Há duas semanas, o ministro de Relações Institucionais da Presidência, Alexandre Padilha, procurou o líder da Maioria no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), para um pedido de ajuda. Padilha reconhecia: “Caímos numa armadilha com relação a Arthur Lira. Precisamos fazer alguma coisa”. Essa conversa é a origem das articulações que levaram à formalização do bloco que une o MDB, o PSD, o Podemos, o Republicanos e o PSC. O bloco se torna a maior bancada da Câmara, com 142 deputados. E é uma reação direta aos superpoderes do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A criação do bloco está relacionada à briga entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em torno do rito de tramitação das medidas provisórias (MPs). Ao forçar a mão para manter a tramitação acordada durante a pandemia de covid-19, dispensando a formação das comissões mistas de deputados e senadores, Lira concentrava o poder na Câmara. E vinha valendo-se da força de comando que tem sobre o Centrão para impor a sua vontade.
A conversa entre Padilha e Renan deu o primeiro passo da reação. “Eu tenho a questão de ordem sobre o rito de tramitação. Se vocês apoiarem, podemos fazer Rodrigo Pacheco decidir sobre ela”, disse Renan. Ele se referia à questão de ordem feita por ele e pelo líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), que questionava a manutenção do rito usado na pandemia.
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No auge da pandemia, Câmara e Senado estavam se reunindo de maneira virtual. Para facilitar a tramitação das medidas provisórias, foi feito um acordo que dispensava a formação das comissões, levando a apreciação diretamente para os plenários das duas Casas. Na prática, porém, isso significou que a Câmara ficou segurando as MPs até a última hora, deixando ao Senado somente a tarefa de ratificá-las, já que modificá-las poderia significar fazer as medidas caducarem.
Com o retorno do ritmo normal do Congresso, Rodrigo Pacheco quis retornar ao rito normal com as comissões. Até porque esse é o rito previsto na Constituição. Mas Lira reagiu. A questão de ordem fez Pacheco, então, decidir pelo retorno do rito normal. Mas Lira continuou reagindo. Estabeleceu que votaria somente as MPs de maior urgência (que criam os ministérios e o novo formato do governo, e recriam o Bolsa-Família e o Minha Casa, Minha Vida). O restante o governo teria de refazer como projeto de lei.
A reação de Lira mostrava que ele não estava disposto a ceder. Essa conclusão precipitou a formação do bloco. A criação de uma bancada maior que poder de Arthur Lira parecia a única forma de reequilibrar o jogo na Câmara.
Tudo em silêncio
No segundo passo da manobra, a estratégia saiu das mãos de Renan e passou para as mãos dos presidentes do PSD, Gilberto Kassab, do MDB, Baleia Rossi, do Republicanos, Marcos Pereira, e do Podemos, Renata Abreu.
A estratégia de formação do Blocão começou a ser amadurecida desde o final da semana passada e no início desta semana. Os líderes dos partidos envolvidos combinaram que tudo deveria evoluir no maior silêncio possível. A recomendação era que mesmo conversas pelo Twitter fossem evitadas para que nada vazasse. Todas as conversas tinham de ser privadas e somente entre os diretamente envolvidos.
A ideia de criar um grande bloco, que naquele momento incluiria também o PT, chegou a ser discutida antes do início da nova legislatura. Na ocasião, porém, o PT evitou a formação do bloco com medo de reações fortes de Arthur Lira. Sem muita certeza sobre o real tamanho do poder de Lira, o PT optou por apoiar a sua reeleição para a presidência da Câmara, adiando a ideia do bloco. Lira acabou sendo reeleito quase por unanimidade, com impressionantes 464 votos entre os 513 deputados.
No momento de formação das comissões, novamente adiou-se a ideia do bloco para outra vez evitar maiores reações. As comissões são definidas de forma proporcional. Pelo acordo, o bloco do PP e do PL teria a prerrogativa das escolhas, já que tudo é feito de forma proporcional. Um acordo deu ao PT o comando da principal comissão, a de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pelo deputado Rui Falcão (SP). O bloco poderia atrapalhar esse acordo.
Mas o episódio das MPs levou o governo a constatar que Lira estava com poderes demais. Queria definir o rito de tramitação das MPs, que são atribuição do Congresso. O presidente da Câmara nem faz parte da Mesa Diretora das sessões do Congresso, que são presididas pelo presidente do Senado e têm como vice o primeiro vice-presidente da Câmara, que é o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP).
Reequilíbrio e Orçamento
Como Lira ameaçava fazer com que os líderes não indicassem deputados para as comissões mistas das MPs, a criação do Blocão visa reequilibrar o jogo. O novo bloco de 142 deputados torna-se a maior bancada, passando a ter mais força na correlação, ainda que admita que alguns deputados mais oposicionistas, especialmente no Republicanos, não sigam a orientação. O líder do bloco será o deputado Fábio Macedo (Podemos-MA), aliado do ministro da Justiça, Flávio Dino.
O Blocão reequilibra o jogo não apenas com relação às MPs. Como maior bancada, o novo bloco passará a ter a maioria nas comissões temáticas, mesmo não tendo o comando delas. Acredita-se que isso atenuará a força da oposição nas comissões que ela comanda, como a de Segurança Pública.
E cria especialmente um entrave para os planos futuros de Lira. Especialmente aqueles que se referem ao que os deputados chamam de “propriedade da chave do cofre do Orçamento”. Como maior bancada, o Blocão poderá agora vir a reivindicar a próxima relatoria da Comissão Mista de Orçamento.
E, se for mantido até o final do mandato de Lira, sai na frente para vir a reivindicar a própria presidência da Câmara daqui a dois anos.
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