Um arrepio de emoção percorreu o milhão de pessoas que ocupava a Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, naquela noite histórica de 10 de abril de 1984, quando ouviu a voz fraca e trêmula, mas clara, do velho advogado de 90 anos: “Peço silêncio para falar. Quero falar à Nação brasileira. ‘Todo o poder emana do povo, e em seu nome será exercido’, diz o artigo 1º da Constituição”. A multidão explodiu em delírio, muitos chorando, ao ouvir o alerta do veterano Sobral Pinto, o mais lendário advogado do país e o astro inesperado do maior comício das Diretas-Já, até então a maior manifestação política da história brasileira.
Protestos de multidões ainda maiores, em 2013 e em março passado, mostram que a solução da recorrente crise brasileira está nas mãos de quem, como lembrava o sábio Sobral, realmente detém o poder: o povo. Dividido em duas facções que não se toleram, retalhado entre um governo que não sabe o que faz e uma oposição que não confessa o que quer, assombrado por um Congresso com mais de meia centena de parlamentares denunciados na Operação Lava Jato, o Brasil se angustia com a certeza de que a crise não acaba neste domingo, 17, com a votação do impeachment.
A crise, qualquer que seja o resultado, deve se agravar ainda mais nas semanas seguintes.
Se Dilma ganhar, derrotando uma oposição exasperada, terá um inferno pela frente, com três anos de mandato esvaziado politicamente, com uma base parlamentar em desagregação e uma hostilidade popular aguçada pela crise da economia em recessão e desemprego em alta, sinais invertidos dos êxitos dos governos do PT do passado.
Se Dilma perder, derrotada pela oposição ressuscitada, o Brasil terá que sobreviver a um calvário, conduzido por lideranças políticas perseguidas pela Justiça ou contaminadas pela suspeita de má conduta ética ou moral. Entronizado no Planalto, Michel Temer – o “vice chefe do golpe”, na dura definição de sua ex-companheira de chapa – terá que produzir uma rápida (e improvável) reversão nos indicadores negativos da economia, a tempo de refrear a inevitável reação das ruas mobilizadas pelas organizações populares e sindicais lideradas por um PT seco por vingança.
Um agravante da sucessão forçada pelo impeachment será a má companhia obrigatória do novo presidente. Dos 62 políticos envolvidos até agora na Lava Jato, 12 são do seu partido, o PMDB, e 31 são do PP, o antigo aliado governista que, diante do naufrágio iminente, revendeu sua lealdade para o capitão da nau adversária. Ali, Temer terá que mostrar sua gratidão ao principal contramestre do impedimento, o deputado Eduardo Cunha – o maior vilão da política brasileira, passível de 184 anos de prisão, de acordo com a denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot ao Supremo Tribunal Federal, baseado em dois casos de corrupção passiva e outros 60 de lavagem de dinheiro.
No seu suspeito estilo bipolar, o presidente da Câmara dos Deputados deu ritmo supersônico ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e impôs cadência de tartaruga ao processo por quebra de decoro contra ele mesmo no Conselho de Ética, onde é acusado de mentir sobre suas contas secretas no exterior.
A turma que cercará Temer presidente, com certeza, não deixará saudades da turma que envolvia Dilma presidente. Esse drama de Lampedusa, que muda tudo para deixar tudo como está, ou pior do que estava, é que assusta os brasileiros de bem.
A radicalização dos tempos que virão, talvez maior do que os tempos que já vimos, poderá surpreender os mais pessimistas. Assim, melhor que Dilma ou Temer, o que resta ao Brasil é apelar ao que ele tem de melhor e mais honesto: o seu povo, o principal interessado em sair desse incompreensível labirinto de incompetência, corrupção e insensibilidade que estrangula a economia, paralisa a política e assusta os brasileiros.
Para romper essa cadeia de ódio e intolerância que não abre espaço para o entendimento, a solução é convocar o único personagem capaz de frear e superar o radicalismo: Sua Excelência, o Eleitor. Corre no Tribunal Superior Eleitoral uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (a AIME nº 761), que pede a cassação da chapa Dilma-Temer por uso de dinheiro de propina do petrolão para financiar a campanha de 2014 – uma cassação que levaria a novas eleições presidenciais.
Um caminho mais rápido do que a Justiça Eleitoral, no entanto, seria o atalho mais expedito do próprio Congresso Nacional. Pela decisão dos senadores e deputados mais conscientes da gravidade da crise, seriam antecipadas as eleições presidenciais, devolvendo-se ao povo, de onde emana todo o poder, a solução de nossos maiores problemas.
Para dar maior eficácia à nossa democracia sobressaltada, formulei uma proposta de emenda constitucional, a PEC 17/2016, que institui o mecanismo do recall de mandato presidencial. Após transcorrido no mínimo um ano de mandato, a maioria absoluta dos senadores e deputados poderá convocar um referendo para que que os eleitores decidam pela continuidade ou não do mandato dos governantes (presidente e vice). Se o povo assim quiser, novas eleições presidenciais seriam realizadas, no primeiro domingo após 90 dias do referendo. Um único recall será permitido para cada mandato.
Nossos governantes e nossas elites política não souberam corresponder às esperanças da população brasileira. Nada mais natural, e urgente, do que devolver ao povo, fonte original da democracia, a iniciativa redentora para oxigenar a política e devolver a ela os princípios e personagens capazes de restaurar a confiança da Nação Brasileira.
Como diria o bom e velho Sobral Pinto: chamem Sua Excelência, o Eleitor!
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