Uma das famílias mais tradicionais na política do Nordeste elegeu dois representantes nas eleições deste ano na Câmara dos Deputados. Tratam-se de Pedro Campos (PSB-PE), filho do ex-governador Eduardo Campos (1965-2014), e Maria Arraes (Solidariedade-PE). Pedro é bisneto e Maria é neta do também ex-governador Miguel Arraes (1916-2015). A eleição dos dois representa não só a renovação dos quadros familiares, mas também a união dos dois ramos da família, brigados, em torno do projeto do ex-presidente Lula (PT), que iniciará um novo mandato a partir de 2023.
Apesar do afastamento entre os Campos e os Arraes, tanto Pedro como Maria tiveram estratégias similares para conquistar a eleição: a aproximação com seus respectivos candidatos a governador. No caso de Pedro, ele foi favorecido pela força da máquina estadual. O PSB, que governa Pernambuco há quase 16 anos, o colocou na condição de puxador de votos para a Câmara. Mesmo não tendo o desempenho esperado, ele conquistou mais de 172 mil votos em sua estreia nas urnas. O seu candidato ao governo, o deputado federal Danilo Cabral (PSB-PE), saiu derrotado já no primeiro turno.
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Maria Arraes, assim como o primo, também teve a força da candidatura ao governo da irmã, a deputada federal Marília Arraes (Solidariedade-PE). Marília chegou a ser vitoriosa no primeiro turno, mas perdeu de virada o governo para a ex-prefeita de Caruaru Raquel Lyra (PSDB) no segundo turno. A ligação de Maria com a irmã a favoreceu na conquista dos seus mais de 104 mil votos. Marília perdeu a eleição, mas conseguiu manter a representação dos Arraes na Câmara.
Cenário difícil
De fato, o sobrenome de peso aliado à estrutura partidária garantiram a eleição dos primos em um cenário difícil. O índice de renovação da Câmara dos Deputados nestas eleições, segundo cálculo da Secretaria-Geral da Mesa (SGM), foi de 39,38%. Apesar de ser uma queda em relação à renovação da última eleição, que foi recorde e ficou em 47,37%, eles disputaram no campo da esquerda que levou desvantagem quando comparado aos aliados do presidente Bolsonaro (PL), que mesmo derrotado nas urnas, garantiu amplos espaços no Congresso.
As similaridades dos primos, no entanto, ficam por aí. Nem sempre os Arraes concordaram com a forma como Eduardo Campos, e posteriormente seus aliados depois de sua morte, em 2014, conduziam o PSB. Eduardo, que também era neto de Arraes, não via com bons olhos, por exemplo, a eleição da prima Marília à Câmara dos Deputados. Os dois se separaram e Marília terminou indo para o PT. Em 2022, quando Marília Arraes disputou a Prefeitura do Recife pelo PT com o primo João Campos (PSB), que era deputado federal e irmão de Pedro Campos, ficou visível ainda mais o racha familiar.
Foi só nas eleições deste ano, com Marília indo ao segundo turno ao governo de Pernambuco, que o PSB reatou com a família Arraes. Em conversa com o Congresso em Foco, tanto Pedro como Maria desconversam sobre a costura de Lula para a união dos ramos familiares. Ambos falam que se tratou de um “momento político que exigiu união” em torno do agora presidente eleito. Lula, em agenda de campanha no Recife no segundo turno, conseguiu algo impensável até pouco tempo: uma foto com Marília e João de mãos dadas.
“Foi um posicionamento político muito importante que o PSB tomou guiado por norte do ex-presidente Lula. A nota do partido fez questão de dize que nós estávamos apoiando à candidata de Lula [Marília Arraes]. Era importante firmar essa posição política, onde Lula estivesse, estaríamos nós também, independente das diferenças e da questão local que existiu em outras eleições”, diz Pedro, que dos irmãos, é o que mais tem semelhanças físicas com o pai ex-governador.
“Todos os agentes que estavam envolvidos naquela ocasião, no segundo turno, a gente precisava reunir no palanque progressista. Lula, obviamente, como líder nacional e como candidato a presidente, contribuiu, mas foi uma coisa que veio na realidade muito do conjunto como um todo e como os palanques tinham se dado naquele momento”, defendeu Maria, sobre a reunião das famílias. “Política é muito cíclico. Um mês muda na política, imagine dois anos? […] De um lado tinha um palanque de extrema-direita e do outro lado tinha o palanque de Lula”, justificou.
Prioridades dos mandatos
Pedro Campos, de 27 anos, é engenheiro civil formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Chegou ao serviço público por concurso ao assumir a função de analista de saneamento da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), uma estatal do governo de Pernambuco. Também trabalhou na França no consórcio responsável pela iluminação pública e sinalização de trânsito da cidade de Paris. Assim como a prima, ele pretende realizar um mandato focado no que chama de “urgências”, em outras palavras, pautas sociais.
“Fiz um processo de escuta muito grande da sociedade, andando em feiras, comércio, na casa do povo… As prioridades são as urgências. No momento em que a gente vive no Brasil, com 30 milhões de brasileiros passando fome, existem algumas pautas que são urgentes que não dão para esperar”, disse o futuro parlamentar ao Congresso em Foco. “Qualquer um que chegue lá [Câmara] tem que começar a discutir a fome, o desemprego e algumas outras questões relacionadas ao poder de compra das pessoas. Aí entra o aumento do poder de compra do salário mínimo e a estrutura tributária do país, e outras formas de que assegure que as pessoas ganhem seja necessário para sobreviver”.
O filho de Eduardo Campos cita, por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que segundo ele, chegou a ter R$ 1 bilhão em orçamento e hoje está na casa dos R$ 60 milhões anuais. “O carro-chefe [de pautas para o futuro, além das urgências] é a educação, símbolo da atuação do meu pai e do PSB em Pernambuco, é o caminho para que daqui a 20, 30 anos a gente não discuta essas mesmas pautas e que as pessoas sejam protagonistas”.
Já Maria Arraes, 28 anos, é advogada. Ela é formada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e é especialista em Administração Pública. Antes de ingressar na disputa para a Câmara dos Deputados, atuou durante seis anos na área do direito nas esferas pública e privada. Para ela, os primeiros anos de atuação na Câmara serão para unir esforços em torno do que ela chama de reconstrução do desmonte de políticas sociais realizadas no governo Bolsonaro.
“Minha maior expectativa chegando em Brasília é resgatar os direitos trabalhistas e previdenciários. Eu acho que a gente precisa fazer isso e garantir que leis, que já foram aprovadas no Congresso, como a Lei da Dignidade Menstrual, sejam cumpridas”, disse a futura parlamentar ao Congresso em Foco.
Maria chama atenção para o esforço que a base de Lula terá no Congresso para aprovar pautas de interesse do governo. Ela diz que estará aberta ao diálogo, inclusive, com bolsonaristas. “Quem não tem essa disposição não deve estar nem na política. É necessário esse diálogo. Pernambuco mostrou um viés de direita. Os dois deputados mais votados no estado são bolsonaristas [André Ferreira, do PL, e Clarissa Tércio, do PP], mas a gente não pode esquecer também a vitória que teve”, avaliou a neta de Arraes.
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