Aline Dias Paz
Quase metade dos deputados federais faltou a pelo menos uma das 11 votações realizadas até agora no plenário da Câmara para julgar processos de perda de mandato de parlamentares acusados de envolvimento com o mensalão. É o que mostra minucioso levantamento feito pelo Congresso em Foco durante as últimas duas semanas.
O total de faltosos atingiu a marca de 239. Ou seja, 46,6% dos 513 parlamentares que compõem a Câmara. Excluindo quem justificou as faltas por motivo de tratamento de saúde, 217 deputados – 42,3% do total – deixaram de comparecer às votações de perda de mandato.
Nada menos que 152 desses 217 ausentes (70%) pertencem a partidos da base governista. Os campeões de ausências, em número de deputados, são o PMDB, o PT e o PTB. Nesses três partidos, registraram-se, respectivamente, 39, 33 e 26 parlamentares faltosos. Os demais ausentes na base governista distribuíram-se da seguinte forma: 21 do PP, 18 do PL, 11 do PSB e 4 do PCdoB.
Apesar do predomínio de faltas na base governista, dois partidos da oposição apareceram com expressivo número de deputados ausentes às votações: o PFL, que ficou em quarto lugar em total de ausências, com 23 parlamentares faltosos; e o PSDB, que, com 18 ausentes, empatou com o PL no sexto lugar.
Veja aqui os dados completos da distribuição das ausências por partido.
Dor de barriga e campanha política
O Congresso em Foco enviou e-mail para todos os deputados ausentes para lhes oferecer a oportunidade de explicar suas faltas. O recebimento das mensagens foi confirmado com cada gabinete. No caso dos campeões de ausência, também insistimos em buscar explicações por meio de telefonemas aos parlamentares e seus assessores. Muitos optaram por não se manifestar.
Outros apresentaram justificativas as mais diversas. Elas vão desde um temporal em Brasília que atrapalhou o pouso do avião até a razão alegada por um integrante da bancada pernambucana, que invocou motivo um tanto incomum. Pedindo para não ser identificado, disse que, em 8 de março, uma dor de barriga arrebatadora o impossibilitou de permanecer em plenário.
À exceção de casos como esses, a maioria das razões apresentadas foi genérica: o parlamentar tinha "compromisso no estado" ou "reuniões de bancada" para tratar das eleições de outubro.
O que se nota nas justificativas é que, freqüentemente, o interesse eleitoral fala mais forte no momento de decidir entre comparecer às votações na Câmara ou participar de atividades que podem contribuir para a reeleição do parlamentar. O deputado Luiz Bittencourt (PMDB-GO), por exemplo, deixou de votar uma vez para prestigiar a inauguração de obra a convite do governador do estado. Em outra oportunidade, esteve um uma reunião política na cidade de Catalão. O deputado goiano teve ainda outras duas ausências, justificada por razões médicas: elas se deveram a uma cirurgia no joelho.
Já o tucano Paulo Feijó (RJ) teve de ausentar-se por cinco sessões porque estava em campanha pela prefeitura da cidade de Campos do Goytacazes. Campanha política também afastou o deputado Nelson Proença (PPS-RS) da votação do dia 14 de dezembro. "Serei candidato ao governo gaúcho e nessa data estive participando de um evento em Caxias, momento decisivo da campanha", disse o parlamentar.
O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que deixou o Conselho de Ética após a absolvição do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), defende um comportamento diferente: "Minha opção é não faltar a votações por causa de compromissos partidários. Sou da Comissão do Mercosul, recebi dois convites para ir a encontros, mas abri mão, porque acredito que o voto é mais importante. Meu compromisso é com a Constituição".
Campeões de falta não falaram
Alguns não apenas deixaram de votar como demonstraram pouco interesse em explicar suas faltas. O Congresso em Foco entrou em contato telefônico com as assessorias de todos os deputados que apresentaram mais de cinco ausências não justificadas por motivo de saúde. O deputado Enio Tatico (PTB-GO) computou nove faltas, sendo duas delas justificadas com atestado médico e quatro como missões oficiais. As outras três restantes estão sem justificativa na página do petebista. O parlamentar não respondeu a nenhuma das ligações do site. Seu gabinete disse apenas que as faltas se deram em razão de compromissos no interior de Goiás.
Igualmente, o deputado Nicias Ribeiro (PSDB-PA) foi procurado insistentemente por mais de uma semana, mas não retornou as ligações para falar das suas sete faltas (uma delas justificada por atestado médico). A assessoria do parlamentar não explicou do que tratavam as missões oficiais que fizeram com que ele se ausentasse, informando apenas que "a maioria foi compromisso no estado". A assessoria também não soube explicar por que o deputado registrou presença em uma sessão, mas não votou.
Raquel Teixeira (PSDB-GO) estava em licença médica no momento em que esta reportagem foi apurada. Sua assessora limitou-se a dizer que as sete faltas da deputada ocorreram por causa de compromissos no estado e com a bancada estadual.
