Aqui tratamos do que fez o bolsonarismo no Congresso Nacional em 2023 e as perspectivas que decorrem dessas ações.
Em primeiro lugar deve-se considerar que o Congresso divide-se hoje, grosso modo, em três grupos distintos. A esquerda/centro-esquerda, com cerca de um quinto da composição total. Esta não detém o comando das casas mas, como braço de atuação do Poder Executivo, atua para colocar em pauta os planos do governo. Viu-se em 2023 um avanço significativo das propostas encabeçadas pelo ministro Fernando Haddad.
O bolsonarismo, também com cerca de um quinto da composição. Dominante sobretudo no PL, conseguiu algumas concessões dos presidentes das casas, como a instalação de CPIs – do 8 de janeiro, do MST – e tem alguma capacidade de pressão, como se vê na prensa ao STF, embora não sejam decisivos devido ao seu próprio número.
Os três quintos restantes do Congresso compõem-se dos partidos chamados de “centrão”. É importante, contudo, caracterizá-los. Esse grupo vai desde o MDB, passa pelo PSD e chega, mais à direita, ao PL e aos Republicanos. Embora de formas distintas, tanto a esquerda quanto o bolsonarismo têm na ideologia, no discurso de grandes temas, um canal de contato com seu eleitorado. Os partidos do “centrão” não. O padrão é que detenham uma ideologia difusa, embora mais à direita em assuntos econômicos e administrativos e conservadora nos aspectos morais. A ação política do grupo, dessa forma, centra-se em sua capacidade de articular as velhas e conhecidas redes de acesso ao estado. Daqui se entende porque tanto valorizam o acesso a cargos e o controle do orçamento. O “centrão” é a consequência política de uma nação de desenvolvimento econômico mediano que distribui bens públicos escassos na base das relações pessoais de fidelidade e não na dimensão dos direitos. Aqui vale desde a definição de onde passará uma estrada até as redes clientelísticas que acabam em corrupção.
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Definidos os espaços, pode-se dizer que a esquerda adotou a postura de defender as realizações do governo e apoiar pautas prioritárias que vieram sobretudo da área econômica. O “centrão” deu continuidade ao processo que vem desde a presidência de Eduardo Cunha, avançando sobre o controle do orçamento e barganhando caso a caso com o governo itens da pauta. Já o bolsonarismo, que nos interessa aqui mais detidamente, investiu forte nos discursos e tomada de posição que mexem com o emocional de seu eleitorado.
Banheiro unissex, proibição do “casamento gay”, ataques aos comunistas, aos que querem liberar as drogas, aos que querem permitir o aborto, chamados ao resgate da religião, pilhérias como “Lula descondenado”, “Lula ladrão”, “aquele presidiário”, indignação com restrições às armas, saudações às “pessoas de bem” e por fim despedidas como “Deus salve o Brasil!”, “Deus tenha misericórdia do Brasil!” e similares. Afora isso, os bolsonaristas embarcam nas pautas apoiadas pela maioria conservadora e silenciosa, como apoio a qualquer medida que baixe impostos e o ataque ao marco temporal.
Quem acompanha o movimento em torno dos microfones do Congresso verá que, pela primeira vez em muito tempo, a esquerda encontrou um adversário que discursa muito e procura inflamar seu eleitorado todo o tempo. Vale dizer também, muitos dos discursos e falas são preparados para gerar filmetes e falas de efeito que alimentarão as redes sociais. De fato, um novo personagem na paisagem legislativa é o assessor com celular na mão filmando ininterruptamente os parlamentares em busca de algum momento que possa ser “postado”. É como se o Big Brother tivesse ganhado cem mil mãos dentro do Congresso.
Em termos de um projeto político que discuta políticas públicas e estratégias para a ação do estado no desenvolvimento do país, nada do que o bolsonarismo faz nos permite vislumbrar alguma propositura consequente. Isso levanta a questão do imenso vazio que a direita responsável, com projeto para o país, enfrenta na política. Um projeto como o que se viu no governo FHC, por exemplo, está totalmente órfão de lideranças. Para um empresariado que não concorde com o governo do PT, hoje o cenário lhes oferece uma direita fisiológica tradicional, que sobrevive apenas de secundar projetos alheios, ou a aventura desarticulada e perigosa que vivemos entre 2019 e 2022.
Embora não ofereça um diálogo com as questões centrais de educação, saúde, desenvolvimento econômico, ambiental etc., o bolsonarismo está vivíssimo e sua ação no Congresso faz sentido eleitoral. É inegável que os discursos moralistas e a escatologia que abundam em suas manifestações dialogam com uma massa enorme de eleitores, os quais são efetivamente representados em suas preocupações mais salientes. O bolsonarismo dialoga com o “espírito do tempo”, a indignação, o fracasso da esperança, a corrupção no sentido espiritual, pois é a nação que se corrompe. Seu conteúdo é puramente emocional e se alastra na indigência cívica atávica do brasileiro.
Assim, a viabilidade eleitoral do bolsonarismo em 2026 é real. Para muitos deputados, sua estratégia de ação é corretíssima. Eles têm conseguido mobilizar diuturnamente seus nichos de eleitores. A extrapolação para vitórias majoritárias significativas, contudo, exige que o governo e seu núcleo de centro-esquerda caiam sobre as próprias pernas. A desconexão e fragilidade real do discurso bolsonarista, embora popular, obriga que sua vitória passe pela fraqueza do adversário.
Projeta-se que Lula consiga construir alianças dentro do mundo político visando 2026, mas a penetração no eleitorado não encontrará facilidade. Um bom desempenho do governo fará com que aquela margem pequena que lhe garantiu vitória em 2022 permaneça ao seu lado. Crises, contudo, podem abrir a porta ao bolsonarismo no plano federal. Assim o futuro do bolsonarismo depende do desempenho de Haddad, que paradoxalmente é atacado pelo PT mas vem contando com muitos votos da direita e dos conservadores em seus projetos fiscais.
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