Lúcio Lambranho, Edson Sardinha e Eduardo Militão
O deputado federal Fábio Faria (PMN-RN) mentiu ao afirmar – na noite de segunda-feira ao Congresso em Foco e, ontem pela manhã, a toda a imprensa – que já havia ressarcido a Câmara pelos gastos com passagens aéreas pagas a artistas que ele levou para o seu camarote no Carnatal.
Documentos obtidos pelo site desmontam a versão do deputado de que já havia ressarcido a Casa com as despesas das viagens dos atores Kayky Britto, Stephany Britto, Samara Felippo e outros convidados de seu camarote no carnaval fora de época de Natal (leia mais).
O caso foi revelado ontem (14) com exclusividade pelo Congresso em Foco. A apresentadora de TV Adriane Galisteu, ex-namorada do deputado, e outras celebridades também viajaram com dinheiro público. A mãe da apresentadora, Emma Galisteu, e um amigo dela tiveram a passagem de Miami a São Paulo pagas pela Câmara.
Duas Guias de Recolhimento da União (GRU) em nome do parlamentar, no valor total de R$ 21.343,60, foram entregues à Diretoria Geral da Casa apenas ontem à tarde. Uma foi paga às 15h09min08s no Banco do Brasil e outra 40 segundos depois.
O pagamento foi feito na forma de “devoluções do exercício anterior”. Os documentos se referem a despesas feitas pela Câmara no mês de dezembro de 2007, quando ocorreu o Carnatal, e ao processo administrativo da Câmara de número 111.837/09. O gabinete do deputado não informou o nome dos passageiros cujas despesas foram ressarcidas.
Clique aqui para ver os documentos
Em mensagem eletrônica enviada ao site na segunda-feira (13), às 21h31, a assessoria do deputado Fábio Faria dizia:
“Sobre a emissão de passagens aéreas em nome das três pessoas citadas pelo repórter com destino a Natal, na cota do gabinete de Fábio Faria (PMN), vimos informar que os valores já foram ressarcidos pelo deputado federal.” (grifo nosso) Veja a íntegra da mensagem.
Na manhã de terça-feira (14), após a publicação da reportagem, o próprio deputado distribuiu uma nota à imprensa. Um dos últimos parágrafos dizia:
“Quero informar que as falhas pontuais já constatadas foram devida e prontamente corrigidas, com o consequente reembolso à Câmara.” (grifo nosso) Veja a íntegra da nota.
Crimes
A devolução do dinheiro à Câmara não elimina o crime e, em vez de amenizar, piora a situação do deputado Fábio Faria. A avaliação é do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo. Segundo Cosenzo, Fábio corre o risco de ser denunciado à Justiça pelos crimes de improbidade administrativa e falsidade ideológica.
“Ao devolver dinheiro à Câmara, o deputado confessou que cometeu uma ilegalidade”, considera o promotor de Justiça de São Paulo. “A devolução do dinheiro não apaga o ato ilícito”, acrescenta. Cassação do mandato, perda dos direitos políticos por até oito anos, ressarcimento aos cofres públicos e multa são as punições para o agente público condenado por esse tipo de crime.
“Se o ressarcimento ocorreu depois da publicação da nota em que ele dizia que já tinha devolvido o dinheiro à Câmara, o deputado mentiu sobre um ato público. Isso configura crime de falsidade ideológica”, afirma Cosenzo. A punição, nesse caso, varia de um a cinco anos de prisão.
O presidente da OAB, Cezar Britto, condenou o uso indevido das cotas aéreas pelo deputado. “A Câmara tem de dar resposta imediata à opinião pública. O patrimônio público não pode ser gerido para fins particulares”, criticou.
Especialista em direito público e constitucional, o professor da PUC-SP Pedro Estevam Serrano disse que as cotas de passagens aéreas não podem ser usadas pelos parlamentares como bem entenderem. “O deputado não é dono das passagens. Aquela cota existe para auxiliá-lo no exercício do mandato”, observou.
Uma norma da Mesa da Câmara assinada pelo presidente Michel Temer (PMDB-SP) em sua primeira gestão garante aos 513 deputados uma cota mensal de passagens aéreas. O Ato 42, de 21 de junho de 2000, da Mesa Diretora, estabelece um crédito em viagens para os parlamentares conforme o estado de origem.
Por meio de sua assessoria de imprensa, Fábio Faria declarou no final da manhã de ontem que não havia ressarcido os gastos com as passagens aéreas usadas por sua então namorada, Adriane Galisteu, porque ela, na condição de sua companheira, poderia ser considerada “parente”.
O parentesco com parlamentar não garante direito a viajar às custas da Câmara a ninguém, afirmou Serrano. O professor explica que a cota só pode ser usada pelo deputado ou pelo estrito interesse público, como, por exemplo, para o transporte de algum assessor parlamentar em serviço. “Qualquer outra utilidade é contra a moralidade, a pessoalidade e a legalidade. A cota tem caráter funcional e, não, pessoal. Não pode ser usada por parentes”, declarou.
O constitucionalista disse que o argumento de que o ato normativo que regula a distribuição das passagens aéreas não é claro ao falar sobre o uso da cota por parentes de parlamentares não se sustenta. “Se a lei não está clara, é porque está proibido. No direito público, só se pode fazer aquilo que a lei autoriza. Só vale a vontade da lei. É o Estado da lei, não dos homens”, observou.
Para o presidente da OAB, o Congresso se enfraquece ao se omitir diante de denúncias dessa gravidade. “O maior adversário do Parlamento hoje é o Parlamento, que, com suas omissões, está fortalecendo a tese de que é desnecessário”, afirmou Cezar Britto.
O presidente da Conamp disse que o caso de Fábio Faria deixa um péssimo exemplo para os brasileiros: “Qual a imagem que fica para o cidadão do Rio Grande do Norte, representado por esse deputado? Que todo mundo pode fazer farra com dinheiro público”.
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