A assessoria do deputado Francisco Appio (PP-RS) justificou as seis faltas por meio de correio eletrônico. Em 14 de dezembro passado, "o deputado chegou a marcar presença, mas teve que viajar para participar de uma reunião na Assembléia Legislativa do estado do RS, sobre pedágios". As missões oficiais ocorreram nos dias 8 e 22 de março, quando quatro processos de perda de mandato foram votados. O deputado participou de reunião do SOS Caminhoneiro, no interior do Rio Grande do Sul e esteve presente na posse da presidência da Federação da Agricultura do RS, setor que ele defende. Não participou da votação do processo do deputado Pedro Corrêa (15/03), pois viajou para acompanhar a mulher em procedimento médico.
O deputado Mauro Passos (PT-SC) não foi encontrado, e a assessoria não retornou as ligações. Na página do deputado no site da Câmara, quatro faltas são atribuídas a "missão oficial" e em duas sessões, ele esteve presente, mas não votou.
Presentes, mas ausentes
Outro fato significativo detectado pelo levantamento foi, exatamente, a quantidade de deputados que registraram presença nas sessões, mas não votaram. Isso quer dizer que eles estavam na Casa, mas abriram mão de se manifestar sobre a cassação de parlamentares. No total, 88 parlamentares agiram assim.
Nesse caso, em número de deputados, o PT foi o campeão de faltas: 19 petistas deixaram de votar, embora tenham registrado presença em sessões nas quais a Câmara deliberou sobre a cassação de parlamentares acusados de envolvimento com o mensalão. Em ordem decrescente, também se destacaram o PMDB (18 deputados), o PTB (13), o PSDB (11), o PP e o PFL (os dois últimos com 9 parlamentares cada).
Saiba quais os deputados que deixaram de votar, mesmo estando presentes na Câmara.
Proporcionalmente, o PTB, partido do ex-deputado cassado Roberto Jefferson (RJ), do absolvido Romeu Queiroz (MG) e do presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (SP), foi quem apresentou maior número de parlamentares que se enquadram nessa situação: 30,95%, ou seja, 13 dos 42 deputados da bancada. O segundo lugar ficou com o PT, partido dos absolvidos Professor Luizinho (SP), João Magno (MG), João Paulo Cunha (SP) e do cassado José Dirceu (SP): 23,45%. O terceiro lugar ficou com o PMDB (21,68%). A quarta posição é da bancada tucana: 11 dos seus 57 deputados (19,29%) não votaram, apesar de terem registrado presença.
O novo líder do PMDB, Wilson Santiago (PB), é um dos integrantes dessa lista dos "presentes ausentes". Ele deixou de votar duas vezes, mesmo estando na Câmara. "Sempre acontecia uma urgência e ele tinha que se ausentar", justificou a assessoria do deputado. Uma dessas urgências aconteceu por causa da complicada escolha do novo líder peemedebista na Câmara.
A ausência no momento da votação não indica necessariamente que o parlamentar teve a intenção de beneficiar o colega sujeito à cassação. A deputada tucana Zulaiê Cobra (SP), por exemplo, alega que perdeu a votação do processo contra o deputado Pedro Henry (PP-MT) por causa de uma reunião com prefeitos do interior de São Paulo. Os deputados Nilton Capixaba (PTB-RO) e Neuton Lima (PTB-SP) disseram que estavam em reunião ministerial e não voltaram a tempo de votar.
Em qualquer hipótese, porém, ao deixar de participar das votações de perda de mandato, além de descumprir sua óbvia obrigação de tomar parte das decisões da Câmara, o deputado dificulta a obtenção do número mínimo de votos necessários para cassar um parlamentar que feriu o decoro parlamentar, 257 (metade mais um do total de deputados federais).
O quorum baixo beneficia quem corre o risco de perder o mandato. Um exemplo foi a votação do processo contra Wanderval Santos (PL-SP). Compareceram 444 deputados aptos a votar (além do presidente da Casa, que só vota em caso de desempate). As 68 ausências registradas foram fundamentais para evitar a cassação de Wanderval. Foram 242 votos pela perda de mandato, 15 a menos que o necessário para que ele fosse cassado.
"Quem não vota, vota pela absolvição"
Para o deputado Júlio Delgado, quem registra presença e não vota está a favor das absolvições. "Aqueles deputados que votaram secretamente, se resguardaram de expor o voto. Mas quem está presente e não vota, vota em aberto, se declara pela absolvição. Desse jeito fica difícil atingir 257 votos. É conivência", condena.
Sobre o fato de parlamentares da base governista serem os que mais se ausentaram, Delgado dispara: "Não tem como a gente provar a existência de acordos entre partidos e nunca afirmei que eles seriam orquestrados pelos líderes das bancadas. Mas os acordos existem. Acontecem entre os deputados em processo de cassação e eles articulam entre si uma troca de favores em suas bancadas. A relação pessoal dentro da Câmara vale mais que a imagem da instituição".
