Alice Maciel, Juliana Dal Piva, Laura Scofield, da Agência Pública
No período em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) morou nos Estados Unidos, seu filho “03”, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), abriu uma empresa no estado do Texas em sociedade com pessoas ligadas à disseminação de fake news no Brasil, que apoiaram os atos golpistas de 8 de janeiro e que passaram pelo governo do pai.
É o que revela a investigação feita em uma aliança entre a Agência Pública, o UOL e o CLIP (Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística) nos últimos cinco meses.
Eduardo abriu uma empresa em 18 de março deste ano em sociedade com o influenciador Paulo Generoso – conhecido por compartilhar notícias falsas e por ter apoiado os atos golpistas – e com o ex-secretário nacional de fomento e incentivo à cultura no governo Bolsonaro, André Porciúncula. A firma Braz Global Holding LLC foi registrada por Generoso no endereço de sua casa, em Arlington. No mesmo local, outras duas empresas dos sócios de Eduardo na holding também foram abertas, mas sem seu nome.
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A reportagem procurou pessoalmente o deputado Eduardo Bolsonaro na Câmara no último dia 24. Questionado sobre a empresa, ele respondeu: “Por que vocês estão me investigando? Conhecendo um pouquinho do UOL e um pouquinho de vocês, eu prefiro não falar nada”.
Indagado sobre as atividades da empresa, o parlamentar se esquivou novamente: “Não tem nada demais. Explicar o quê? Estou devendo alguma coisa?”.
Ao final, o parlamentar afirmou, andando rápido pelo corredor em meio aos seguranças, que “não devia explicações” e citou o TSE sem sequer ser questionado. “Eu estou traficando droga? Eu estou roubando alguém? É corrupção?”, acrescentando que “falaria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, se fosse chamado.
Os demais sócios foram procurados, mas não retornaram até a última atualização desta reportagem.
Braz Global Holding
A reportagem obteve junto ao governo do Texas os documentos de registro da Braz Global Holding, mas neles não há informações sobre qual é o ramo do negócio. No mesmo local, em um curto espaço de tempo, Paulo Generoso abriu outras duas empresas: a Liber Group Brasil, em 13 de janeiro, e o Instituto Liberdade, em 8 de fevereiro. Nessas, Eduardo Bolsonaro não consta oficialmente como responsável, apenas Generoso, André Porciúncula e outra ex-servidora do governo Bolsonaro, Raquel Brugnera, apresentados como diretores.
Raquel e Paulo Generoso são criadores do Movimento República de Curitiba, que surgiu em 2016 para apoiar a Operação Lava Jato. O movimento também defendeu a eleição do ex-presidente em 2018 e 2022. Com 1,2 milhão de seguidores, a página do grupo no Facebook espalhou notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, a pandemia de Covid-19 e saiu em defesa dos atos golpistas. Paulo Generoso, inclusive, teve a conta no Twitter suspensa, em janeiro de 2023, após decisão judicial conforme marcado pela empresa na rede.
Já André Porciúncula é chamado de “amigo” por Eduardo Bolsonaro no curso online “Formação essencial em política”. Porciúncula – que no governo Bolsonaro foi responsável por analisar e aprovar propostas para captação da Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet – fala como especialista em arte e defende que a esquerda estaria tentando destruir a fé cristã, a beleza, a moralidade para implantar seus ideais políticos.
Depois de derrotado nas urnas em outubro do ano passado, Jair Bolsonaro viajou para Miami, onde ficou de 30 de dezembro a 30 de março. Nesse período, Eduardo esteve ao menos três vezes nos EUA, em janeiro, fevereiro e março. Na última visita, ele participou de eventos da extrema direita americana ao lado de seu pai. Dias antes da Braz Global Holding ser registrada no Texas, em 5 de março, os dois falaram no CPAC, congresso conservador organizado pela União Conservadora Americana (ACU, na sigla em inglês), que aconteceu em Washington.
