, durante uma audiência na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara. “Isso deverá ser tratado com certa razoabilidade. Tem até o direito adquirido, se os clubes foram construídos à luz da lei vigente, terão direito a uma indenização ou modulação.”
O Instituto Igarapé emitiu uma nota técnica em que avalia que os pontos que podem ser derrubados pelo PDL contribuem para “diferenciar atiradores amadores e profissionais, permitindo que somente atiradores mais experientes tenham acesso a armas e munições mais potentes”. “Essa medida possibilita que os CACs possam ter armas que atendam às características e necessidades de cada categoria, viabilizando um maior controle sobre os armamentos e munições”, pontua a entidade que estuda segurança pública.
A análise da organização aponta, ainda, que as fiscalizações do Exército a acervos CACs, clubes e entidades de tiram não alcançam a 4%. “Muitos clubes de tiro seguem operando sem requisitos mínimos de segurança no país. Clubes estes que, em sua grande maioria, estão próximos a escolas”, observa.
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