O líder da bancada do PTB, José Múcio Monteiro (PE), defende o partido da suspeita de participação em um eventual acordo. "Deputado faltar uma vez é indício de acordo? Não há conluio nenhum", diz. Ele afirma que a orientação do partido é seguir o parecer do Conselho de Ética. "Em apenas duas ocasiões, nossa orientação foi diferente: nas cassações do Roberto Jefferson e do Romeu Queiroz, deputados da bancada, votamos contra o parecer. Inclusive, eu fui à tribuna e discursei a favor deles", conclui o líder.
Júlio Delgado relata ter visto algo diferente pelos corredores da Câmara. "Ouvi de muitos deputados que o Conselho de Ética não estava ouvindo o Plenário. Mas é exatamente o contrário! O Conselho que é o órgão orientador", diz.
O deputado continua: "O Plenário prefere ver a presença dos mensaleiros convivendo com os outros deputados, contaminando o ambiente. Tomando a última sessão como exemplo, o João Paulo Cunha está no nosso meio e eu vejo claramente uma profunda diferença entre nós. Não sou igual a ele", ressalta.
Assim como Delgado, oficializaram a saída do Conselho de Ética após a absolvição do ex-presidente da Casa João Paulo Cunha os deputados Chico Alencar (Psol-RJ), Benedito de Lira (PP-AL), Orlando Fantazzini (PSOL-SP), Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Cezar Schirmer (PMDB-RS). "O Plenário falou uma, duas, três vezes que nós, do Conselho de Ética, fomos recusados, fracassados", desabafa Delgado.
O parlamentar não acredita em cassações futuras. "Daqui pra frente, como é ano de Copa do Mundo e eleição, a tendência é do quorum continuar baixo, desqualificado. E acreditar que condenações vão ocorrer é acreditar em coelhinho da Páscoa", afirma.
Critérios do levantamento
Para a análise, foi considerada a freqüência dos deputados atualmente em exercício do mandato nas 11 ocasiões em que a perda de mandato de parlamentares envolvidos no esquema do mensalão foi apreciada. Não foi considerada a assiduidade dos suplentes em exercício do mandato durante essas sessões. Todos os dados constam do portal da Câmara na internet, onde também são identificados os parlamentares que faltaram por licença para tratamento de saúde ou por "missão oficial autorizada".
Os critérios para a definição do que seja uma "missão oficial" são bastante amplos. Podem incluir compromissos em que o parlamentar representa a Casa no Brasil e no exterior, eventos religiosos, reuniões partidárias, inaugurações de obras no estado, campanha política, entre outros. As regras em vigor oferecem ainda outro privilégio ao deputado: ele pode justificar a ausência em sessões anteriores até o último dia do mandato.
Não é impossível que a licença médica seja utilizada como artifício para justificar a ausência de um parlamentar. O deputado José Janene (PP-PR), ele próprio acusado de envolvimento com o mensalão, há vários anos tem problemas cardiológicos. Somente após o Conselho de Ética da Câmara ter aberto processo contra ele, por quebra de decoro, ele se licenciou da Casa por motivos de saúde.
Outro fato que chama atenção é que alguns deputados só apresentam a justificativa da licença por motivos de saúde depois de se ausentarem das sessões. De todo modo, como as justificativas para tratamento de saúde se baseiam em laudo técnico, assinado por médico, o Congresso em Foco optou por excluir da relação de parlamentares ausentes aqueles que se encontravam em licença médica.
Tomando por base a lista disponível no portal da Câmara, o total remanescente de faltosos, após excluídos os que se encontravam em tratamento de saúde, foi de 218 deputados. Duas semanas após o Congresso em Foco publicar esta reportagem, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) – cujo gabinete havia sido procurado, sem dar retorno ao nosso pedido de explicações – entrou em contato com a redação para esclarecer que não faltou a nenhuma votação.
Cópia da lista de votação enviada pela Secretaria Geral da Mesa comprovou que, de fato, a Câmara errara ao incluir Faria de Sá entre os ausentes à sessão em que foi votada a cassação do Professor Luizinho (PT-SP). Assim, seu nome foi excluído da nossa listagem e foram atualizados os dados relativos às faltas por partido.
As 11 votações de perda de mandato analisadas envolvem os processos de Roberto Jefferson (PTB-RJ), em 14 de setembro do ano passado; Sandro Mabel (PL-GO) em 9 de novembro; José Dirceu (PT-SP), no dia 1º de dezembro de 2005; Romeu Queiroz (PTB-MG), em 14 de dezembro; Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP) em 8 de março deste ano; Pedro Corrêa (PP-PE) e Pedro Henry (PP-MT), no dia 15 de março; Wanderval Santos (PL-SP) e João Magno (PT-MG) em 22 de março e João Paulo Cunha (PT-SP), no último dia 5. Desses, apenas três foram cassados: Jefferson, Dirceu e Corrêa.
Veja a lista de todos os deputados que faltaram aqui, com suas respectivas justificativas.
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