O que você faria se de repente em sua conta bancária aparecesse um saldo de 500 bilhões de reais? Sim, não estou falando de R$ 500 milhões. Nem de R$ 500 mil. Nem de R$ 50 mil. Nem de R$ 5 mil. Estou falando é de 500 BILHÕES. De reais!, uma quantidade de dinheiro tão grande que nem o Google ou o ChatGPT, que consultei há pouco, sabem dizer o que seria possível fazer com ele. Pois essa é a grana que uma senhora chamada Alice Walton, dona da rede de varejo Walmart, tem na conta dela neste exato momento. Convenhamos: com uma grana dessas dá pra tomar uns três chopes e até pedir uma porção de batatas fritas, não dá?
A senhora Alice Walton é uma grande benfeitora. Ah, é… A Forbes estima que ela, única filha do cofundador do Walmart, Sam Walton (falecido em 1992), já tenha doado US$ 1,5 bilhão durante sua vida. O resto do dinheiro? Ela não gasta de jeito nenhum. Nem pra tomar um chope com batatas fritas…
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Alice Walton é um ótimo exemplo de acumulação, uma das mais repugnantes faces do capitalismo. E olha que é considerada uma grande doadora, a maior dos Estados Unidos, provavelmente do mundo. Miss Walton, como a maioria dos americanos, sobretudo os eleitores de candidatos como Donald Trump, dia e noite trabalha para ganhar cada vez mais, acumular cada vez mais. E pra quê? Pra fazer que nem o Tio Patinhas: ficar sentada em cima da montanha de dinheiro, completamente indiferente, por exemplo, à fome que aflige 783 milhões de pessoas no mundo. Sabe o que significa esse número de famintos? Pois é quase o dos habitantes de quatro países do tamanho do Brasil.
Nem por isso nosso Congresso Nacional se sensibilizou com a sorte dos 50 milhões de brasileiros que neste momento simplesmente não têm o que comer. Segundo os dados mais recentes, a concentração de renda no Brasil só faz crescer. Pra ter uma ideia, 1% dos mais ricos ganham 40 por cento a mais do que os 40% de pobres que ganham menos.
O Congresso Nacional se lixou para esse problema na semana passada. Numa votação em quem se tentou elevar o percentual de impostos dos mais ricos, enquanto os partidos de esquerda votaram em peso pela taxação das grandes fortunas, o PL de Bolsonaro, o Republicanos de Tarcísio de Freitas, o PSD de Kassab e o União Brasil de Caiado votaram a favor de garantir os privilégios dos ricos. E os pobres que se virem pra continuar pagando a mesma carga fiscal que os ricos pagam. A notícia da votação passou praticamente batida na grande imprensa. Uma nota aqui e outra ali foi o pouco que saiu a respeito de um tema que tem a ver simplesmente com a diferença entre estar vivo ou morto de fome ou de doenças, enquanto uma casta de tio patinhas se lambuza em dinheiro. Dinheiro que só tem sido usado pra gerar… mais dinheiro.
Uma pesquisa rápida no Google indica que o homem mais rico do Brasil é Eduardo Saverin, com uma fortuna de US$ 28,3 bilhões (R$141,5 bilhões de reais), por conta de sua participação na Meta Plataformas. Ele é um dos cofundadores do Facebook, ao lado de Mark Zuckerberg. Adivinha quanto ele doou a alguma causa social no Brasil? Nem uma moeda de 5 centavos. Mas aplicou em Singapura, lá onde ele vive, US$ 15,5 milhões (cerca de R$ 85 milhões) para a Singapore American School (SAS). Para ele, apenas um troco. Continua encarapitado numa montanha de dinheiro.
Por tudo isso, a rejeição da proposta que criava o Imposto sobre Grandes Fortunas (a partir dos R$10 milhões) é um escárnio a quem luta pela redução das desigualdades de renda no país. E olha que o percentual do imposto seria mínimo: 0,5% para bens entre R$10 milhões e R$40 milhões, de 1% para bens acima de R$40 milhões e de 1,5% acima de R$80 milhões. A deputada Eliza Virgínia (PP-PB), que votou contra, apresentou uma alegação apenas ridícula se não fosse trágica no discurso que fez contra o destaque: “As pessoas parecem (sic) que têm inveja de quem é rico no Brasil (…). Quanto mais fortunas mais emprego existe e as pessoas vão crescendo igualitariamente”. Não, você não leu errado: foi isso mesmo que ela disse, com todas as letras: que quanto maior a riqueza acumulada, maior é o crescimento “igualitário” da população. Pode rir que eu espero.
Parou de rir? Então podemos concluir.
Claro que o assunto é complexo. Claro que a taxação de grandes fortunas pode fazer com que os ricos mandem seu dinheiro para outros países. E claro que é sempre possível encontrar uma forma de mantê-lo aqui, mesmo com uma taxação social sobre ele. É hora de os economistas colocarem a cabeça pra funcionar. Uma saída há de haver.
A preocupação com a função social da propriedade não é de hoje. Lá em 1891, o papa Leão 13 lançava a encíclica Rerum Novarum, afirmando que a propriedade, inclusive dos meios de produção, é um direito natural, mas tem uma função social. Consagrou-se desde aquela época nas encíclicas que se seguiram, entre as quais Quadragesimo Anno, Mater et Magistra, Gaudium e Spes, Populorum Progressio, Laudato Si, uma frase que vem sendo repetida: sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social. E olha que Leão 13 nem falou na perniciosidade da acumulação de dinheiro por alguns em detrimento dos mais necessitados. Apenas que a propriedade não deve servir exclusivamente aos interesses do dono, mas também gerar benefícios para a comunidade.
Caudatários do sistema de castas que se implantou no país desde o período escravagista, vimos garantindo os privilégios de poucos. Como diz o presidente do Instituto Nacional Afro-Brasileiro Ronald Siqueira Barbosa, “valorosos e aguerridos líderes gastam tempo precioso discutindo racismo e intolerância, enquanto a carruagem passa e as riquezas produzidas ficam nas mãos de poucos”. O que só eleva as desigualdades.
O próprio planeta está em franca decadência ambiental em razão da ganância dos poucos ricos que desrespeitam as regras mais básicas de cuidados com a terra, as águas e o ar. O resultado é alguns ganhando caminhões de dinheiro enquanto o planeta se degrada a olhos vistos. Hora de lembrar o que diz o filósofo Leonardo Boff: “Ou mudamos ou vamos engrossar o cortejo daqueles que rumam na direção de sua própria sepultura”.
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