Bolsonaro viajou aos EUA no fim de dezembro de 2022, depois de ter sido derrotado na eleição, e, na ocasião, transferiu U$ 135 mil (R$ 675 mil) para uma conta nos EUA. Tudo que ele declarou em conta para a Justiça Eleitoral brasileira, ao registrar sua candidatura meses antes, foi R$ 906 mil. O valor enviado aos EUA representa quase 75% do dinheiro líquido que o ex-presidente tinha em conta. A conta foi descoberta no âmbito das investigações da PF (Polícia Federal) sobre fraudes no cartão de vacinação de Bolsonaro e seus assessores.
Bruno Fonseca/Agência Pública
Do serviço público à sociedade com família Bolsonaro
Na trama de empresas e sócios ligados a Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, há outros dois personagens que foram empregados pela família Bolsonaro e seus aliados: André Porciúncula e Raquel Brugnera.
Porcíncula foi o número dois da Secretaria de Cultura do governo Bolsonaro de 6 de agosto de 2020 a 31 de março de 2022. Ele deixou o cargo para se candidatar a deputado federal pelo estado da Bahia. Derrotado nas urnas, em 18 de outubro foi nomeado por Jair como secretário adjunto da Secretaria e, em 6 de dezembro, faltando menos de um mês para terminar o governo, virou o chefe da pasta. Em março deste ano, além de virar sócio da Braz Global Holding LLC, nos EUA, ele abriu no Brasil, a Spalla Consultoria, Marketing e Publicidade Ltda.
A empresa foi registrada no Centro Empresarial Brasil 21 em Brasília, no mesmo prédio, mas quatro andares abaixo do escritório nacional do Partido Liberal. A reportagem foi até o endereço que consta na Receita Federal, onde funciona um coworking.
Antes de entrar para a política, André Porciúncula era capitão da Polícia Militar da Bahia. Foi o emprego no governo federal que o despertou para o ramo, como o próprio explicou em uma aula em outro curso de Eduardo Bolsonaro do qual participou, chamado “O Brasil precisa saber” e disponível na plataforma de cursos “Formação Conservadora” e no canal de Youtube do deputado. “Comecei a entender como a cultura tinha sido sequestrada e transformada em um meio de ação revolucionário e isso me deu um start, comecei a acabar conhecendo pessoas nesse meio político, e isso me levou até aqui”, explicou ao deputado no Palácio do Planalto, quando ainda era parte do governo. O vídeo foi publicado em 19 de junho de 2021.
Assim como ocorreu com Porciúncula, também foi a carreira no governo federal que lançou Raquel Brugnera a outros negócios. Ela não é sócia direta de Eduardo Bolsonaro, mas se conecta a ele por meio de duas outras empresas criadas no mesmo endereço da Braz Holding LLC em um curto intervalo de tempo. Em 13 de janeiro, Generoso fundou a Liber Group Brasil. Cerca de três semanas depois, em 8 de fevereiro, criou o Instituto Liberdade, que não tem fins lucrativos. Os documentos acessados pela reportagem não especificam as áreas de atuação das duas companhias, mas confirmam os diretores: Generoso, Brugnera e Porciúncula.
Antes de se tornar empresária, Brugnera passou por dois cargos no governo de Jair Bolsonaro. Ela foi chefe de gabinete da Secretaria de Economia Criativa da então Secretaria Especial de Cultura, durante a gestão de Roberto Alvim – exonerado depois de produzir um vídeo com referências ao nazismo – e assessora técnica da Fundação Palmares.
“Fui nomeada duas vezes ao governo federal, sempre em cargos de chefia, onde eu conheci muitas pessoas da área técnica e adquiri com eles muito conhecimento. Depois pedi exoneração e abri minhas empresas, tanto aqui no Brasil quanto fora do país. E foi assim que eu acabei participando ativamente de eleições pelo país inteiro”, explicou a empresária em um vídeo disponível na plataforma de cursos Aprenda Eleger, criada por ela após as últimas eleições.
De acordo com o site do projeto, o curso visa ensinar pessoas que têm interesse em “trabalhar nos bastidores da política” e traz conteúdos que falam sobre como prestar contas eleitorais e gerir as crises midiáticas de um candidato. Brugnera se apresenta como “estrategista política” e “empresária na área de captação de recursos e emendas parlamentares aqui em Brasília”.
