Eduardo Militão
Depois de reduzir despesas, mudar regras e obter até devoluções de dinheiro por causa da farra das passagens, o Congresso Nacional ainda patina na transparência sobre o uso da cota aérea a que cada parlamentar tem direito para se deslocar em razão do mandato. Cinco meses após ser anunciada como uma das principais medidas para evitar o uso indevido do benefício, a divulgação dos bilhetes aéreos de deputados e senadores não saiu do papel.
As novas regras obrigam a publicidade dos gastos, o que não tem sido feito por nenhuma das duas Casas legislativas. A Câmara culpa as companhias aéreas e diz que suspendeu há três meses o pagamento a essas empresas até que elas se ajustem às suas exigências. O Senado afirma não ter ideia do motivo do atraso nem sinaliza que divulgará as informações. Já as companhias aéreas se eximem de qualquer responsabilidade.
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O Ato 43/09 da Câmara determina que os deputados divulguem os gastos com a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), inclusive as passagens aéreas, a cada três meses. A Ceap, batizada pelos deputados de cotão, reúne as despesas da Casa com os benefícios garantidos aos deputados, como a verba indenizatória e a cota aérea. Mas apenas parte dos bilhetes foi publicada: mais especificamente os casos em que os parlamentares pedem reembolso de gastos feitos com recursos próprios.
Reembolso
Segundo a assessoria de imprensa da Casa, só estão no ar informações dos bilhetes que os deputados compraram do próprio bolso e pediram restituição à Câmara. Os bilhetes comprados por meio de crédito parlamentar não estão sendo divulgados.
De acordo com a Câmara, isso acontece porque as companhias aéreas não estão colaborando no envio dos dados, como o nome dos passageiros, a data dos voos e os trechos voados, a serem incluídos no sistema de informática utilizado pela Casa. Algumas empresas, explica a assessoria, sequer repassaram as informações solicitadas.
A Câmara diz que está em negociação com as companhias e promete resolver o problema até novembro. Desde julho, a Casa retém o pagamento das empresas aéreas para pressioná-las a enviarem os dados conforme suas especificações. O valor devido, até agora, é mantido em sigilo.
Companhias se defendem
Mas as companhias aéreas não endossam a versão da Câmara. A assessoria da Gol, por exemplo, negou a existência de problemas nos dados. “Todas as vezes que nos passaram informação, nós repassamos imediatamente”, informou a empresa.
A assessoria da companhia sustenta que tudo foi feito conforme as solicitações dos deputados. “Inclusive usamos o modelo definido em portaria da Câmara. Não existe nenhuma forma de nós não entregarmos. Essa portaria está sendo atendida plenamente. Estamos seguindo rigorosamente os pedidos da Câmara”, acrescentou a assessoria de imprensa da Gol.
Funcionários da companhia Webjet isentaram a empresa de responsabilidade e reclamaram da Câmara. “Colocar a culpa nas empresas é fácil”, ironizou um deles, que pediu para não ser identificado. Segundo esse mesmo funcionário, todos os dados foram repassados em papel para a Câmara, mas, somente agora os parlamentares passaram a exigir a entrega por correio eletrônico, o que começou a ser feito na última terça-feira (27). “Se o problema era esse, está resolvido”, diz.
Informalmente, funcionários da TAM disseram que existe um problema de compatibilidade de sistemas entre a companhia e a Câmara. Mas afirmaram que tudo será resolvido no dia 14 de novembro, quando um novo sistema de informática passará a funcionar. As assessorias da TAM e da Oceain Air não retornaram os pedidos de informação do site.
Farra das passagens
A partir do dia 16 de março, o Congresso em Foco começou a mostrar ao país que deputados e senadores de todos os partidos, líderes de bancada, ministros, ex-parlamentares, integrantes da Mesa Diretora, como o presidente da Câmara, todos usavam como queriam passagens aéreas pagas com dinheiro público. Até artistas de TV e cantores gospel foram transportados com a cota parlamentar. Pelo menos 261 congressistas viajaram para o exterior.
As revelações mostraram que até o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, voou para o exterior com recursos públicos. As investigações mostraram que ele foi vítima de um esquema, pelo qual 44 servidores da Câmara foram processados administrativamente outros seis deputados, investigados.
Como efeito da série de reportagens, vários parlamentares devolveram o dinheiro gasto, Senado e Câmara mudaram as regras de uso de passagens para reduzir as despesas e, ao mesmo tempo, perdoar as práticas do passado, consideradas irregulares pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No entendimento dos ministros do TCU, a farra das passagens foi uma “afronta à moralidade administrativa”.
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