No ano passado, Brugnera foi a coordenadora da campanha de Porciúncula a deputado federal pelo PL na Bahia, como mostrou reportagem do Buzzfeed. Essa experiência é citada na propaganda de seu curso.
“Em 2022 eu tive o privilégio de coordenar uma campanha de grande porte, não apenas ser uma vaga a deputado federal, mas também pelo fato do candidato já ser uma autoridade politicamente exposta. Nessa experiência conquistamos mais de 82.600 votos, o que deu uma musculatura política ainda maior para a autoridade”, explicou.
Além disso, a empresa BSB Governança e Estratégia LTDA, ou BSB Soluções, da qual ela é a única sócia, também prestou serviços para o candidato. A empresa foi criada em março de 2021, depois da saída de Raquel Brugnera no governo. Seu site informa que a firma faz articulação política para prefeituras junto aos gabinetes dos Ministérios e do Congresso Nacional.
A BSB Soluções foi a maior fornecedora da campanha de Porciúncula, tendo recebido ao todo R$ R$107.500,00. De acordo com as notas fiscais, a empresa de Raquel prestou serviços diversos, como de marketing político, publicidade, consultoria, organização de eventos e pesquisas de opinião. O marido de Brugnera, Maciel Junior Pereira Barros, também recebeu dinheiro da campanha: R$20.000,00. Porciúncula obteve 82.693 votos e não se elegeu.
República de Curitiba
A relação de Brugnera e Generoso também vem de longa data. Em 2016, os dois criaram o Movimento República de Curitiba, que tem atuação forte nas redes sociais.
Em abril de 2020, ele foi um dos influenciadores da extrema direita que chamaram carreatas para furar o isolamento social contra a covid-19, como mostrou reportagem da Pública à época. A página, que tem a pretensão de criar “um novo conceito de jornalismo”, também espalhou mentiras sobre o governo de João Doria no estado de São Paulo, acusando-o de registrar mais mortes de vítimas por coronavírus do que o número real.
Além da página no Facebook, criada em março de 2016, o grupo também possui um site, que existe desde dezembro de 2017. De acordo com o relatório final da CPI da Pandemia, o movimento publicou “informações falsas sobre tratamento precoce, lockdown e contra a vacina”. A página também foi investigada pela CPMI das Fake News, que a citou como um dos “principais veiculadores de desinformação acerca da Covid-19” em seu relatório final.
De acordo com Paulo Generoso, o grupo surgiu com o intuito de apoiar a Operação Lava Jato, mas ainda em 2018 se voltou à eleição de Jair Bolsonaro. “Fomos uma das primeiras e grandes páginas a apoiar também o presidente em sua primeira eleição [presidencial] em 2018”, explicou em entrevista ao site bolsonarista Jornal da Cidade Online, em 10 de dezembro do ano passado. Na mesma entrevista, ele questionou a lisura das eleições e disse que “O golpe já foi dado”, sugerindo que houve fraude nas urnas. “De nossa parte qualquer coisa que aconteça no máximo vai ser um contragolpe”, afirmou, um mês antes de uma turba bolsonarista invadir os prédios do governo.
Mesmo morando nos Estados Unidos, onde é dono de um restaurante de churrasco brasileiro, o empresário foi um dos organizadores do movimento político do dia 7 de setembro de 2022 e esteve presente nos atos nos quartéis que contestavam a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ele é muito próximo do proprietário das Lojas Havan, Luciano Hang, investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news. Generoso ainda é sócio de duas empresas no Brasil: a loja de suplementos American Nutrition, em Cubatão (SP) e a CBD Brazil, em Curitiba (PR).
Tanto Paulo quanto Raquel são seguidores de Olavo de Carvalho. Em um vídeo publicado por Brugnera em agosto de 2019 e fixado em seu Instagram, Olavo a chama de “irmãzinha”. O vídeo é gravado por Generoso.
O perfil de Raquel na rede também mostra fotos com vários nomes influentes do bolsonarismo, como o blogueiro Allan dos Santos, investigado por disseminar desinformação, e o próprio Eduardo. Em dezembro de 2020, ela publicou uma foto com o deputado no lançamento do Instituto Conservador Liberal, criado por ele.
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